Art.
5 — Se a vontade humana de Cristo quis coisas diferentes das que Deus quer.
O quinto discute-se assim. — Parece
que a vontade humana de Cristo não quis coisas diferentes das que Deus quer.
1. — Pois, diz a Escritura: Para fazer a tua vontade, Deus meu, eu o
quis. Ora, quem quer fazer a vontade de outrem quer o que este quer. Logo,
parece que a vontade humana de Cristo não queria senão o que a sua vontade
divina queria.
2. Demais. — A alma de Cristo tinha
uma caridade perfeitíssima, excelente mesmo à compreensão da nossa ciência,
segundo aquilo do Apóstolo: A caridade de
Cristo, que excede todo entendimento. Ora, a caridade faz querermos o que
Deus quer, donde o dizer o Filósofo, que uma das características dos amigos é
querer e escolher as mesmas coisas. Logo, a vontade humana de Cristo nada mais
queria do que queria a sua vontade divina.
3. Demais. — Cristo gozava realmente
da visão beatífica. Ora, os santos que gozam da visão beatífica no céu, não
querem senão o que Deus quer. Do contrário, não seriam santos, por não terem
tudo quanto quisessem, pois, como diz Agostinho, bem-aventurado é quem tem tudo o que quer e nada quer de mau. Logo,
Cristo nada mais quis, pela sua vontade humana, senão o que a vontade divina
queria.
Mas, em contrário, Agostinho diz: Quando Cristo disse — não o que eu quero,
mas o que tu queres — mostrou querer coisa diferente que a querida pelo Pai.
E isso só o podia pela sua vontade humana, pois, transfigurou a nossa fraqueza
no seu desejo, não divino, mas humano.
Como dissemos, a natureza
humana de Cristo encerra vontade dupla, a sensitiva, chamada vontade por
participação, e a racional, considerada quer como natureza, quer como razão.
Ora, como dissemos, o Filho de Deus, por uma certa dispensa e antes da sua
paixão, permitia à carne fazer e sofrer como carne. E semelhantemente, permitia
a todas as suas faculdades agir como lhes era próprio. Ora, é manifesto que a
vontade sensitiva evita naturalmente as dores sensíveis e os sofrimentos do
corpo. Semelhantemente, a vontade como natureza evita o que lhe é contrário e o
mal em si mesmo, como a morte e males semelhantes. Ora, tais coisas a vontade,
como razão, pode às vezes eleger, em dependência do fim, assim como a
sensualidade, e mesmo a vontade, absolutamente considerada, de um homem tal,
enquanto tal, evita uma queimadura, que contudo a vontade racional elege, em
vista da saúde adquiri-la. Ora, a vontade de Deus era, que Cristo padecesse
dores, sofrimentos e a morte, não por Deus os querer como tais, mas em ordem ao
fim da salvação humana. Donde é claro, que Cristo, pela vontade da
sensualidade, e pela vontade racional, considerada como natureza, podia querer
coisas diferentes das queridas por Deus. Mas, pela vontade racional queria
sempre o mesmo que Deus. Isso resulta das próprias palavras de Cristo: Não se faça a minha vontade, mas sim a tua.
Pois, queria, pela vontade racional, cumprir a vontade divina, embora diga que
quer coisa diversa, pela sua outra vontade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Cristo queria que a vontade do Pai se cumprisse, não porém pela vontade
sensitiva, cujo movimento não se eleva até a vontade de Deus, nem pela vontade
considerada como natureza, que busca um objecto absolutamente considerado, e
não em ordem à vontade divina.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A conformidade
da vontade humana com a divina funda-se na vontade racional, pela qual também
concordam as vontades dos amigos, enquanto a razão considera a coisa querida,
relativamente à vontade do amigo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo ao mesmo
tempo que vivia esta vida, contemplava a essência divina, enquanto a sua alma
gozava de Deus, e tinha uma carne passível. E por isso, pela sua carne passível,
podia padecer alguns sofrimentos repugnantes à sua vontade natural e mesmo ao
apetite sensitivo.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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