Em seguida devemos tratar de cada uma
das referidas ciências. Mas, como já tratamos da ciência divina na Primeira
Parte, resta agora tratar das outras três. Primeiro, da ciência da bem-aventurança.
Segundo, da ciência infusa. Terceiro, da ciência adquirida.
Mas como, da ciência da bem-aventurança,
consistente na união de Deus, já dissemos muito na Primeira Parte, por isso
agora só devemos tratar do que propriamente pertence à alma de Cristo.
Donde, nesta questão discutem-se
quatro artigos:
Art. 1 — Se a alma de Cristo
contemplava e contempla o Verbo, ou a essência divina.
Art. 2 — Se a alma de Cristo conhece
todas as coisas no Verbo.
Art. 3 — Se a alma de Cristo pode
conhecer infinitas coisas no Verbo.
Art. 4 — Se a alma de Cristo vê o
Verbo mais perfeitamente que qualquer outra criatura.
Art.
1 — Se a alma de Cristo contemplava e contempla o Verbo, ou a essência divina.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que a alma de Cristo contemplava e contempla o Verbo, ou a essência divina.
1 — Pois, diz Isidoro que a Trindade é
conhecida só de si e do homem assumido, Logo, o homem assumido participa, com a
santa Trindade, daquele conhecimento que ela tem de si e só a ela é próprio:
Ora, tal é o conhecimento da visão beatífica. Logo, a alma de Cristo contempla
a divina essência.
2. Demais. — Maior união é a com Deus
pelo seu ser pessoal que pela visão. Ora, como Damasceno diz, toda a divindade,
na unidade de Pessoas, está unida à natureza humana em Cristo. Logo, com maior
razão toda a natureza divina é contemplada pela alma de Cristo. E, assim,
parece que a alma de Cristo contemplava a divina essência.
3. Demais. — O que convém ao Filho de Deus
por natureza, ao Filho do Homem lhe convém pela graça, com diz Agostinho. Ora,
contemplar a divina essência convém ao Filho de Deus por natureza. Logo, convém
ao Filho do Homem pela graça. E assim, parece que a alma de Cristo contemplava,
pela graça, o Verbo.
Mas, em contrário, diz Agostinho, O
que se contempla é para si finito. Ora, a essência divina não é finita
relativamente à alma de Cristo, pois, a esta excede em infinito. Logo, a alma
de Cristo não contempla o Verbo.
Como do sobredito resulta,
a união das naturezas na pessoa de Cristo se fez de modo tal que a propriedade
de uma e outra natureza permaneceu confusa, de maneira que o incriado permaneceu
incriado e o criado ficou dentro dos limites da criatura, como diz Damasceno,
Ora, é impossível uma criatura compreender a divina essência, como dissemos na
Primeira Parte, porque o infinito não pode ser compreendido pelo finito. Logo
devemos concluir que a alma de Cristo de nenhum modo compreende a divina
essência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— O homem assumido se acha associado com a divina Trindade, no seu
conhecimento, não em razão da compreensão, mas, de um certo excelentíssimo conhecimento
superior ao das outras criaturas.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nem mesmo pela
união segundo o ser pessoal a natureza humana compreende o Verbo de Deus ou a
natureza divina, a qual, embora estivesse toda unida à natureza humana na
pessoa una do Filho, não era contudo a virtude total da divindade, quase
circunscrita pela natureza humana. Donde o dizer Agostinho, quero que saibas
que a doutrina cristã não ensina que Deus se revestiu da carne humana de
maneira a renunciar aos cuidados do governo universal, ou a tê-lo perdido, ou a
tê-la referido ao seu frágil corpo, concentrando-o nele por assim dizer.
Semelhantemente, a alma de Cristo vê toda a essência de Deus, não a compreende,
porém, pela não ver totalmente, isto é, de tão perfeita maneira como ela se
oferece à visão, conforme expusemos na Primeira Parte.
RESPOSTA À TERCEIRA. — As palavras referidas
de Agostinho devem entender-se da graça de união, pela qual, tudo o atribuído à
natureza divina do Filho de Deus o é ao Filho do Homem, por causa da identidade
do suposto. E, assim sendo, podemos, verdadeiramente dizer que o Filho do Homem
compreende a essência divina, não com a sua alma, mas, pela sua natureza
divina. Por cujo modo também podemos dizer que o Filho do Homem é criador.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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