19/12/2014

Tratado do verbo encarnado 64

Questão 8: Da graça de Cristo, enquanto Ele é a cabeça da Igreja

Art. 5 — Se a graça pela qual Cristo é a cabeça da Igreja é idêntica à que tinha como um homem particular.

O quinto discute-se assim. — Parece que a graça pela qual Cristo é a cabeça da Igreja não é idêntica à que tinha como um homem particular.

1. — Pois, diz o Apóstolo: Se pelo pecado de um morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça dum só homem, que é Jesus Cristo, abundou sobre muitos. Ora, um é o pecado actual de Adão e outro, o pecado original, que transmitiu aos pósteros. Logo, uma é a graça pessoal, própria de Cristo e outra, a sua graça enquanto cabeça da Igreja, que dele deriva para nós outros,

2. Demais. — Os hábitos distinguem-se pelos actos. Ora, a um acto se ordena a graça pessoal de Cristo, a saber, à santificação da sua alma, e a outro, a sua graça como cabeça, isto é, à santificação dos outros. Logo, uma é a graça pessoal de Cristo, é outra a sua graça como cabeça da Igreja.

3. Demais. — Como se disse, em Cristo distingue-se uma tríplice graça: a da união, a de cabeça e a que tem como um homem particular. Ora, a graça de Cristo é diferente da graça de união. Logo, também o é da graça de cabeça.

Mas, em contrário, o Evangelho: Todos nós participamos da sua plenitude. Ora, ele é nosso chefe pelo que dele participamos. Logo, é nosso chefe ou cabeça porque tinha a plenitude da graça. Mas, a plenitude da graça ele teve-a porque perfeitamente teve a graça pessoal, como se disse. Logo, por essa graça pessoal é que é a nossa cabeça. E portanto, a graça de cabeça não é diferente da graça pessoal.

Todo o ser age enquanto actual. Donde e necessariamente, é em virtude do mesmo acto que o agente existe actualmente e age, assim, pelo mesmo calor o fogo é quente e aquece. Mas, nem todo o acto pelo qual um agente é actual basta para que seja princípio de secção sobre outros seres. Pois, sendo o agente superior ao paciente, como diz Agostinho e o Filósofo, é necessário que o ser agente sobre outros tenha o seu acto segundo uma certa eminência. Ora, como dissemos, a alma de Cristo recebeu a graça segundo uma eminência máxima. Por isso, pela eminência da graça que recebeu, compete-lhe distribuir essa graça aos outros, o que se inclui na ideia de chefia. E portanto, a graça pessoal que justifica a alma de Cristo é essencialmente a mesma pela qual é a cabeça da Igreja, que justifica os outros, embora desta difira racionalmente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O pecado original em Adão, que é um pecado de natureza, derivou do pecado actual do mesmo, que foi um pecado pessoal. Porque nele a pessoa corrompeu a natureza, mediante a qual corrupção, o pecado do primeiro homem derivou para os pósteros, porque a natureza corrupta corrompe a pessoa. Mas, a graça não deriva de Cristo para nós mediante a natureza humana, mas pela só acção pessoal do próprio Cristo. Donde, não devemos distinguir em Cristo dupla graça, das quais uma responda à natureza e outra, à pessoa, como em Adão se distingue o pecado ela natureza e o da pessoa.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Actos diversos, dos quais um é a razão e a causa do outro, não diversificam o hábito. Ora, o acto pessoal da graça, que torna santo quem formalmente a tem, é a razão da justificação dos outros, a qual pertence à graça de chefe. Donde vem que tal diferença não diversifica a essência do hábito.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça pessoal e a graça de chefe ordena-se a algum acto, ao passo que a graça de união não se ordena ao acto mas, ao ser pessoal. Donde, a graça pessoal e a graça de cabeça convêm na essência do hábito, mas não a graça de união. — Embora a graça pessoal possa de certo modo chamar-se graça de união, enquanto produtora de uma certa aptidão para a união. E, assim sendo, a graça de união, a de chefe e a da pessoa particular, são uma mesma graça, só diferentes pela razão.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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