14/12/2014

Tratado do verbo encarnado 59

Questão 7: Da graça de Cristo como um homem particular

Art. 13 — Se a graça habitual em Cristo era uma consequência da união.

O décimo terceiro discute-se assim. — Parece que a graça habitual em Cristo não era uma consequência da união.

1. — Pois, uma coisa não pode ser a consequência de si mesma. Ora, essa graça habitual parece ser a mesma que a da união. Pois, diz Agostinho: Pela mesma graça pela qual, desde que recebeu a fé, o homem se torna Cristão, por essa mesma aquele homem desde o princípio foi Cristo. E dessas coisas, a primeira pertence à graça habitual, a segunda, à da união. Logo, parece que a graça habitual não resulta da união.

2. Demais. — A disposição precede a perfeição temporalmente, ou pelo menos, intelectualmente. Ora, parece que a graça habitual é uma como que disposição da natureza humana para a união pessoal. Logo, parece que longe de a graça habitual resultar da união, ela a precede.

3. Demais. — O comum é anterior ao próprio. Ora, a graça habitual é comum a Cristo e a todos os homens, ao contrário, a graça da união é própria de Cristo. Logo, segundo o intelecto, a graça habitual é anterior à união. E portanto, não resulta dela.

Mas, em contrario, a Escritura: Eis aqui o meu servo, eu o ampararei. E a seguir acrescenta: Sobre ele derramei o meu espírito — o que pertence ao dom da graça habitual. Donde resulta, que a assunção da natureza humana em a unidade de pessoa precede a graça habitual em Cristo.

A união da natureza humana com a pessoa divina, da qual dissemos acima ser a própria graça da união, precede a graça habitual, em Cristo, não na ordem do tempo, mas na da natureza e do intelecto. E isto por três razões.

Primeiro, quanto à ordem dos princípios de ambas. Assim, o princípio da união é a Pessoa do Filho, assumente da natureza humana, por isso se diz que foi enviada ao mundo, por ter assumido a natureza humana. Quanto ao princípio da graça habitual, dada com a caridade, ela é o Espírito Santo, do qual se diz que é enviado por habitar na alma pela caridade. Ora, a missão do Filho, na ordem da natureza, é anterior à do Espírito Santo, assim como, na ordem da natureza, o Espírito Santo procede do Filho e, da sabedoria, o amor. Donde, também a união pessoal pela qual concebemos a missão do Filho, é anterior, na ordem da natureza, à graça habitual, pela qual se concebe a missão do Espírito Santo.

Em segundo lugar, a razão dessa ordem se deduz da relação da graça com a sua causa. Pois, a graça é causada no homem pela presença da divindade, assim como a luz, no ar, pela presença do sol. Donde o dizer a Escritura: Entrava a glória do Deus de Israel pela banda do oriente e a terra estava resplandecente pela presença da sua majestade. Ora, a presença de Deus em Cristo é concebida segundo a união da natureza humana com a Pessoa divina. Donde, a graça habitual de Cristo é entendida como consequente a essa união, como o esplendor, ao sol.

A terceira razão dessa ordem pode ser deduzida do dom da graça, a qual se ordena a fazer proceder bem. Ora, os actos são dos supostos e dos indivíduos. Donde, a acção, e por consequência, a graça, que para ela ordena, pressupõe a natureza humana antes da união, como do sobredito resulta. Logo, a graça da união, segundo o intelecto, precede à graça habitual.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Agostinho, no lugar citado, chama graça gratuita à vontade de Deus, que confere benefícios gratuitamente. E por isso, diz que por essa mesma graça pela qual foi feito o homem Cristo, todos os homens se tornam Cristãos. Porque ambas essas coisas se realizam pela vontade gratuita de Deus, sem dependência de méritos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como a disposição, na ordem da geração, precede à perfeição dispositivamente, assim ela também é consequente naturalmente à perfeição que já foi atingida. Tal o calor que, tendo sido uma disposição à forma do fogo, é um efeito profluente da forma do fogo já preexistente. Ora, a natureza humana em Cristo esteve unida à Pessoa do Verbo, desde o princípio, sem sucessão. Donde, a graça habitual não se entende como precedente à união, mas como consequente a ela, como uma propriedade natural. Donde o dizer Agostinho: A graça é de certo modo natural ao homem Cristo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O comum é anterior ao próprio, quando ambos são do mesmo género, mas, quando de géneros diversos, nada impede que seja o próprio anterior ao comum. Ora, a graça da união não pertence ao mesmo género que a graça habitual, mas é superior a todos os géneros como o é a Pessoa divina. Donde, nada impede seja esse próprio, anterior ao comum, pois não se relaciona com este por adição, mas é, antes, o princípio e a origem do que é comum.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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