27/12/2014

Tratado do verbo encarnado 72

Questão 10: Da ciência da bem-aventurança da alma de Cristo

Em seguida devemos tratar de cada uma das referidas ciências. Mas, como já tratamos da ciência divina na Primeira Parte, resta agora tratar das outras três. Primeiro, da ciência da bem-aventurança. Segundo, da ciência infusa. Terceiro, da ciência adquirida.

Mas como, da ciência da bem-aventurança, consistente na união de Deus, já dissemos muito na Primeira Parte, por isso agora só devemos tratar do que propriamente pertence à alma de Cristo.

Donde, nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se a alma de Cristo contemplava e contempla o Verbo, ou a essência divina.
Art. 2 — Se a alma de Cristo conhece todas as coisas no Verbo.
Art. 3 — Se a alma de Cristo pode conhecer infinitas coisas no Verbo.
Art. 4 — Se a alma de Cristo vê o Verbo mais perfeitamente que qualquer outra criatura.

Art. 1 — Se a alma de Cristo contemplava e contempla o Verbo, ou a essência divina.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo contemplava e contempla o Verbo, ou a essência divina.

1 — Pois, diz Isidoro que a Trindade é conhecida só de si e do homem assumido, Logo, o homem assumido participa, com a santa Trindade, daquele conhecimento que ela tem de si e só a ela é próprio: Ora, tal é o conhecimento da visão beatífica. Logo, a alma de Cristo contempla a divina essência.

2. Demais. — Maior união é a com Deus pelo seu ser pessoal que pela visão. Ora, como Damasceno diz, toda a divindade, na unidade de Pessoas, está unida à natureza humana em Cristo. Logo, com maior razão toda a natureza divina é contemplada pela alma de Cristo. E, assim, parece que a alma de Cristo contemplava a divina essência.

3. Demais. — O que convém ao Filho de Deus por natureza, ao Filho do Homem lhe convém pela graça, com diz Agostinho. Ora, contemplar a divina essência convém ao Filho de Deus por natureza. Logo, convém ao Filho do Homem pela graça. E assim, parece que a alma de Cristo contemplava, pela graça, o Verbo.

Mas, em contrário, diz Agostinho, O que se contempla é para si finito. Ora, a essência divina não é finita relativamente à alma de Cristo, pois, a esta excede em infinito. Logo, a alma de Cristo não contempla o Verbo.

Como do sobredito resulta, a união das naturezas na pessoa de Cristo se fez de modo tal que a propriedade de uma e outra natureza permaneceu confusa, de maneira que o incriado permaneceu incriado e o criado ficou dentro dos limites da criatura, como diz Damasceno, Ora, é impossível uma criatura compreender a divina essência, como dissemos na Primeira Parte, porque o infinito não pode ser compreendido pelo finito. Logo devemos concluir que a alma de Cristo de nenhum modo compreende a divina essência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O homem assumido se acha associado com a divina Trindade, no seu conhecimento, não em razão da compreensão, mas, de um certo excelentíssimo conhecimento superior ao das outras criaturas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Nem mesmo pela união segundo o ser pessoal a natureza humana compreende o Verbo de Deus ou a natureza divina, a qual, embora estivesse toda unida à natureza humana na pessoa una do Filho, não era contudo a virtude total da divindade, quase circunscrita pela natureza humana. Donde o dizer Agostinho, quero que saibas que a doutrina cristã não ensina que Deus se revestiu da carne humana de maneira a renunciar aos cuidados do governo universal, ou a tê-lo perdido, ou a tê-la referido ao seu frágil corpo, concentrando-o nele por assim dizer. Semelhantemente, a alma de Cristo vê toda a essência de Deus, não a compreende, porém, pela não ver totalmente, isto é, de tão perfeita maneira como ela se oferece à visão, conforme expusemos na Primeira Parte.

RESPOSTA À TERCEIRA. — As palavras referidas de Agostinho devem entender-se da graça de união, pela qual, tudo o atribuído à natureza divina do Filho de Deus o é ao Filho do Homem, por causa da identidade do suposto. E, assim sendo, podemos, verdadeiramente dizer que o Filho do Homem compreende a essência divina, não com a sua alma, mas, pela sua natureza divina. Por cujo modo também podemos dizer que o Filho do Homem é criador.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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