Oitava do Natal
Evangelho: Jo 1 29-34
29 No dia seguinte
João viu Jesus, que vinha ter com ele, e disse: «Eis o Cordeiro de Deus, eis O
que tira o pecado do mundo. 30 Este é Aquele de Quem eu disse: Depois de mim
vem um homem que é superior a mim, porque era antes de mim, 31 eu não O
conhecia, mas vim baptizar em água, para Ele ser reconhecido em Israel». 32
João deu este testemunho: «Vi o Espírito descer do céu em forma de pomba e
repousou sobre Ele. 33 Eu não O conhecia, mas O que me mandou baptizar em água,
disse-me: Aquele sobre quem vires descer e repousar o Espírito, esse é O que
baptiza no Espírito Santo. 34 Eu O vi, e dei testemunho de que Ele é o Filho de
Deus».
Comentário:
O Evangelista
não nos conta a reacção das pessoas – e deveriam ser muitas – que rodeavam o
Baptista e que, portanto, ouviam as suas palavras. Podemos imaginar a surpresa
e, ao mesmo tempo, a alegria que deverão ter sentido.
Terão
percebido, com clareza meridiana, tudo quanto João lhes vinha dizendo: que não
era o Messias mas sim o que vinha antes dele para preparar os corações para a
Sua chegada, os apelos à conversão e mudança de vida, a constante demonstração
de humildade de um servidor com uma função muito específica.
Ele, João,
haveria de desaparecer para que surgisse Aquele que vinha anunciar!
(ama, comentário sobre Jo 1, 29-34, 2014.01.03)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 241 a 249
241
Contemplemos
agora a sua Mãe bendita, também nossa Mãe. No Calvário, junto ao patíbulo,
reza. Não é uma atitude nova em Maria. Assim se conduziu sempre, cumprindo os
seus deveres, ocupando-se do seu lar. Enquanto estava nas coisas da terra,
permanecia pendente de Deus. Cristo, perfectus Deus, perfectus homo, quis que
também a sua Mãe, a criatura mais excelsa, a cheia de graça, nos confirmasse
nesse afã de elevar sempre o olhar para o amor divino. Recordai a cena da
Anunciação: desce o arcanjo para comunicar a divina embaixada - a mensagem de
que seria Mãe de Deus - e encontra-a retirada em oração. Maria está totalmente
recolhida no Senhor, quando S. Gabriel a saúda: Deus te salve, oh cheia de
graça! O Senhor é contigo. Dias depois, irrompe na alegria do Magnificat - esse
cântico mariano que nos transmitiu o Espírito Santo pela delicada fidelidade de
S. Lucas - fruto da intimidade habitual da Virgem Santíssima com Deus.
A
nossa Mãe meditou longamente as palavras das mulheres e dos homens santos do
Antigo Testamento, que esperavam o Salvador, e os acontecimentos de que foram
protagonistas. Admirou o cúmulo de prodígios e o excesso da misericórdia de
Deus com o seu povo, tantas vezes ingrato. Ao considerar esta ternura do Céu,
incessantemente renovada, brota o afecto do seu Coração imaculado: a minha alma
glorifica o Senhor; e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador. Porque
lançou os olhos para a baixeza da sua escrava. Os filhos desta boa Mãe, os
primeiros cristãos, aprenderam com Ela, e nós também podemos e devemos
aprender.
242
Nos
Actos dos Apóstolos narra-se uma cena que me encanta, porque apresenta um
exemplo claro e sempre actual: perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos, na
comum fracção do pão e na oração. É uma nota insistente no relato da vida dos
primeiros seguidores de Cristo: Todos, animados por um mesmo espírito,
perseveravam juntos em oração. E quando Pedro é preso por pregar audazmente a
verdade, decidem rezar. Entretanto a Igreja fazia sem cessar oração a Deus por
ele.
A
oração era então, como hoje, a única arma, o meio mais poderoso para vencer nas
batalhas da luta interior. Há entre vós alguém que esteja triste? Que se
recolha em oração. E S. Paulo resume: orai sem cessar, nunca vos canseis de
implorar.
243
Como fazer oração
Como
fazer oração? Atrevo-me a assegurar, sem temor de me enganar, que há muitas,
infinitas maneiras de orar. Mas eu preferia para todos nós a autêntica oração
dos filhos de Deus, não o palavreado dos hipócritas que hão-de ouvir de Jesus:
nem todo o que me diz, Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus.
Os
que são movidos pela hipocrisia podem talvez conseguir o ruído da oração -
escrevia Santo Agostinho - mas não a sua voz, porque aí falta vida e há
ausência de afã por cumprir a Vontade do Pai. Que o nosso clamor - Senhor! - vá
unido ao desejo eficaz de converter em realidade essas moções interiores, que o
Espírito Santo desperta na nossa alma.
Temos
de nos esforçar para que da nossa parte não fique nem sombra de hipocrisia. O
primeiro requisito para desterrar esse mal que o Senhor condena duramente, é
procurar comportar-se com a disposição clara, habitual e actual de aversão ao
pecado. Com fortaleza, com sinceridade, temos de sentir - no coração e na
cabeça - horror ao pecado grave. E também há-de ser nossa a atitude, profundamente
arreigada, de abominar o pecado venial deliberado, essas claudicações que não
nos privam da graça divina, mas que debilitam as vias através das quais ela nos
chega.
244
Nunca
me cansei e, com a graça de Deus, nunca me cansarei de falar de oração. Por
volta de 1930, quando se aproximavam de mim, sacerdote jovem, pessoas de todas
as condições - universitários, operários, sãos e doentes, ricos e pobres,
sacerdotes e leigos - que procuravam acompanhar mais de perto o Senhor,
aconselhava-os sempre: rezai. E se algum me respondia: "não sei sequer
como começar", recomendava-lhe que se pusesse na presença do Senhor e lhe
manifestasse a sua inquietação, a sua dificuldade, com essa mesma queixa:
"Senhor, não sei!" E muitas vezes, naquelas humildes confidências,
concretizava--se a intimidade com Cristo, um convívio assíduo com Ele.
Passaram
muitos anos e não conheço outra receita. Se não te consideras preparado,
recorre a Jesus como faziam os seus discípulos: ensina-nos a fazer oração.
Comprovarás como o Espírito Santo ajuda a nossa fraqueza, pois que, não sabendo
sequer o que havemos de pedir nas nossas orações, nem como é conveniente
expressarmo-nos, o mesmo Espírito Santo facilita as nossas súplicas com gemidos
inexplicáveis, que não podem contar-se porque não existem modos apropriados
para descrever a sua profundidade.
Que
firmeza deve produzir em nós a Palavra divina! Não inventei nada, quando - ao
longo do meu ministério sacerdotal - repeti e repito incansavelmente esse
conselho. Foi recolhido da Escritura Santa, daí o aprendi: Senhor, não sei
dirigir-me a Ti! Senhor, ensina-nos a orar! E vem toda a assistência amorosa -
luz, fogo, vento impetuoso - do Espírito Santo, que ateia a chama e a torna
capaz de provocar incêndios de amor.
245
Oração, diálogo
Já
entrámos por caminhos de oração. Como prosseguir? Não vistes como tantas
pessoas - elas e eles - parece que falam consigo mesmas, ouvindo-se
comprazidas? É uma verborreia quase contínua, um monólogo que insiste
incansavelmente nos problemas que os preocupam, sem pôr os meios para
resolvê-los, movidos talvez unicamente pela mórbida ideia de que se compadeçam
deles ou de que os admirem. Dir-se-ia que não pretendem mais nada.
Quando
efectivamente se quer desafogar o coração, se somos francos e simples,
procuramos o conselho de pessoas que nos amam, que nos entendem, isto é,
fala-se com o pai, com a mãe, com a mulher, com o marido, com o irmão, com o
amigo. Isto já é diálogo, ainda que, frequentemente, não se deseje tanto ouvir
como desabafar, contar o que nos acontece. Comecemos por nos comportar assim
com Deus, certos de que Ele nos ouve e nos responde; e escutá-lo-emos e
abriremos a nossa consciência a uma conversa humilde, para lhe referir
confiadamente tudo o que palpita na nossa cabeça e no nosso coração: alegrias,
tristezas, esperanças, dissabores, êxitos, fracassos e até os pormenores mais
pequenos da nossa jornada, porque já então teremos comprovado que tudo o que é
nosso interessa ao nosso Pai Celestial.
246
Vencei,
se por acaso disso vos apercebeis, a preguiça, o falso critério segundo o qual
a oração pode esperar. Nunca atrasemos esta fonte de graças para amanhã. Agora
é o tempo oportuno. Deus, que é amoroso espectador de todo o nosso dia, preside
à nossa íntima prece. E tu e eu - volto a assegurar - temos de nos confiar a
Ele como se confia num irmão, num amigo, num pai. Diz-lhe - eu faço assim - que
Ele é toda a Grandeza, toda a Bondade, toda a Misericórdia. E acrescenta: por
isso, quero apaixonar-me por Ti, apesar da rudeza das minhas maneiras, destas
minhas pobres mãos, marcadas e maltratadas pelo pó das veredas da terra.
Desta
maneira, quase sem darmos por isso, avançaremos com passos divinos, fortes e
vigorosos, saboreando a íntima convicção de que junto do Senhor também são
agradáveis a dor, a abnegação, os sofrimentos. Que fortaleza, para um filho de
Deus, saber-se tão perto de seu Pai! Por esta razão, aconteça o que acontecer,
estou firme e seguro contigo, meu Senhor e meu Pai, que és a rocha e a
fortaleza .
247
Para
alguns, tudo isto é talvez familiar; para outros, novo; para todos, árduo. Mas
eu, enquanto tiver alento, não cessarei de pregar a necessidade primordial de
ser alma de oração - sempre! - em qualquer ocasião e nas circunstâncias mais
díspares, porque Deus nunca nos abandona. Não é cristão pensar na amizade
divina exclusivamente como um recurso extremo. Pode parecer--nos normal ignorar
ou desprezar as pessoas que amamos? Evidentemente que não. Para os que amamos
dirigimos constantemente as palavras, os desejos, os pensamentos: há como que
uma presença contínua. Pois, o mesmo com Deus.
Com
esta busca do Senhor, toda a nossa jornada se converte numa única conversa,
íntima e confiada. Afirmei-o e escrevi-o tantas vezes, mas não me importo de o
repetir, porque Nosso Senhor faz-nos ver - com o seu exemplo - que este é o
comportamento certo: oração constante, de manhã à noite e da noite até de
manhã. Quando tudo sai com facilidade: obrigado, meu Deus! Quando chega um
momento difícil: Senhor, não me abandones! E esse Deus, manso e humilde de
coração, não esquecerá os nossos rogos nem permanecerá indiferente, porque Ele
afirmou: pedi e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á.
Procuremos,
portanto, nunca perder o ponto de mira sobrenatural, vendo Deus por detrás de
cada acontecimento, seja ele agradável ou desagradável, quer nos cause
satisfação... ou desconsolo pela morte de um ser querido. Antes de mais, a
conversa com o nosso Pai Deus, procurando o Senhor no centro da nossa alma. Não
é coisa que possa considerar-se como uma miudeza, de pouca monta: é uma manifestação
clara de vida interior constante, de um autêntico diálogo de amor. Será uma
prática que não nos produzirá nenhuma deformação psicológica, porque - para um
cristão - deve ser tão natural como o bater do coração.
248
Orações vocais e oração
mental
Neste
entretecido, neste actuar da fé cristã, engastam-se, como joias, as orações
vocais. São fórmulas divinas: Pai Nosso...,Ave-Maria... Glória ao Pai e ao Filho
e ao Espírito Santo. Há essa coroa de louvores a Deus e à Nossa Mãe que é o
Santo Rosário e tantas e tantas outras aclamações, cheias de piedade, que os
nossos irmãos cristãos recitaram desde o princípio.
Santo
Agostinho, comentando um versículo do Salmo 85 - Senhor, tem piedade de mim
porque por Ti clamei todo o dia, e não apenas um dia - escreve: por todo o dia
quer significar todo o tempo, sem cessar... Um só homem alcança até ao fim do
mundo, pois são os idênticos membros de Cristo que clamam: alguns já descansam
n'Ele, outros invocam-no actualmente e outros implorarão quando nós já tivermos
morrido e, depois destes, outros mais continuarão a suplicar. Não vos emociona
a possibilidade de participar nesta homenagem ao Criador, que se perpetua pelos
séculos? Que grande é o homem quando se reconhece criatura predilecta de Deus e
recorre a Ele tota die, em cada instante da sua peregrinação terrena!
249
Que
não faltem no nosso dia alguns momentos dedicados especialmente a travar
intimidade com Deus, elevando até Ele o nosso pensamento, sem que as palavras
tenham necessidade de vir aos lábios, porque cantam no coração. Dediquemos a
esta norma de piedade um tempo suficiente, a hora fixa, se possível. Ao lado do
Sacrário, acompanhando Aquele que ali ficou por Amor. Se não houver outro remédio,
em qualquer lugar, porque o nosso Deus está de modo inefável na nossa alma em
graça. Aconselho-te, contudo, a que vás ao oratório sempre que possas. E
empenho-me em não lhe chamar capela, para que ressalte de forma mais evidente
que não é um sítio para estar, com uma atitude oficial de cerimónia, mas para
elevar a mente em recolhimento e intimidade até ao Céu, com a convicção de que
Cristo nos vê, nos ouve, nos espera e nos preside no Sacrário, onde está realmente
presente, oculto nas espécies sacramentais.
Cada
um de vós, se quiser, pode encontrar o caminho que lhe for mais propício para
este colóquio com Deus. Não me agrada falar de métodos nem de fórmulas, porque
nunca fui amigo de espartilhar ninguém; tenho procurado animar todas as pessoas
a aproximarem-se do Senhor, respeitando cada alma tal como ela é, com as suas
próprias características. Pedi-lhe vós que meta os seus desígnios na nossa
vida: e não apenas na nossa cabeça, mas no íntimo do nosso coração e em toda a
nossa actividade externa. Garanto-vos que deste modo evitareis grande parte dos
desgostos e das penas do egoísmo e sentir-vos-eis com força para propagar o bem
à vossa volta. Quantas contrariedades desaparecem, quando interiormente nos
colocamos muito próximos deste nosso Deus, que nunca nos abandona! Renova-se
com diversos matizes esse amor de Jesus pelos seus, pelos doentes, pelos
entrevados, quando pergunta: que se passa contigo? Comigo... E, logo a seguir,
luz ou, pelo menos, aceitação e paz.
Ao
convidar-te para fazeres essas confidências com o Mestre, refiro-me
especialmente às tuas dificuldades pessoais, porque a maioria dos obstáculos
para a nossa felicidade nascem de uma soberba mais ou menos oculta. Pensamos
que temos um valor excepcional, qualidades extraordinárias. Mas, quando os
outros não são da mesma opinião, sentimo-nos humilhados. É uma boa ocasião para
recorrer à oração e para rectificar, com a certeza de que nunca é tarde para
mudar a rota. Mas é muito conveniente iniciar essa mudança de rumo quanto
antes.
Na
oração, com a ajuda da graça, a soberba pode transformar-se em humildade. E
brota da alma a verdadeira alegria, mesmo quando ainda notamos o barro nas
asas, o lodo da pobre miséria, que vai secando. Depois, com a mortificação,
cairá esse barro e poderemos voar muito alto, porque nos será favorável o vento
da misericórdia de Deus.
(cont)
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