Tempo de Quaresma IV Semana
Evangelho:
Jo 3 14-21
14
E como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa que seja
levantado o Filho do Homem, 15 a fim de que todo o que crê n'Ele tenha a vida
eterna. 16 «Porque Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu
Seu Filho Unigénito, para que todo aquele que crê n'Ele não pereça, mas tenha a
vida eterna. 17 Porque Deus não enviou Seu Filho ao mundo para condenar o
mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. 18 Quem n'Ele acredita, não é
condenado, mas quem não acredita, já está condenado, porque não acredita no
nome do Filho Unigénito de Deus. 19 A condenação é por isto: A luz veio ao
mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram
más. 20 Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz e não se chega para a
luz, a fim de que não sejam reprovadas as suas obras; 21 mas aquele que procede
segundo a verdade, chega-se para a luz, a fim de que seja manifesto que as suas
obras são feitas segundo Deus».
Comentário:
Ai!
Senhor! Para ser visto? É o que mandas?!
Mas, Senhor, esse é, talvez, o meu defeito
principal: os desejos de protagonismo, a vontade de me evidenciar, a vaidade do
que escrevo, do que digo, um engrandecimento próprio tristemente ridículo! Como
podes mandar-me uma coisa destas quando o que realmente preciso é a Tua ajuda
para ser discreto nas minhas acções, contido nas palavras, humilíssimo na
postura?
Volto a dizer-te, Senhor:
Manda o que quiseres mas dá-me o que ordenares.
(ama, meditação sobre Jo 3, 16-21,
2010.04.15)
Leitura espiritual
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS SOBRE O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO ACTUAL
165. Não se deve pensar
que, na catequese, o querigma é deixado de lado em favor duma formação
supostamente mais «sólida».
Nada há de mais sólido,
mais profundo, mais seguro, mais consistente e mais sábio que esse anúncio.
Toda a formação cristã é, primariamente,
o aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne,
que nunca deixa de iluminar a tarefa catequética, e permite compreender adequadamente
o sentido de qualquer tema que se desenvolve na catequese.
É o anúncio que dá
resposta ao anseio de infinito que existe em todo o coração humano.
A centralidade do querigma
requer certas características do anúncio que hoje são necessárias em toda a
parte: que exprima o amor salvífico de Deus como prévio à obrigação moral e
religiosa, que não imponha a verdade mas faça apelo à liberdade, que seja
pautado pela alegria, o estímulo, a vitalidade e uma integralidade harmoniosa
que não reduza a pregação a poucas doutrinas, por vezes mais filosóficas que
evangélicas.
Isto exige do evangelizador
certas atitudes que ajudam a acolher melhor o anúncio: proximidade, abertura ao
diálogo, paciência, acolhimento cordial que não condena.
166. Outra característica
da catequese, que se desenvolveu nas últimas décadas, é a iniciação mistagógica,[i]
que significa essencialmente duas coisas: a necessária progressividade da
experiência formativa na qual intervém toda a comunidade e uma renovada
valorização dos sinais litúrgicos da iniciação cristã.
Muitos manuais e
planificações ainda não se deixaram interpelar pela necessidade duma renovação
mistagógica, que poderia assumir formas muito diferentes de acordo com o
discernimento de cada comunidade educativa.
O encontro catequético é
um anúncio da Palavra e está centrado nela, mas precisa sempre duma ambientação
adequada e duma motivação atraente, do uso de símbolos eloquentes, da sua
inserção num amplo processo de crescimento e da integração de todas as
dimensões da pessoa num caminho comunitário de escuta e resposta.
167. É bom que toda a
catequese preste uma especial atenção à «via da beleza (via pulchritudinis)»[ii].
Anunciar Cristo significa
mostrar que crer n’Ele e segui-Lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas
também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria
profunda, mesmo no meio das provações.
Nesta perspectiva, todas
as expressões de verdadeira beleza podem ser reconhecidas como uma senda que
ajuda a encontrar-se com o Senhor Jesus.
Não se trata de fomentar
um relativismo estético,[iii]
que pode obscurecer o vínculo indivisível entre verdade, bondade e beleza, mas
de recuperar a estima da beleza para poder chegar ao coração do homem e fazer
resplandecer nele a verdade e a bondade do Ressuscitado.
Se nós, como diz Santo
Agostinho, não amamos senão o que é belo,[iv]
o Filho feito homem, revelação da beleza infinita, é sumamente amável e
atrai-nos para Si com laços de amor.
Por isso, torna-se
necessário que a formação na via pulchritudinis esteja inserida na transmissão
da fé.
É desejável que cada
Igreja particular incentive o uso das artes na sua obra evangelizadora, em
continuidade com a riqueza do passado, mas também na vastidão das suas
múltiplas expressões actuais, a fim de transmitir a fé numa nova «linguagem
parabólica».[v]
É preciso ter a coragem de
encontrar os novos sinais, os novos símbolos, uma nova carne para a transmissão
da Palavra, as diversas formas de beleza que se manifestam em diferentes
âmbitos culturais, incluindo aquelas modalidades não convencionais de beleza
que podem ser pouco significativas para os evangelizadores, mas tornaram-se
particularmente atraentes para os outros.
168. Relativamente à
proposta moral da catequese, que convida a crescer na fidelidade ao estilo de
vida do Evangelho, é oportuno indicar sempre o bem desejável, a proposta de
vida, de maturidade, de realização, de fecundidade, sob cuja luz se pode
entender a nossa denúncia dos males que a podem obscurecer.
Mais do que como peritos
em diagnósticos apocalípticos ou juízes sombrios que se comprazem em detectar
qualquer perigo ou desvio, é bom que nos possam ver como mensageiros alegres de
propostas altas, guardiões do bem e da beleza que resplandecem numa vida fiel
ao Evangelho.
O
acompanhamento pessoal dos processos de crescimento
169. Numa civilização
paradoxalmente ferida pelo anonimato e, simultaneamente, obcecada com os
detalhes da vida alheia, descaradamente doente de morbosa curiosidade, a Igreja
tem necessidade de um olhar solidário para contemplar, comover-se e parar
diante do outro, tantas vezes quantas forem necessárias.
Neste mundo, os ministros
ordenados e os outros agentes de pastoral podem tornar presente a fragrância da
presença solidária de Jesus e o seu olhar pessoal.
A Igreja deverá iniciar os
seus membros – sacerdotes, religiosos e leigos – nesta «arte do acompanhamento»,
para que todos aprendam a descalçar sempre as sandálias diante da terra sagrada
do outro[vi].
Devemos dar ao nosso caminhar o ritmo salutar
da proximidade, com um olhar respeitoso e cheio de compaixão, mas que ao mesmo
tempo cure, liberte e anime a amadurecer na vida cristã.
170. Embora possa soar
óbvio, o acompanhamento espiritual deve conduzir cada vez mais para Deus, em
quem podemos alcançar a verdadeira liberdade.
Alguns crêem-se livres
quando caminham à margem de Deus, sem se dar conta que ficam existencialmente
órfãos, desamparados, sem um lar para onde possam sempre voltar.
Deixam de ser peregrinos
para se transformarem em errantes, que giram indefinidamente ao redor de si
mesmos, sem chegar a lado nenhum.
O acompanhamento seria
contraproducente, caso se tornasse uma espécie de terapia que incentive esta
reclusão das pessoas na sua imanência e deixe de ser uma peregrinação com
Cristo para o Pai.
171. Hoje mais do que
nunca precisamos de homens e mulheres que conheçam, a partir da sua experiência
de acompanhamento, o modo de proceder onde reine a prudência, a capacidade de
compreensão, a arte de esperar, a docilidade ao Espírito, para no meio de todos
defender as ovelhas a nós confiadas dos lobos que tentam desgarrar o rebanho.
Precisamos de nos
exercitar na arte de escutar, que é mais do que ouvir.
Escutar, na comunicação
com o outro, é a capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a
qual não existe um verdadeiro encontro espiritual.
Escutar ajuda-nos a
individuar o gesto e a palavra oportunos que nos desinstalam da cómoda condição
de espectadores.
Só a partir desta escuta
respeitosa e compassiva é que se pode encontrar os caminhos para um crescimento
genuíno, despertar o desejo do ideal cristão, o anseio de corresponder
plenamente ao amor de Deus e o anelo de desenvolver o melhor de quanto Deus
semeou na nossa própria vida.
Mas sempre com a paciência
de quem está ciente daquilo que ensinava São Tomás de Aquino: alguém pode ter a
graça e a caridade, mas não praticar bem nenhuma das virtudes «por causa de
algumas inclinações contrárias» que persistem.[vii]
Por outras palavras, as
virtudes organizam-se sempre e necessariamente «in habitu», embora os
condicionamentos possam dificultar as operações desses hábitos virtuosos.
Por isso, faz falta «uma
pedagogia que introduza a pessoa passo a passo até chegar à plena apropriação do
mistério».[viii]
Para se chegar a um estado
de maturidade, isto é, para que as pessoas sejam capazes de decisões
verdadeiramente livres e responsáveis, é preciso dar tempo ao tempo, com uma
paciência imensa.
Como dizia o Beato Pedro Fabro: «O tempo é o
mensageiro de Deus».
172. Quem acompanha sabe
reconhecer que a situação de cada pessoa diante de Deus e a sua vida em graça
são um mistério que ninguém pode conhecer plenamente a partir do exterior.
O Evangelho propõe-nos que
se corrija e ajude a crescer uma pessoa a partir do reconhecimento da maldade
objectiva das suas acções[ix],
mas sem proferir juízos sobre a sua responsabilidade e culpabilidade[x].
Seja como for, um válido
acompanhante não transige com os fatalismos nem com a pusilanimidade.
Sempre convida a querer
curar-se, a pegar no catre[xi],
a abraçar a cruz, a deixar tudo e partir sem cessar para anunciar o Evangelho.
A experiência pessoal de
nos deixarmos acompanhar e curar, conseguindo exprimir com plena sinceridade a
nossa vida a quem nos acompanha, ensina-nos a ser pacientes e compreensivos com
os outros e habilita-nos a encontrar as formas para despertar neles a
confiança, a abertura e a vontade de crescer.
173. O acompanhamento espiritual autêntico
começa sempre e prossegue no âmbito do serviço à missão evangelizadora.
A relação de Paulo com
Timóteo e Tito é exemplo deste acompanhamento e desta formação durante a acção
apostólica.
Ao mesmo tempo que lhes
confia a missão de permanecer numa cidade concreta para «acabar de organizar o
que ainda falta»[xii],
dá-lhes os critérios para a vida pessoal e a actividade pastoral.
Isto é claramente distinto
de todo o tipo de acompanhamento intimista, de auto-realização isolada.
Os discípulos missionários
acompanham discípulos missionários.
Ao
redor da Palavra de Deus
174. Não é só a homilia
que se deve alimentar da Palavra de Deus. Toda a evangelização está fundada
sobre esta Palavra escutada, meditada, vivida, celebrada e testemunhada.
A Sagrada Escritura é
fonte da evangelização.
Por isso, é preciso formar-se
continuamente na escuta da Palavra.
A Igreja não evangeliza,
se não se deixa continuamente evangelizar.
É indispensável que a Palavra de Deus «se
torne cada vez mais o coração de toda a actividade eclesial».[xiii]
A Palavra de Deus ouvida e
celebrada, sobretudo na Eucaristia, alimenta e reforça interiormente os
cristãos e torna-os capazes de um autêntico testemunho evangélico na vida
diária.
Superámos já a velha
contraposição entre Palavra e Sacramento: a Palavra proclamada, viva e eficaz,
prepara a recepção do Sacramento e, no Sacramento, essa Palavra alcança a sua
máxima eficácia.
175. O estudo da Sagrada
Escritura deve ser uma porta aberta para todos os crentes.[xiv]
É fundamental que a
Palavra revelada fecunde radicalmente a catequese e todos os esforços para [xv]
a evangelização requer a familiaridade com a Palavra de Deus, e isto exige que
as dioceses, paróquias e todos os grupos católicos proponham um estudo sério e
perseverante da Bíblia e promovam igualmente a sua leitura orante pessoal e
comunitária.[xvi]
Nós não procuramos Deus
tacteando, nem precisamos de esperar que Ele nos dirija a palavra, porque
realmente «Deus falou, já não é o grande desconhecido, mas mostrou-Se a Si
mesmo».[xvii]
Acolhamos o tesouro sublime da Palavra revelada!
(cont)
(Revisão da versão portuguesa por ama)
[i] Cf. Propositio 38.
[ii] Cf. Propositio 20.
[iii] Cf. Conc. Ecum.
Vat. II, Decr. sobre os meios de comunicação social Inter mirifica, 6.
[iv] Cf. De musica, VI,
13, 38: PL 32, 1183-1184; Confessiones, IV, 13, 20: PL 32, 701.
[v] Bento XVI, Discurso
no final da projecção do documentário «Arte e fé – via pulchritudinis» (25 de
Outubro de 2012): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 03/XI/2012), 4.
[vi] cf. Ex 3, 5
[vii]
Summa theologiae I-II, q. 65, a. 3, ad 2: «propter aliquas dispositiones
contrarias».
[viii] João Paulo II,
Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999), 20: AAS 92
(2000), 481.
[ix] cf. Mt 18, 15
[x] cf. Mt 7, 1; Lc 6,
37
[xi] cf. Mt 9, 6
[xii] Tt 1, 5; cf. 1 Tm
1, 3-5
[xiii] Bento XVI, Exort.
ap. pós-sinodal Verbum Domini (30 de Setembro de 2010), 1: AAS 102 (2010), 682.
[xiv] Cf. Propositio
11.138 transmitir a fé.
[xv] Cf. Conc. Ecum.
Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 21-22.
[xvi] Cf. Bento XVI,
Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini (30 de Setembro de 2010), 86-87: AAS 102
(2010), 757-760.
[xvii] Bento XVI,
Meditação durante a primeira Congregação geral do Sínodo dos Bispos (8 de
Outubro de 2012): AAS 104 (2012), 896.
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