Evangelho: Mt 9 27-31
27 Partindo dali
Jesus, seguiram-n'O dois cegos, gritando e dizendo: «Tem piedade de nós, Filho
de David!». 28 Tendo chegado a casa, aproximaram-se d'Ele os cegos.
E Jesus disse-lhes: «Credes que posso fazer isto?». Eles responderam: «Sim,
Senhor». 29 Então tocou-lhes os olhos, dizendo: «Seja-vos feito
segundo a vossa fé». 30 E abriram-se os seus olhos. Jesus deu-lhes
ordens terminantes, dizendo: «Cuidado, que ninguém o saiba». 31 Mas
eles, retirando-se, divulgaram por toda aquela terra a Sua fama.
Comentário:
Estes
dois homens, cegos de nascença, a quem Jesus concedeu a visão, desobedecem às «ordens
terminantes» do Mestre o
que pode parecer uma ousadia.
Só
que, o que os leva a essa desobediência, além da alegria natural de terem
recuperado a visão, é a necessidade irrefreável de dar graças e tornar
conhecido Aquele que lhas concedera.
(ama, comentário sobre Mt 9, 27-31, 2012.12.07)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Cristo Que passa 176 a 180
176
Uma única receita:
santidade pessoal
O
melhor caminho para nunca se perder a audácia apostólica, o afã eficaz de
servir todos os homens, não é senão a plenitude da vida de fé, de esperança e
de amor; numa palavra, a santidade. Não conheço outra receita além desta:
santidade pessoal.
Hoje,
em união com a Igreja, celebramos o triunfo da Mãe, Filha e Esposa de Deus. E
assim como nos sentíamos contentes na Páscoa da Ressurreição do Senhor, três
dias depois da sua morte, agora estamos alegres porque Maria, depois de
acompanhar Jesus desde Belém até à Cruz, está junto dele em corpo e alma,
gozando da sua glória por toda a eternidade. Esta é a misteriosa economia
divina: Nossa Senhora, participando plenamente na obra da nossa salvação, tinha
de seguir de perto os passos de seu Filho - a pobreza de Belém, a vida oculta
de trabalho ordinário em Nazaré, a manifestação da divindade em Caná da
Galileia, as afrontas da Paixão, o Sacrifício divino da Cruz, e a
bem-aventurança eterna do Paraíso.
Tudo
isto nos afecta directamente, porque este itinerário sobrenatural há-de ser
também o nosso caminho. Maria mostra-nos que essa senda é factível, que é
segura. Ela precedeu-nos na via da imitação de Cristo e a glorificação da Nossa
Mãe é a firme esperança da nossa salvarão. Por isso lhe chamamos spes nostra e
causa nostra laetitiae, esperança nossa e causa da nossa alegria.
Jamais
podemos perder a esperança de chegar a ser santos, de aceitar os convite do
Senhor, de ser perseverantes até ao final. Deus, que em nós começou a obra da
santificação, levá-la-á a cabo. Porque, se o Senhor é por nós, quem será contra
nós? Quem não poupou o seu próprio Filho, mas por nós todos O entregou à morte,
como não nos dará também com Ele todas as coisas?
Nesta
festa, tudo convida à alegria. A firme esperança na nossa santificação pessoal
é um dom de Deus, embora o homem não possa permanecer passivo. Recordai as
palavras de Cristo: se alguém quer vir após de mim, negue-se a si mesmo e tome
a sua cruz de cada dia e siga-me. Vedes? A cruz de cada dia. Nulla dies sine
cruce, nenhum dia sem Cruz: nenhum dia que não carreguemos com a Cruz do
Senhor, em que não aceitemos o seu jugo. Eis porque não quis deixar de vos
recordar também que a alegria da Ressurreição é consequência da dor da Cruz.
Não
temais, contudo, porque o próprio Senhor nos diz: vinde a Mim todos, os que
trabalhais e vos achais carregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu
jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso
para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu peso leve. Vinde -
glosa S. João Crisóstomo - não para prestar contas, mas para serdes livres dos
vossos pecados; vinde, podeis procurar-me, pois eu não tenho necessidade da
vossa glória, mas da vossa salvação... Não temais ao ouvir falar de jugo,
porque é suave: não temais se falo de peso, porque é leve.
O
caminho da nossa santificarão pessoal passa, quotidianamente, pela Cruz: esse
caminho não é desgraçado, porque o próprio Cristo nos ajuda e com Ele não há
lugar para a tristeza. In laetitia, nulla dies sine cruce!, gosto eu de
repetir. Com a alma trespassada de alegria, nenhum dia sem Cruz!
177
A alegria cristã
Recolhamos
de novo o tema que a Igreja nos propõe: Maria subiu aos céus em corpo e alma:
os anjos rejubilam! Penso também no júbilo de S. José, seu Esposo castíssimo,
que a aguardava no paraíso. Mas voltemos à Terra. A fé confirma-nos que aqui em
baixo, na vida presente, estamos em tempo de viagem, pelo que não faltarão os
sacrifícios, a dor e as privações. Todavia, a alegria há-de ser sempre o
contraponto do caminho.
Servi
ao Senhor com alegria. Não há outro modo de servi-Lo,. Deus ama quem dá com
alegria, quem se entrega totalmente num sacrifício gostoso porque não há motivo
algum que justifique o desânimo!
Talvez
julgueis que este optimismo é excessivo, porque todos os homens conhecem as
suas insuficiências e os seus fracassos, experimentam o sofrimento, o cansaço,
a ingratidão, talvez até o ódio. Nós, os cristãos, se somos iguais aos outros,
como poderemos estar livres dessas constantes da condição humaniza?
Seria
ingénuo negar a reiterada presença da dor e do desânimo, da tristeza e da
solidão, durante a nossa peregrinação por esta terra. Aprendemos pela fé com
segurança que tudo isso não é produto do acaso e que o destino da criatura não
é caminhar para a aniquilação dos seus desejos de felicidade. A fé ensina-nos que
tudo tem um sentido divino, pois esta é uma característica intrínseca e própria
do caminho que nos leva à casa do Pai. Esta maneira sobrenatural de compreender
a existência terrena do cristão, não simplifica a complexidade humana, mas
assegura ao homem que essa complexidade pode ser penetrada pelo nervo do amor
de Deus, pelo cabo forte e indestrutível, que liga a vida na Terra com a vida
definitiva na Pátria.
A
festa da Assunção de Nossa Senhora apresenta-nos a realidade dessa feliz
esperança. Somos ainda peregrinos, mas a Nossa Mãe precedeu-nos e aponta-nos já
o termo do caminho. Repete-nos que é possível lá chegar e que, se formos fiéis,
lá chegaremos, pois a Santíssima Virgem não é só nosso exemplo, mas também
auxílio dos cristãos. E perante a nossa petição - Monstra te esse Matrem mostra
que és Mãe - não pode nem quer negar-se a cuidar dos seus filhos com solicitude
maternal.
178
A
alegria é um bem cristão. Só desaparece com a ofensa a Deus, porque o pecado é
fruto do egoísmo e o egoísmo é a causa da tristeza. Mesmo então, essa alegria
permanece no fundo da alma, pois sabemos que Deus e a sua Mãe nunca se esquecem
dos homens. Se nos arrependemos no santo sacramento da penitência, Deus vem ao
nosso encontro e perdoa-nos. E já não há tristeza. Na verdade, é muito justo
que haja regozijo, porque o teu irmão estava morto e ressuscitou; tinha-se
perdido e foi encontrado.
Estas
palavras são o final maravilhoso da parábola do filho pródigo, que jamais nos
cansaremos de meditar: eis que o Pai vem ao teu encontro; inclinar-se-á sobre o
teu ombro e dar-te-á um beijo, penhor de amor e de ternura; fará que te
entreguem um vestido, um anel, o calçado. Tu receias ainda uma repreensão, e
ele devolve-te a tua dignidade; temes um castigo, e dá-te um beijo; tens medo duma
palavra irada, e prepara para ti um banquete.
O
amor de Deus é insondável. Se procede assim com quem O ofendeu, o que não fará
para honrar a sua Mãe, imaculada, Virgo fidelis, Virgem Santíssima, sempre
fiel?
Se
o amor de Deus se manifesta tão grande quando o acolhimento que lhe dá o
coração humano - tantas vezes traidor - é tão pouco, como não será no coração
de Maria, que nunca levantou o mínimo obstáculo à vontade de Deus?
Vede
como a liturgia da festa faz eco da impossibilidade de compreender a misericórdia
infinita do Senhor com raciocínios humanos; mais do que explicar, canta; fere a
imaginação, a fim de que todos se entusiasmem no louvor, pois ficaremos sempre
muito aquém do que é merecido: apareceu no céu um grande sinal. Uma mulher
vestida de sol, e a lua debaixo de seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre
a sua cabeça. E o rei cobiçará a tua beleza. A filha do rei entra toda formosa;
tecidos de ouro são os seus vestidos.
A
liturgia acabará com algumas palavras de Maria, nas quais a maior humildade se
conjuga com a maior glória: eis que, de hoje em diante, todas as gerações me
chamarão bem aventurada, porque fez em mim grandes coisas aquele que é todo
poderoso.
Cor
Mariae Dulcissimum, iter para tutum: Coração Dulcíssimo de Maria, dá força e
segurança ao nosso caminho na Terra. Sê tu mesma o nosso caminho, porque tu
conheces as vias e os atalhos certos que, através do teu amor, levam ao amor de
Jesus Cristo.
179
Homilia pronunciada no dia
22 de Novembro de 1970, Festa de Cristo Rei
Acaba
o ano litúrgico e no Santo Sacrifício do Altar renovamos ao Pai o oferecimento
da Vitima, Cristo, Rei de santidade e de graça, rei de justiça, de amor e de
paz, como leremos dentro de pouco tempo no Prefácio. Todos sentis nas vossas
almas uma alegria imensa, ao considerar a santa Humanidade de Nosso Senhor, por
saberdes que se trata dum Rei com um coração de carne como o nosso, que é o
autor do universo e de todas as criaturas e que não se impõe pelo domínio, mas
mendigando um pouco de amor, ao mesmo tempo que nos mostra, em silêncio, as
suas mãos chagadas.
Como
é possível, então, que tantos O ignorem? Porque se ouve ainda esse protesto
cruel: nolumus hunc regnare super nos, não queremos que este reine sobre nós?
Na terra há milhões de homens que se enfrentam assim com Jesus Cristo, ou
melhor, com a sombra de Jesus Cristo, porque não O conhecem, nem viram a beleza
do seu rosto, nem se aperceberam da maravilha da sua doutrina.
Diante
deste triste espectáculo, sinto-me movido a desagravar o Senhor. Ao ouvir o
clamor que não cessa e que se constrói mais com obras pouco nobres do que com
palavras, sinto a necessidade de gritar bem alto: oportet illum regnare!,
convém que Ele reine.
Oposição a Cristo
Muitos
não suportam que Cristo reine. Opõem-se-lhe de mil maneiras, quer nos planos
gerais de governo do mundo e da convivência humana, quer nos costumes, quer na
arte ou na ciência. Até na própria Igreja! Eu não falo - escreve Santo
Agostinho - dos malvados que blasfemam de Cristo. São raros, efectivamente, os
que O blasfemam com a língua, mas são muitos os que O blasfemam com a própria
conduta.
Para
alguns é molesta a própria expressão Cristo Rei, talvez por uma superficial
questão de palavras como se o reinado de Cristo pudesse confundir-se com
fórmulas políticas, ou porque a confissão da realeza do Senhor os levaria a
admitir uma lei. E não toleram a lei, mesmo a do amável preceito da caridade,
visto que não querem aproximar-se do amor de Deus. São os que só ambicionam
servir o seu próprio egoísmo.
O
Senhor levou-me a repetir, desde há muito tempo, um grito calado: serviam!,
servirei. Que Ele nos aumente essas ânsias de entrega, de fidelidade ao seu
chamamento divino - com naturalidade, sem aparato, sem barulho - no meio da
rua. Demos-lhe graças do fundo do coração. Dirijamos-lhe uma oração de
súbditos, de filhos! - e a língua e o paladar encher-se-nos-ão de doçura com
tal intensidade, que tratar do Reino de Deus nos saberá como a favo de mel,
porque se trata dum Reino de liberdade, da liberdade que Ele ganhou para nós.
180
Cristo, Senhor do mundo
Gostaria
de considerar convosco como esses Cristo, que - terna criança - vimos nascer em
Belém, é o Senhor do mundo. Eis as razões: por Ele foram criados todos os seres
nos céus e na Terra; Ele reconciliou com o Pai todas as coisas, restabelecendo
a paz entre o Céu e a Terra, por meio do sangue que derramou na Cruz. Hoje Cristo
reina, à direita do Pai; aqueles dois anjos de vestes brancas declararam aos
discípulos que, atónitos, estavam a contemplar as nuvens, depois da Ascensão do
Senhor: Homens da Galileia, porque estais assim a olhar para o Céu? Esse Jesus,
que vos foi arrebatado para o Céu, virá da mesma maneira, como agora O vistes
partir para o Céu.
Por
Ele reinam os reis, com a diferença de que os reis, as autoridades humanas,
passam e o reino de Cristo permanecerá por toda a eternidade, o seu reino é um
reino eterno e o seu domínio perdurará de geração em geração.
O
reino de Cristo não é um modo de dizer, nem uma imagem de retórica. Cristo
vive, também como homem, com aquele mesmo corpo que assumiu na Encarnação, que
ressuscitou depois da Cruz e subsiste glorificado na Pessoa do Verbo juntamente
com a sua alma humana. Cristo, Deus e Homem verdadeiro, vive e reina e é o
Senhor do mundo. Só por Ele se mantém na vida tudo o que vive.
Mas
então porque é que não aparece agora em toda a sua glória? Porque o seu reino
não é deste mundo, ainda que esteja no mundo. Replicou Jesus a Pilatos: Eu sou
Rei! Para isto nasci, e para isso vim ao mundo, para dar testemunho da verdade.
Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Aqueles que esperavam do Messias
um poderio temporal visível, enganavam-se: porque o Reino de Deus não consiste
em comer e beber, mas em paz, justiça e alegria no Espírito Santo.
Verdade
e justiça, paz e júbilo no Espírito Santo. Esse é o reino de Cristo. A acção
divina que salva os homens culminará com o fim da história, quando o Senhor,
que Se senta no mais alto do paraíso, vier julgar definitivamente os homens.
Quando
Cristo inicia a sua pregação na Terra, não oferece um programa político, mas
diz: fazei penitência, porque está perto o reino dos Céus. Encarrega os seus
discípulos de anunciar esta boa nova e ensina a pedir, na oração, a chegada do
reino, isto é o reino dos Céus e a sua justiça, uma vida santa, aquilo que
temos de procurar em primeiro lugar, a única coisa verdadeiramente necessária.
A
salvação pregada por Nosso Senhor Jesus Cristo é um convite dirigido a todos: o
reino dos céus é semelhante a um rei, que fez as núpcias de seu filho. E mandou
os seus servos chamar convidados para as núpcias. Por isso, o Senhor revela que
o reino dos Céus está no meio de vós.
Ninguém
se encontra excluído da salvação se adere livremente às exigências amorosas de
Cristo: nascer de novo fazer-se como menino, na simplicidade de espírito;
afastar o coração de tudo aquilo que aparte de Deus. Jesus quer factos; não só
palavras; e um esforço, denodado, porque apenas aqueles que lutam serão
merecedores da herança eterna.
A
perfeição do reino - o juízo definitivo de salvação ou de condenação - não se
dará na Terra. Agora o reino é como uma semente, como o crescimento do grão de
mostarda. O seu fim será como a rede que apanhava toda a espécie de peixes,
donde - depois de trazida para a areia - serão extraídos, para destinos
diferentes, os que praticaram a justiça e os que fizeram a iniquidade. Mas,
enquanto aqui vivemos, o reino assemelha-se à levedura que uma mulher tomou e
misturou com três medidas de farinha, até que toda a massa ficou fermentada.
Quem
compreender o reino que Cristo propõe, reconhece que vale a pena jogar tudo
para o conseguir: é a pérola que o mercador adquire à custa de vender tudo o
que possui, é o tesoiro encontrado no campo. O reino dos céus é uma conquista
difícil e ninguém tem a certeza de o alcançar, embora o clamor humilde do homem
arrependido consiga que se abram as suas portas de par em par. Um dos ladrões
que foram crucificados com Jesus suplica-Lhe: Senhor, lembra-te de mim, quando
entrares no teu reino. E Jesus disse-lhe: Em verdade te digo: Hoje estarás
comigo no paraíso.
(cont)
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