Art.
6 — Se ser cabeça da Igreja é próprio de Cristo.
O sexto se discute assim. — Parece que
ser cabeça da Igreja não é próprio de Cristo.
1. — Pois, diz a Escritura: Quando tu
eras pequeno aos seus olhos não foste feito chefe de todas as tribos de Israel?
Ora, a Igreja do Novo e do Antigo Testamento é a mesma. Logo, parece que pela
mesma razão algum outro homem, que não Cristo, poderia ser cabeça da Igreja.
2. Demais. — Cristo é chamado cabeça
da Igreja por influir a graça nos seus membros. Ora, também outros podem dar a
graça aos homens, conforme o Apóstolo: Nenhuma palavra má saia da vossa boca,
senão só a que seja boa para a edificação da fé, de maneira que dê graças aos
que a ouvem. Logo, parece que também a outros, além de Cristo, compete ser
cabeça da Igreja.
3. Demais. — Cristo, por ter a chefia
da Igreja, não só é chamado cabeça, mas também pastor e seu fundamento. Ora, Cristo
não se reservou o nome de pastor só para si, segundo a Escritura: Quando
aparecer o príncipe dos pastores, recebereis a coroa da glória, que nunca se
poderá murchar. Nem o nome de fundamento, segundo aquele outro lugar: O muro da
cidade, que tinha doze fundamentos. Logo, parece que também não reservou só
para si o nome de cabeça.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: É
da cabeça da Igreja que todo o corpo é fornido e organizado pelas suas
ligaduras e juntas e cresce em aumento de Deus. Ora, isto só convém a Cristo.
Logo, só Cristo é cabeça da Igreja.
A cabeça influi nos outros
membros de dois modos. Primeiro, por um certo influxo intrínseco, isto é,
enquanto a virtude motiva e a sensitiva deriva da cabeça para os outros
membros. De outro modo, por um certo governo exterior, isto é, enquanto a vista
e os outros sentidos, com sede na cabeça, dirigem o homem nos seus actos
externos. Ora, o influxo interior da graça não deriva para os demais senão só
de Cristo, cuja humanidade, por ser conjunta com a divindade, tem a virtude de
justificar. Mas, o influxo para os membros da Igreja, quanto ao governo
exterior, pode convir aos outros. E neste sentido, alguns podem ser
considerados cabeças da Igreja, segundo a Escritura: Grandes, que sois os
chefes dos povos. Mas, diferentemente de Cristo. Primeiro, porque Cristo é a
cabeça de todos os que pertencem à Igreja em todos os lugares, tempos e estados,
ao passo que os outros homens se chamam cabeças relativamente a certos lugares
especiais — assim, os Bispos, das suas Igrejas, ou ainda, num tempo determinado
- assim o Papa é a cabeça de toda a Igreja, isto é, durante o tempo do seu
pontificado, ou enfim, num estado determinado, isto é, enquanto ainda
peregrinam nesta vida. Cristo é a cabeça da Igreja noutro sentido, por virtude
e autoridade próprias, ao passo que os outros se chamam cabeças por fazerem as
vezes de Cristo, segundo o Apóstolo: Pois eu também, a indulgência de que usei
se de alguma causa tenho usado foi por amor de vós na pessoa de Cristo. E
noutro lugar: Fazemos o ofício de embaixadores em nome de Cristo, como se Deus
vos admoestasse por nós.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— As palavras citadas entendem-se no sentido em que o nome de chefe designa o
governo exterior, como quando se diz que o rei é o chefe do seu reino.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O homem não dá a
graça influindo interiormente, mas persuadindo exteriormente às causas da
graça.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Conforme diz
Agostinho, se os prepostos à Igreja são pastores, como há um só Pastor, senão
por serem todos os outros os membros de um só? E semelhantemente, os outros
podem ser chamados fundamento e cabeça, por serem os membros de uma mesma
cabeça e de um mesmo fundamento. E contudo, como diz Agostinho no mesmo lugar,
ele outorgou aos seus membros o serem pastores, mas nenhum de nós se intitula
porta, isso ele só a si próprio se reservou. E isto porque a porta representa a
autoridade principal, pois, por ela é que todos entram na casa. Ora, só por Cristo
temos acesso a esta graça na qual estamos firmes, como diz o Apóstolo. Quanto
aos outros nomes referidos, eles podem implicar não só a autoridade principal,
mas também, as secundárias.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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