Art.
5 — Se Cristo sofreu verdadeiramente a dor sensível.
O quinto discute-se assim. — Parece
que Cristo não sofreu verdadeiramente a dor sensível.
1. — Pois, diz Hilário: Sendo para
Cristo a morte, vida, que devemos crer tenha sofrido no sacramento da sua
morte, ele que dá a vida pelos que lhe sacrificam a deles? E a seguir: O Deus
unigénito realmente assumiu a natureza humana, sem deixar por isso de ser Deus.
E assim, embora recebesse golpes ou fosse varado de ferimentos, ou amassado ou
suspenso na cruz, tudo isso bem lhe podia fazer sofrer os assaltos da paixão,
mas não causar-lhe dor, pois, tudo lhe era como um dardo que transpassasse a
água. Logo, em Cristo não houve verdadeira dor.
2. Demais. — É próprio à carne
concebida no pecado ficar sujeita ao jugo da dor. Ora, a carne de Cristo não
foi concebida no pecado, mas, do Espírito Santo, no ventre virginal. Logo, não
estava sujeita à necessidade de sofrer a dor.
3. Demais. — A contemplação das coisas
divinas diminui o sentimento da dor, por isso os mártires suportaram melhor os
seus tormentos, por terem a consideração posta no divino amor. Ora, a alma de
Cristo estava toda engolfada nas delícias da contemplação de Deus, cuja
essência via, como dissemos. Logo, não podia sentir nenhuma dor.
Mas, em contrário, a Escritura:
Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas e ele mesmo
carregou com as nossas dores.
Como resulta do que
dissemos na Segunda Parte, a dor sensível real implica uma lesão corpórea e o
sentimento dessa lesão. Ora, o corpo de Cristo, sendo passível e mortal, como
demonstramos, podia sofrer uma lesão, e como a alma de Cristo era dotada de
todas as potências naturais, não lhe faltava o sentimento da lesão. Donde, não pode
haver nenhuma dúvida que Cristo tivesse realmente sofrido a dor.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Em todas as palavras citadas e em outras semelhantes, Hilário pretende
excluir da carne de Cristo não a verdadeira dor, mas a necessidade de sofrê-la.
Por isso, depois das palavras citadas, acrescenta: Quando o Senhor teve sede,
teve fome ou chorou, não mostrou com isso que verdadeiramente bebesse, comesse
ou sofresse dor, mas, para mostrar que tinha verdadeiramente um corpo, assumiu
os hábitos do corpo, de modo que, pelo que é habitual à nossa natureza,
satisfizesse as exigências do corpo. Ou, quando tomou a bebida e a comida,
cedeu, não à necessidade, mas aos hábitos do corpo. E toma a palavra necessidade
na sua relação com a causa primeira delas, que é o pecado, como dissemos, de
modo que compreendamos que a carne de Cristo não estava sujeita ao jugo das
referidas necessidades, porque nela não havia pecado. Por isso acrescenta
Hilário: Teve Cristo um corpo, mas próprio da sua origem, nem trazia em si os
vícios da concepção humana, mas se revestiu da forma do nosso corpo, em virtude
do seu poder. Quanto à causa próxima dessas necessidades, que é a composição de
elementos contrários, a carne de Cristo estava sujeita ao jugo delas, como
estabelecemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A carne
concebida no pecado está sujeita à dor, não só por necessidade dos princípios
naturais, mas ainda pela necessidade do reato do pecado. Cuja necessidade em
Cristo não existia, mas só, a imposta pelos princípios naturais.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos,
por uma sábia disposição da sua divindade, a bem-aventurança, a alma de Cristo
de tal modo a tinha que ela não derivava para o corpo, para lhe não tolher a
passibilidade e a mortalidade. E pela mesma razão, o prazer da contemplação de
tal modo a sua inteligência o gozava, que não derivava para as potências
sensíveis, a fim de não excluir assim a dor sensível.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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