Art.
3 — Se em Cristo houve ignorância.
O terceiro discute-se assim. — Parece
que em Cristo houve ignorância.
1. — Pois, Cristo tinha
verdadeiramente o que lhe convinha à natureza humana, embora não lho conviesse
à natureza divina, assim, a paixão e a morte. Ora, a ignorância convinha à
natureza humana de Cristo, assim, diz Damasceno, que ele assumiu uma natureza
servil e ignorante. Logo, em Cristo houve realmente ignorância.
2. Demais. — Chama-se ignorante quem
tem falta de conhecimento. Ora, Cristo não teve alguns conhecimentos, assim,
diz o Apóstolo: Aquele que não havia conhecido pecado o fez pecado por nós.
Logo, em Cristo houve ignorância.
3. Demais. — A Escritura diz: Antes
que o menino saiba chamar por seu pai e por sua mãe, tirar-se-á a fortaleza de
Damasco. Ora, esse menino é Cristo. Logo, Cristo ignorava algumas coisas.
Mas, em contrário. — A ignorância não
se elimina com a ignorância. Ora, Cristo veio redimir-nos das nossas ignorâncias,
pois, como diz o Evangelho, veio para alumiar os que vivem de assento nas
trevas e nas sombras da morte. Logo, em Cristo não houve ignorância.
Assim como Cristo tinha a
plenitude da graça e da virtude, assim também teve a plenitude de toda a
ciência, como do sobredito se colhe. Ora, assim como em Cristo a plenitude da
graça e da virtude exclui a concupiscência nascida do pecado, assim também a
plenitude da ciência exclui a ignorância, imposta à ciência. Donde, assim como
em Cristo não houve inclinação para o pecado, assim também nenhuma ignorância.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A natureza assumida por Cristo pode ser considerada a dupla luz. — Primeiro,
quanto à sua essência específica. E, neste sentido, Damasceno diz que ela é ignorante
e servil. E por isso acrescenta: Pois, a natureza do homem é escrava de Deus,
que a fez, e ela não tem o conhecimento, das causas futuras. — A outra luz pode
ser considerada pelo que tem, da união com a hipóstase divina, da qual recebeu
a plenitude da ciência e da graça, conforme o Evangelho: Nós vimos a sua glória
como de Filho unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade. E, neste sentido,
a natureza humana de Cristo não estava sujeita a nenhuma ignorância.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Diz-se que
Cristo não conheceu o pecado, por não o conhecer por experiência. Mas conhecia-o
por simples conhecimento.
RESPOSTA À TERCEIRA. — No lugar
aduzido o Profeta refere-se à ciência humana de Cristo. Pois diz: Antes que o
menino saiba, isto é, pela sua humanidade, chamar por seu pai, isto é, José,
que era o seu pai putativo, e por sua mãe, isto é, Maria, tirar-se-á a
fortaleza de Damasco. O que não se deve entender como significando que um dia
foi homem e não o soube, mas sim que, antes que saiba, isto é, antes que se
torne homem dotado da ciência humana, tirar-se-ão: ou, literalmente, a
fortaleza de Damasco e os despojos de Samaria pelo rei dos Assírios, ou, em
sentido espiritual, que, ainda antes de nascido, salvará o povo de Israel, só
com a invocação do seu nome. — Agostinho, porém, diz que isso se completou na
adoração dos Magos. São suas palavras: Antes de poder falar a língua dos homens
por meio da natureza humana, recebeu a fortaleza de Damasco, isto é, as
riquezas de que Damasco presumia, e dessas riquezas o ouro designa a sua
realeza. Quanto aos despojos de Samaria eles significam os seus próprios
habitantes. Pois, Samaria representa a idolatria, porque lá o povo de Israel
afastou-se do Senhor e se entregou ao culto dos ídolos. E são esses os
primeiros despojos que o menino arrancou ao poder da idolatria. E, segundo esta
interpretação, as palavras — antes que saiba — entendem-se como significando —
antes que mostre que sabe.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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