15/02/2015

Tratado do verbo encarnado 122

Questão 18: Da unidade de Cristo quanto a vontade

Art. 5 — Se a vontade humana de Cristo quis coisas diferentes das que Deus quer.

O quinto discute-se assim. — Parece que a vontade humana de Cristo não quis coisas diferentes das que Deus quer.

1. — Pois, diz a Escritura: Para fazer a tua vontade, Deus meu, eu o quis. Ora, quem quer fazer a vontade de outrem quer o que este quer. Logo, parece que a vontade humana de Cristo não queria senão o que a sua vontade divina queria.

2. Demais. — A alma de Cristo tinha uma caridade perfeitíssima, excelente mesmo à compreensão da nossa ciência, segundo aquilo do Apóstolo: A caridade de Cristo, que excede todo entendimento. Ora, a caridade faz querermos o que Deus quer, donde o dizer o Filósofo, que uma das características dos amigos é querer e escolher as mesmas coisas. Logo, a vontade humana de Cristo nada mais queria do que queria a sua vontade divina.

3. Demais. — Cristo gozava realmente da visão beatífica. Ora, os santos que gozam da visão beatífica no céu, não querem senão o que Deus quer. Do contrário, não seriam santos, por não terem tudo quanto quisessem, pois, como diz Agostinho, bem-aventurado é quem tem tudo o que quer e nada quer de mau. Logo, Cristo nada mais quis, pela sua vontade humana, senão o que a vontade divina queria.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Quando Cristo disse — não o que eu quero, mas o que tu queres — mostrou querer coisa diferente que a querida pelo Pai. E isso só o podia pela sua vontade humana, pois, transfigurou a nossa fraqueza no seu desejo, não divino, mas humano.

Como dissemos, a natureza humana de Cristo encerra vontade dupla, a sensitiva, chamada vontade por participação, e a racional, considerada quer como natureza, quer como razão. Ora, como dissemos, o Filho de Deus, por uma certa dispensa e antes da sua paixão, permitia à carne fazer e sofrer como carne. E semelhantemente, permitia a todas as suas faculdades agir como lhes era próprio. Ora, é manifesto que a vontade sensitiva evita naturalmente as dores sensíveis e os sofrimentos do corpo. Semelhantemente, a vontade como natureza evita o que lhe é contrário e o mal em si mesmo, como a morte e males semelhantes. Ora, tais coisas a vontade, como razão, pode às vezes eleger, em dependência do fim, assim como a sensualidade, e mesmo a vontade, absolutamente considerada, de um homem tal, enquanto tal, evita uma queimadura, que contudo a vontade racional elege, em vista da saúde adquiri-la. Ora, a vontade de Deus era, que Cristo padecesse dores, sofrimentos e a morte, não por Deus os querer como tais, mas em ordem ao fim da salvação humana. Donde é claro, que Cristo, pela vontade da sensualidade, e pela vontade racional, considerada como natureza, podia querer coisas diferentes das queridas por Deus. Mas, pela vontade racional queria sempre o mesmo que Deus. Isso resulta das próprias palavras de Cristo: Não se faça a minha vontade, mas sim a tua. Pois, queria, pela vontade racional, cumprir a vontade divina, embora diga que quer coisa diversa, pela sua outra vontade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Cristo queria que a vontade do Pai se cumprisse, não porém pela vontade sensitiva, cujo movimento não se eleva até a vontade de Deus, nem pela vontade considerada como natureza, que busca um objecto absolutamente considerado, e não em ordem à vontade divina.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A conformidade da vontade humana com a divina funda-se na vontade racional, pela qual também concordam as vontades dos amigos, enquanto a razão considera a coisa querida, relativamente à vontade do amigo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo ao mesmo tempo que vivia esta vida, contemplava a essência divina, enquanto a sua alma gozava de Deus, e tinha uma carne passível. E por isso, pela sua carne passível, podia padecer alguns sofrimentos repugnantes à sua vontade natural e mesmo ao apetite sensitivo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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