23/02/2015

Tratado do verbo encarnado 130

Questão 21: Da oração de Cristo

Em seguida devemos tratar da oração de Cristo.

E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se convinha a Cristo orar.
Art. 2 — Se a Cristo, considerado na sua sensibilidade, convinha orar.
Art. 3 — Se convinha a Cristo orar por si.
Art. 4 — Se a oração de Cristo sempre foi ouvida.

Art. 1 — Se convinha a Cristo orar.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a Cristo não convinha o orar.

1. — Pois, como diz Damasceno, orar é pedir o que convém, a Deus. Ora, podendo Cristo fazer tudo, não lhe convém pedir nada a ninguém. Logo, parece que não convinha a Cristo o orar.

2. Demais. — Não devemos pedir, nas nossas orações, o que sabemos haver certamente de se dar, assim, não oramos para o sol nascer amanhã. Também não é conveniente pedir nas nossas orações o que sabemos que de nenhum modo se dará. Ora, Cristo sabia, em tudo, o que haveria de suceder. Logo, não lhe cabia pedir nada, pela oração.

3. Demais. — Damasceno diz que a oração é ascensão do nosso intelecto para Deus. Ora, o intelecto de Cristo não precisava ascender para Deus, com quem estava sempre unido, não só pela união hipostática mas também pela fruição da bem-aventurança. Logo, a Cristo não convinha orar.

Mas, em contrario, o Evangelho: Aconteceu naqueles dias que saiu ao monte a orar e passou toda a noite em oração a Deus.

Como dissemos na Segunda Parte, a oração é um como expandir-se da nossa vontade para com Deus, para que a satisfaça. Se, pois, Cristo tivesse uma só vontade – a divina, de nenhum modo lhe cabia orar, pois, a vontade divina faz por si mesma tudo quanto quer, segundo a Escritura: Quantas coisas quis todas fez o Senhor. Mas, tendo Cristo uma vontade divina e outra, humana, e não sendo a sua vontade humana capaz, por si mesma, de fazer o que quer, senão por virtude divina, daí vem que era natural a Cristo orar, enquanto homem e dotado de uma vontade humana.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Cristo, como Deus, podia fazer tudo o que queria, mas não como homem, pois, como tal, não tinha a omnipotência, como dissemos. Contudo ele quis, mesmo como homem e Deus, fazer oração ao Pai, não porque não fosse omnipotente, mas para nossa instrução. — Primeiro, para mostrar que vinha do Pai, sendo por isso que disse: Falei assim, isto e, orei por atender a este povo que está à roda de mim, para que eles creiam que tu me enviaste. Donde o dizer Hilário: Não precisava de orar, orou por nós, para que o Filho não fosse ignorado. — Segundo, para nos dar o exemplo da oração. E por isso diz Ambrósio: Não escuteis com ouvidos enganosos, pensando que o Filho de Deus orava, por fraqueza, pedindo se realizar o que não podia ele realizar. Mas, como fonte de todo poder, como mestre da obediência, ensina-nos, com o seu exemplo, os preceitos da virtude. Daí o dizer Agostinho: O Senhor podia, sob a forma de servo, e se o fosse necessário, orar em silêncio, mas quis apresentar-se ao Pai como pecador, para lembrar que era o nosso Mestre.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Entre as várias coisas futuras que Cristo sabia, sabia que algumas se realizariam mediante as suas orações. E essas não era inconveniente que as pedisse a Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A ascensão não é mais que o movimento para o que está em cima. Ora, o movimento, conforme Aristóteles, é susceptível de duplo sentido. - Num sentido próprio implica a passagem a potência para o acto, enquanto é o acto do que é imperfeito. E assim, ascender é próprio do que é potencial, e não actual, em relação ao que está em cima. E neste sentido Damasceno diz: O intelecto humano de Cristo não precisava de ascender para Deus, pois, estava sempre unido com Deus, tanto pela sua existência pessoal, como pela contemplação beatífica. — Noutro sentido, o movimento é o acto do perfeito, isto é, do que existe em acto, e assim chamamos movimento ao inteligir e ao sentir. E neste sentido, o intelecto de Cristo sempre ascende para Deus, pois sempre o contemplava como o que tinha uma existência superior.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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