17/12/2014

Tratado do verbo encarnado 62

Questão 8: Da graça de Cristo, enquanto Ele é a cabeça da Igreja

Art. 3 — Se Cristo é a cabeça de todos os homens.

O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não é a cabeça de todos os homens.

1. — Pois, a cabeça não tem relação senão com os membros do seu corpo. Ora, os infiéis de nenhum modo são membros da Igreja, que é o corpo de Cristo, como diz o Apóstolo. Logo, Cristo não é a cabeça de todos os homens.

2. Demais. — O Apóstolo diz: Cristo entregou-se a si mesmo pela Igreja, para a apresentar a si mesmo Igreja gloriosa, sem mácula nem ruga, nem outro algum defeito semelhante. Ora, há ainda muito fiéis desfeados pela mácula e a ruga do pecado. Logo, não será Cristo a cabeça de todos os fiéis,

3. Demais. — Os sacramentos da lei antiga estão para Cristo como a sombra para o corpo, no dizer do Apóstolo. Ora, os Padres do Antigo Testamento viviam no regime desses sacramentos, segundo o Apóstolo: Os quais servissem de modelo e sombra das causas celestiais. Logo, não pertenciam ao corpo de Cristo. E, portanto, Cristo não é a cabeça de todos os homens.

Mas, em contrário, a Escritura: É o Salvador de todos os homens e principalmente dos fiéis. E noutro lugar: Ele é a propiciação pelos nossos pecados, não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo. Ora, salvar os homens ou ser propiciação pelos pecados deles compete a Cristo enquanto cabeça. Logo, Cristo é a cabeça de todos os homens.

A diferença entre o corpo natural do homem e o corpo místico da Igreja está em os membros todos do corpo natural coexistirem, ao passo que não coexistem os membros do corpo místico. Nem quanto ao seu ser natural, porque o corpo da Igreja é constituído pelos homens existentes desde o princípio do mundo e que existirão até o fim dele, nem quanto ao ser da graça, pois, dos que vivem num determinado tempo, uns não têm a graça, mas tê-la-ão mais tarde, ao passo que outros já a têm. Assim, pois, consideram-se como membros do corpo místico os que não somente o são em acto, mas ainda os que o são em potência. Mas, alguns são-no, em potência, que nunca serão reduzidos ao acto, outros, porém, serão reduzidos ao acto, segundo tríplice grau - um, pela fé, o segundo, pela caridade desta vida, o terceiro, pela fruição da pátria.

Donde devemos concluir, que, considerando-o geralmente, segundo o tempo total do mundo, Cristo é a cabeça de todos os homens, mas em graus diversos. Assim, primária e principalmente, é a cabeça daqueles que actualmente lhe estão unidos pela glória. Em segundo lugar, dos que lhe estão unidos pela caridade. Em terceiro, dos que lhe estão unidos pela fé. Em quarto, dos que lhe estão unidos só em potência sem ainda terem sido reduzidos ao acto, mas que a este devem ser reduzidos, segundo a divina predestinação. O quinto, enfim, os que lhe estão unidos em potência e nunca serão reduzidos a acto, como os homens que vivem neste mundo e que não são predestinados. Mas que, partindo deste mundo, deixam totalmente de ser membros de Cristo, por já não poderem ser unidos a Cristo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Os infiéis, embora actualmente não sejam da Igreja, são-no contudo, em potência. E essa potência tem duplo fundamento. O primeiro e principal, a virtude de Cristo, suficiente à salvação de todo género humano. O segundo, o arbítrio da liberdade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Constituir a Igreja gloriosa, sem mácula nem ruga, é o fim último a se dará no estado da pátria, mas não no da via, no qual, se dissermos que estamos sem pecado, nós mesmos nos enganamos, como diz a Escritura. Mas os membros de Cristo, pela união actual da caridade, já estão isentos de certos pecados, que são os mortais. Ao contrário, os que vivem sob o jugo desses pecados não são membros de Cristo actualmente, mas só potencialmente. Salvo talvez se, de maneira imperfeita, pela fé informe, que une a Cristo decerto modo, mas não absolutamente falando, a saber, de modo que, por Cristo, o homem consiga a vida da graça, segundo a Escritura: pois, a fé sem as obras é morta. Contudo, esses já recebem de Cristo um certo acto de vida, que é crer, como se um membro já atacado da morte fosse, de algum modo, movido pelo homem.

RESPOSTA À TERCEIRA — Os santos Patriarcas não se apegavam aos sacramentos legais como a determinadas realidades, mas como a imagens e a sombras das coisas futuras. Ora, o movimento para a imagem, como tal, é o mesmo que para a realidade, segundo está claro no Filósofo. Por isso, os antigos Padres, observando os sacramentos da lei, eram levados para Cristo pela mesma fé e pelo mesmo amor pelos quais também nós para ele somos levados. Donde, os Patriarcas antigos pertenciam ao mesmo corpo da Igreja a que nós pertencemos.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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