E, primeiro, do conveniente a Cristo
em si mesmo considerado. Segundo, do que lhe convém por comparação com Deus Pai.
Terceiro, do que convém a Cristo, quanto a nós.
O primeiro ponto abrange uma dupla
questão. A primeira sobre o que convém a Cristo no seu ser e no seu dever, a
segunda sobre o que convém a Cristo em razão da unidade.
Na primeira questão discutem-se doze
artigos:
Art. 1 — Se é falsa a proposição: Deus
é homem.
Art. 2 — Se é falsa a proposição: o
homem é Deus.
Art. 3 — Se Cristo pode ser chamado o
homem do Senhor.
Art. 4 — Se o próprio à natureza
humana pode-se atribuir a Deus.
Art. 5 — Se as propriedades da
natureza humana podem ser atribuídas à natureza divina.
Art. 6 — Se é falsa a proposição: Deus
se fez homem.
Art. 7 — Se é verdadeira a proposição:
o homem foi feito Deus.
Art. 8 — Se é verdadeira a proposição:
Cristo é uma criatura.
Art. 9 — Se referente a Cristo, é
verdadeira a proposição: o homem começou a existir.
Art. 10 — Se é falsa a proposição:
Cristo, enquanto homem, é criatura, ou começou a existir.
Art. 11 — Se Cristo, enquanto homem, é
Deus.
Art. 12 — Se Cristo, enquanto homem, é
hipóstase ou pessoa.
Art.
1 — Se é falsa a proposição: Deus é homem.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que é falsa o proposição: Deus é homem.
1 — Pois, toda proposição afirmativa,
em matéria remota, é falsa. Ora, a proposição – Deus é homem, é em matéria
remota, porque as formas significadas pelo sujeito e pelo predicado distam em
máximo grau. Ora, sendo essa proposição afirmativa, é falsa.
2. Demais. — Mais convêm as três
Pessoas divinas entre si, que a natureza humana com a divina. Ora, no mistério
da Trindade, uma pessoa não é predicada de outra, assim, não dizemos que o Pai
é o Filho, ou inversamente. Logo, parece que também a natureza humana não pode
predicar-se de Deus, de modo a dizer-se que Deus é homem.
3. Demais. — Atanásio diz, que assim
como a alma e a carne são um só homem, assim, Deus e homem constituem um só
Cristo. Ora, é falsa a proposição – A alma é o corpo. Logo, também falsa é a
outra: Deus é homem.
4. Demais. — Como se demonstrou na
Primeira Parte, o predicado de Deus, não relativa mas absolutamente, convém a
toda a Trindade e a cada uma das Pessoas. Ora, o nome homem não é relativo, mas
absoluto. Se, pois, é verdadeiramente predicado de Deus, segue-se que toda a
Trindade e qualquer das suas pessoas é homem. O que é evidentemente falso.
Mas, em contrário, o Apóstolo: O qual,
tendo a natureza de Deus, se aniquilou a si mesmo, tomando a natureza de servo
fazendo-se semelhante aos homens e sendo reconhecido na condição como homem. E
assim, aquele que tem a natureza de Deus é homem. Ora, aquele que tem a
natureza de Deus é Deus. Logo, Deus é homem.
A proposição – Deus é homem
todos os cristãos a concedem, mas não todos pela mesma razão. Pois, alguns
concedem-na, mas não na acepção própria dos seus termos. — Assim, os Maniqueus
consideram o Verbo de Deus como homem, mas não verdadeiro, senão só por
semelhança, dizendo que o Filho de Deus assumiu um corpo imaginário, e então,
dizemos que Deus é homem no mesmo sentido em que dizemos que uma figura de
cobre é homem, por ter a semelhança humana. — Semelhantemente, também os que
ensinavam não terem sido unidos, em Cristo, a alma e o corpo, não admitiam que Deus
fosse verdadeiro homem, mas que o era só figuradamente, em razão das partes. —
Ora, ambas estas opiniões já foram refutadas.
Outros, porém, ao inverso, ensinam a verdade
em relação ao homem, mas negam-na em relação a Deus. Pois, dizem que Cristo,
sendo Deus e homem, é Deus, não por natureza, mas por participação, isto é,
pela graça, assim como todos os varões santos se chamam deuses, mas, mais
excelentemente, Cristo, que todos, por ter uma graça mais abundante. E assim,
quando dizemos — Deus é homem — a palavra Deus não supõe um Deus verdadeiro e
de natureza divina. E tal foi a heresia de Fotino, supra refutada.
Outros, porém, concedem a referida
proposição admitindo como verdadeiros ambos os seus termos e, portanto, que
Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, mas nem por isso salvam a verdade
da predicação. Pois, dizem que homem é predicado, de Deus, por uma certa união
de dignidade ou de autoridade ou ainda de afecto ou de habilitação. E assim
Nestório ensinava que Deus é homem, não querendo com isso significar senão que
Deus está unido ao homem por uma tal união, que Deus nele habita e lhe está
unido pelo afecto e pela participação da autoridade e da honra divina. — E em
semelhante erro caem todos os que introduzem duas hipóstases ou dois supostos
em Cristo. Pois, não é possível entender-se que, de dois seres distintos pelo
suposto ou pela hipóstase, um seja propriamente predicado do outro, senão só
por um modo figurado de falar, enquanto tem algum ponto de união. Assim, se
dissermos que Pedro é João, por terem alguma coisa que os une entre si. Ora,
estas opiniões também já foram refutadas.
Donde, supondo, segundo a verdade da
fé, Católica, a união da verdadeira natureza divina com a verdadeira natureza
humana, não só na pessoa, mas também no suposto ou na hipóstase, dizemos ser
verdadeira e própria a proposição — Deus é homem. Não só pela verdade dos
termos, isto é, por ser Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, mas ainda
pela verdade da predicação. Pois o nome que significa a natureza comum em
concreto, pode ser suposto seja pelo que for que estiver contido nessa natureza
comum, assim o nome de homem pode ser suposto por qualquer homem particular. Donde,
o nome de Deus, pelo próprio modo do seu significado, pode ser suposto pela
pessoa do Filho de Deus, como também já demonstramos na Primeira Parte. De
qualquer suposto, porém, de uma natureza, pode ser verdadeira e propriamente
predicado o nome significativo dessa natureza em concreto, assim, de Sócrates e
de Platão a palavra homem é própria e verdadeiramente predicado. Ora, sendo a
pessoa do Filho de Deus, pela qual é suposto o nome de Deus, o suposto da
natureza humana, o nome de homem pode ser predicado do nome Deus verdadeira e
propriamente, enquanto suposto pela pessoa do Filho de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Quando formas diversas não podem convir num mesmo suposto, então a proposição
versa necessariamente sobre matéria remota, da qual o sujeito significa uma
dessas formas e o predicado, a outra. Mas, quando duas formas podem convir num
mesmo suposto, a matéria não é remota, mas, natural ou contingente, como quando
digo – um homem branco é músico. Ora, a natureza divina e a humana, embora
distantes uma da outra em máximo grau, contudo convêm, pelo mistério da Encarnação,
num mesmo suposto, no qual nenhuma delas existe por acidente, mas por essência.
Donde, a proposição — Deus é homem — nem é em matéria remota nem em matéria
contingente, mas em matéria natural. E o nome de homem é predicado de Deus, não
acidentalmente, mas por essência, como da sua hipóstase, não certamente em
razão da forma significada pelo nome de Deus, mas em razão do suposto, que é a
hipóstase da natureza humana.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As três Pessoas
divinas convêm na mesma natureza, mas distinguem-se pelo suposto, e portanto
não podem predicar-se uma de outra. Mas no mistério da Encarnação, as naturezas,
por serem distintas, certamente não se predicam uma da outra, enquanto de
significação abstracta, pois, não é a natureza divina a humana, mas, por terem
o mesmo suposto, predicam-se uma da outra em concreto.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Alma e carne têm
significado abstracto, como a tem divindade e humanidade, mas, em significado
concreto, dizemos animado e carnal ou corpóreo, assim como dizemos, de outro
lado, Deus e homem. Donde, de ambos os lados, não é predicado o abstracto, do
abstracto, mas só, o concreto, do concreto,
RESPOSTA À QUARTA. — O nome de homem é
predicado de Deus em razão da união pessoal, e essa união implica relação. E
por isso, não segue a regra daqueles nomes que absolutamente e abeterno são
predicados de Deus.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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