Evangelho: Lc 15 1-10
1 Aproximavam-se d'Ele os publicanos e os pecadores para
O ouvir. 2 Os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: «Este
recebe os pecadores e come com eles». 3 Então propôs-lhes esta
parábola: 4 «Qual de vós, tendo cem ovelhas, se perde uma delas, não
deixa as noventa e nove no deserto, para ir procurar a que se tinha perdido,
até que a encontre? 5 E,
tendo-a encontrado, a põe sobre os ombros todo contente 6 e, indo
para casa, chama os seus amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo,
porque encontrei a minha ovelha que se tinha perdido. 7 Digo-vos
que, do mesmo modo, haverá maior alegria no céu por um pecador que fizer
penitência que por noventa e nove justos que não têm necessidade de
penitência». 8 «Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, e
perdendo uma, não acende a candeia, não varre a casa, e não procura
diligentemente até que a encontre? 9 E que, depois de a achar, não
convoca as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque encontrei a
dracma que tinha perdido. 10 Assim vos digo Eu que haverá alegria
entre os anjos de Deus por um só pecador que faça penitência».
Comentário:
Haverá
maior alegria que ser perdoado?
E…
qual a dimensão dessa alegria quando o perdão nos vem directamente do ofendido?
E…
quando o Ofendido é o próprio Senhor?
(ama, comentário sobre Lc 15, 1-10, V. Moura, 2013.09.15)
Leitura espiritual
HISTÓRIA DE UMA ALMA
Santa Teresinha do Menino Jesus
Manuscrito "A" - Parte IV
…/3
Em Veneza, o cenário muda
completamente. Em vez do ruído das grandes cidades, só se ouvem, no meio do
silêncio, os gritos dos gondoleiros e o murmúrio da onda agitada pelos remos.
Veneza não é desprovida de encantos, mas acho essa cidade triste. O palácio dos
doges é esplêndido, porém também triste com os seus vastos aposentos onde
reinam o ouro, a madeira, os mais preciosos mármores e as pinturas dos maiores
mestres. Há muito tempo que suas abóbadas sonoras deixaram de ouvir as vozes
dos governadores que pronunciavam sentenças de vida e de morte nas salas que
atravessamos... Os infelizes prisioneiros que mantinham nas masmorras e
calabouços subterrâneos deixaram de sofrer... Ao visitar esses horrendos cárceres,
reportava-me ao tempo dos mártires e desejei poder ficar, a fim de
imitá-los!... Mas foi preciso sair logo e passar na ponte dos suspiros, assim
chamada por causa dos suspiros de alívio dados pelos condenados por se verem
livres do horror dos subterrâneos, aos quais preferiam a morte... Depois de
Veneza, fomos a Pádua, onde veneramos a língua de santo António, e a Bolonha,
onde vimos santa Catarina, que conserva a impressão do beijo do Menino Jesus.
Há muitos pormenores interessantes que eu poderia dar sobre cada cidade e sobre
as mil pequenas circunstâncias particulares da nossa viagem, mas não teria fim,
por isso só vou relatar os principais.
Deixei Bolonha com satisfação. Essa
cidade tornara-se insuportável para mim, devido aos estudantes dos quais está
repleta e que formavam uma barreira quando tínhamos a infelicidade de sair a
pé, e, sobretudo, por causa de pequena aventura que me aconteceu com um deles.
Foi com alegria que rumei para Loreto. Não me surpreendeu que Nossa Senhora
tenha escolhido esse lugar para transportar sua casa abençoada. A paz, a
alegria, a pobreza reinam soberanamente; tudo é simples e primitivo, as
mulheres conservaram o gracioso traje italiano e não adoptaram, como em outras
cidades, a moda parisiense. Enfim, Loreto encantou-me! Que direi da casa
abençoada?... Ah! minha emoção foi profunda ao ver-me sob o mesmo tecto que a
Sagrada Família, a contemplar os muros nos quais Jesus fixara seus divinos
olhos, pisando a terra que são José molhou com seus suores, onde Maria
carregara Jesus em seus braços depois de tê-lo carregado no seu seio
virginal... Vi o quartinho onde o anjo desceu para perto da Santíssima
Virgem... Coloquei o meu terço na tigelinha do Menino Jesus... Como essas
recordações são maravilhosas!...
O nosso maior consolo foi receber
Jesus em sua própria casa e ser o seu templo vivo no lugar que Ele honrou com
sua presença. Segundo um costume da Itália, o santo cibório só se conserva, em
cada igreja, sobre um altar, e somente aí se pode receber a santa comunhão.
Esse altar encontra-se na própria basílica onde está a casa abençoada, guardada
como um diamante precioso num estojo de mármore branco. Isso não nos agradou,
pois queríamos comungar no próprio diamante, não no estojo... Com a sua
cordialidade habitual, papai fez como todos os outros, mas Celina e eu fomos
encontrar um sacerdote que nos acompanhava em todo lugar e que, naquele momento
e por um privilégio especial, se preparava para celebrar missa na casa
abençoada. Pediu duas pequenas hóstias que colocou na patena junto à grande e
compreendeis, Madre querida, com que êxtase comungamos, as duas, nessa casa
abençoada!... Era uma felicidade toda celeste que as palavras não podem
expressar. Como será então quando recebermos a santa comunhão na eterna morada
do Rei dos Céus?... Não mais veremos terminar a nossa felicidade, não haverá
mais a tristeza da partida e, para levar uma lembrança, não será mais
necessário raspar furtivamente as paredes santificadas pela presença divina,
sendo que a casa dele será nossa para a eternidade... Não quer dar-nos a da
terra, contenta-se em mostrá-la a nós para nos fazer amar a pobreza e a vida
oculta. A morada que Ele nos reserva é o seu palácio de glória onde não mais o
veremos oculto, sob a aparência de uma criança ou de uma hóstia branca, mas tal
como é, no seu esplendor infinito!!!...
É de Roma, agora, que me resta falar,
Roma, meta da nossa viagem, lá onde acreditava encontrar o consolo, mas onde
encontrei a cruz!... À nossa chegada, era noite e dormíamos. Fomos acordados
pelos funcionários da estação que gritavam: "Roma, Roma". Não era um
sonho, estava em Roma!...
O primeiro dia passou-se fora dos
muros e foi, talvez, o mais agradável, pois todos os monumentos conservaram a
sua marca de antiguidade, enquanto no centro poder-se-ia acreditar estar em
Paris ao ver a magnificência dos hotéis e das lojas. Esse passeio na campanha
romana deixou em mim uma doce recordação. Não falarei dos lugares que
visitamos, são muitos os livros que os descrevem nos pormenores, falarei apenas
das principais impressões que tive. Uma das mais agradáveis foi a que me fez
estremecer à vista do Coliseu. Estava vendo, enfim, essa arena onde tantos
mártires tinham derramado o sangue por Jesus. Já ia apressar-me a beijar a
terra que santificaram, mas que decepção! O centro não passa de um montão de
entulho que os romeiros têm de se contentar em olhar, pois uma barreira impede
a entrada. Aliás, ninguém fica interessado em penetrar naquelas ruínas... Seria
possível ir a Roma sem visitar o Coliseu?... Não queria admitir, não escutava
mais as explicações do guia, só um pensamento me atormentava: descer à arena...
Vendo um operário que passava com uma escada, estive prestes a pedir-lhe,
felizmente não pus meu plano em execução, porque me teriam considerado louca...
Diz-se no Evangelho que Madalena tinha ficado junto ao sepulcro e que,
inclinando-se por diversas vezes para ver dentro, acabou vendo dois anjos. Como
ela, depois de constatar a impossibilidade de realizar meus desejos, continuei
inclinando-me sobre as ruínas onde queria descer; no fim, não vi anjo nenhum,
mas sim o que eu procurava. Soltei um grito de alegria e disse a Celina:
"Venha depressa, vamos poder passar!..." Logo atravessamos a barreira
de entulhos e eis-nos escalando as ruínas que caíam sob nossos passos.
Papai olhava-nos espantado com a nossa
audácia. Logo nos disse para voltar, mas as duas fugitivas não ouviam mais
nada. Assim como os guerreiros sentem a coragem aumentar no meio do perigo, a
nossa alegria crescia na proporção da dificuldade que tínhamos para alcançar o
objecto dos nossos desejos. Mais precavida que eu, Celina tinha escutado o guia
e lembrou-se de que falara de uma certa lajinha cruzada como sendo o lugar onde
combatiam os mártires e pôs-se a procurá-la. Achou-a e, ao ajoelharmos sobre
essa terra sagrada, nossas almas confundiram-se numa mesma oração... Meu
coração batia fortemente quando meus lábios se aproximaram do pó tingido do
sangue dos primeiros cristãos. Pedi a eles a graça de ser também mártir para
Jesus e senti no fundo do meu coração que minha oração seria atendida!... Tudo
isso foi feito em muito pouco tempo. Depois de pegar algumas pedras, voltamos
em direcção aos muros em ruína a fim de refazer em sentido inverso a nossa
perigosa trajectória. Vendo-nos tão felizes, papai não pôde chamar a nossa atenção
e vi que estava feliz pela nossa coragem... Deus protegeu-nos visivelmente,
pois os romeiros não tomaram conhecimento da nossa escapada, estando afastados
de nós, ocupados a olhar as magníficas arcadas onde o guia fazia observar
"as pequenas cornijas e os cupidos fixados em cima". Portanto, nem
ele nem "os senhores padres" conheceram a alegria que enchia nossos
corações...
As catacumbas deixaram também em mim
uma suave impressão: são exactamente como eu as imaginava ao ler a sua
descrição na vida dos mártires. Depois de ter passado parte da tarde ali,
parecia-me ter entrado poucos minutos antes, tão perfumada me parecia a
atmosfera que se respira... Era preciso levar algumas recordações das
catacumbas. Deixando a procissão afastar-se um pouco, Celina e Teresa
penetraram juntas até o fundo do antigo túmulo de santa Cecília e pegaram terra
santificada pela sua presença. Antes da minha viagem a Roma, eu não tinha por
essa santa devoção especial, mas ao visitar sua casa transformada em igreja, o
lugar do seu martírio, informada que fora proclamada rainha da Harmonia, não
por causa da sua bela voz nem do seu talento musical, mas em memória do canto
virginal que fez ouvir a seu Esposo Celeste escondido no fundo do seu coração,
senti por ela mais do que devoção: uma verdadeira ternura de amiga... Passou a
ser a minha santa predileta, minha confidente íntima... Tudo nela me extasia,
sobretudo oseu desprendimento, a sua confiança ilimitada que a tornou capaz de
virginizar almas que nunca desejaram outras alegrias que as da vida presente...
Santa Cecília é parecida com a esposa
dos cânticos. Nela vejo "um coro num campo de exército...". A sua
vida não foi senão um canto melodioso no meio às maiores provações, e isso não
me é estranho, sendo que "o Evangelho sagrado repousava sobre seu
coração!" e que em seu coração repousava o Esposo das Virgens!...
A visita à igreja Santa Inês foi
também muito doce para mim. Era uma amiga de infância que ia visitar na própria
casa. Falei-lhe muito tempo de quem leva tão bem o nome e fiz tudo o que pude
para obter uma relíquia da angélica padroeira da minha Madre querida a fim de
lhe trazer, mas foi-nos possível conseguir apenas uma pedrinha vermelha que se
desprendeu de um rico mosaico cuja origem remonta ao tempo de santa Inês e que
ela deve ter olhado muitas vezes. Não era delicado por parte da santa dar-nos,
ela própria, o que procurávamos e que nos era proibido pegar?... Sempre considerei
o facto como uma delicadeza e uma prova do amor com que a doce santa Inês olha
e protege minha querida Madre!...
Seis dias se foram em visitas às
principais maravilhas de Roma e, no sétimo, vi a maior de todas: "Leão
XIII..." Desejava e temia esse dia, dele dependia minha vocação, pois a
resposta que eu devia receber de Sua Excelência não tinha chegado e soubera por
uma carta vossas, Madre, que ele não estava mais muito bem-disposto a meu
favor. Portanto, minha única tábua de salvação era o Santo Padre... Mas para
obter a permissão era preciso pedi-la, era preciso, na frente de todos, ousar falar
"ao Papa". Essa ideia fazia-me tremer. Como sofri antes da audiência,
só Deus e minha querida Celina o sabem. Nunca me esquecerei da parte que ela
tomou em minhas provações. Minha vocação parecia ser dela. (Nosso amor mútuo
era notado pelos padres da romaria: uma noite, numa reunião tão numerosa que
faltavam lugares, Celina fez-me sentar no seu colo e olhávamo-nos tão
gentilmente que um padre exclamou: "Como se amam, ah! nunca essas duas
irmãs poderão separar-se!" Sim, amávamo-nos, mas nosso afecto era tão puro
e tão forte que a ideia da separação não nos perturbava, pois sentíamos que
nada, nem o oceano, poderia afastar uma da outra... Celina via com calma o meu
barquinho acostar à margem do Carmelo; resignava-se a ficar o tempo que Deus
quisesse no mar turbulento do mundo, certa de chegar um dia à margem
desejada...)
Domingo, 20 de Novembro, depois de nos
vestirmos segundo o cerimonial do Vaticano (isto é, de preto, com uma mantilha
de renda na cabeça), e ter-nos enfeitado com uma grande medalha de Leão XIII
amarrada com fita azul e branca, fizemos a nossa entrada no Vaticano, na capela
do Soberano Pontífice. Às 8 horas, a nossa emoção foi profunda ao vê-lo entrar,
para celebrar a santa Missa... Depois de dar a bênção aos numerosos romeiros
reunidos ao seu redor, subiu os degraus do santo altar e mostrou-nos, pela sua
piedade digna do Vigário de Jesus, que era verdadeiramente "O Santo
Padre". O meu coração batia muito forte e as minhas orações eram muito
fervorosas, quando Jesus descia nas mãos do seu Pontífice, e eu estava muito
confiante. O Evangelho desse dia continha essas palavras animadoras: "Não
tenhais receio, pequeno rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-vos o
seu reino". Eu não receava, esperava que o reino do Carmelo fosse meu em
breve. Não pensava então nessas outras palavras de Jesus: "Preparo para
vós, como o Pai preparou para ruim, um reino". Isto é, reservo para vós
cruzes e provações; assim é que sereis dignos de possuir esse reino pelo qual
ansiais. Por ter sido necessário o Cristo sofrer para entrar na sua glória, se
desejais ter lugar ao lado Dele, bebei do cálice que Ele bebeu!... Esse cálice
foi-me apresentado pelo Santo Padre e minhas lágrimas misturaram-se à bebida
que me era oferecida. Depois da missa de acção de graças que se seguiu à de Sua
Santidade, a audiência começou. Leão XIII estava sentado numa grande poltrona,
vestido simplesmente da batina branca, camilha da mesma cor e solidéu. Ao redor
dele estavam cardeais, arcebispos, bispos, mas só os vi vagamente, estando ocupada
com o Santo Padre. Desfilávamos diante dele, cada romeiro se ajoelhava, beijava
o pé e a mão de Leão XIII, recebia sua bênção e dois guardas tocavam-o para
indicar-lhe que se levantasse (o romeiro, pois explico-me tão mal que se
poderia pensar que fosse o Papa). Antes de subir ao apartamento pontifício, eu
estava muito resolvida a falar, mas senti minha coragem falhar vendo à direita
do Santo Padre "o padre Révérony!..." Quase no mesmo instante, disseram-nos,
da parte dele, que proibia falar com Leão XIII, pois a audiência estava-se
prolongando demais... Virei-me para minha querida Celina a fim de consultá-la:
"Fala", disse-me ela. Um instante depois, eu estava aos pés do Santo
Padre. Tendo eu beijado a sua sandália, ele apresentou-me a mão. Em vez de
beijá-la, pus as minhas e, levantando para o rosto dele meus olhos banhados em
lágrimas, exclamei: "Santíssimo Padre, tenho um grande favor para
pedir-vos!..." Então, o Soberano Pontífice" inclinou a cabeça de
maneira que meu rosto quase encostou no dele e vi seus olhos pretos e profundos
fixarem-se sobre mim e parecer penetrar-me até o fundo da alma.
"Santíssimo Padre", disse, "em honra do vosso jubileu, permiti
que eu entre no Carmelo aos 15 anos!..."
Manuscrito "A" - Parte V
Sem dúvida, a emoção fez tremer a
minha voz e, virando-se para o padre Révérony, que me olhava surpreso e
descontente, o Santo Padre disse: "Não compreendo muito bem". Se Deus
tivesse permitido, teria sido fácil para o padre Révérony obter para mim o que
eu desejava, mas era a cruz e não a consolação que Ele queria dar-me.
"Santíssimo Padre", respondeu o vigário-geral, "é uma criança
que deseja ingressar no Carmelo aos 15 anos, mas os superiores examinam a
questão neste momento." "Então, minha filha", respondeu o Santo
Padre, olhando-me com bondade, "fazei o que os superiores vos
disserem." Apoiando minhas mãos sobre seus joelhos tentei um último
esforço e disse com voz suplicante: "Oh! Santíssimo Padre, se dissésseis
sim, todos estariam a favor!..." Ele olhou-me fixamente e pronunciou as
seguintes palavras, destacando cada sílaba: "Vamos... Vamos... Entrareis
se Deus quiser..." A sua acentuação tinha alguma coisa de tão penetrante e
de tão convincente que tenho impressão de ouvi-lo ainda. A bondade do Santo
Padre animava-me e eu queria falar mais, mas os dois guardas tocaram-me
polidamente para fazer-me levantar. Vendo que isso não era suficiente,
seguraram-me pelos braços e o padre Révérony ajudou-os a levantar-me, pois
ainda estava com as mãos juntas, apoiadas nos joelhos de Leão XIII, e foi pela
força que me arrancaram dos seus pés... No momento em que estava sendo
retirada, o Santo Padre colocou a sua mão nos meus lábios e levantou-a para me
benzer. Então, os meus olhos encheram-se de lágrimas e o padre Révérony pôde
contemplar, pelo menos, tantos diamantes como tinha visto em Bayeux... Os dois
guardas carregaram-me, pode dizer-se, até a porta e um terceiro me deu uma medalha
de Leão XIII. Celina, que me seguia e havia sido testemunha da cena que acabava
de acontecer, quase tão emocionada quanto eu, ainda teve a coragem de pedir ao
Santo Padre uma bênção para o Carmelo. O padre Révérony, com voz descontente,
respondeu: "O Carmelo já foi abençoado". O bondoso Santo Padre
confirmou com doçura: "Oh, sim! já foi abençoado". Antes de nós,
papai viera aos pés de Leão XIII, com os homens. O padre Révérony foi gentil
com ele, apresentando-o como pai de duas carmelitas. Como sinal de
benevolência, o Soberano Pontífice pôs a mão sobre a cabeça venerável do meu
Rei querido, parecendo marcá-la com um selo misterioso, em nome Daquele de quem
é o verdadeiro representante... Ah! agora que esse Pai de quatro carmelitas
está no Céu, não é mais a mão do pontífice que repousa sobre sua fronte,
profetizando-lhe o martírio... É a mão do Esposo das Virgens, do Rei de Glória,
que faz resplandecer a cabeça de seu Fiel Servo. E, mais do que nunca, essa mão
adorada não deixará de repousar na fronte que tem glorificado...
Meu papai querido ficou muito triste
ao encontrar-me chorando à saída da audiência, fez tudo o que pôde para me
consolar. Mas foi inútil... No fundo do coração, sentia grande paz, pois tinha
feito tudo o que me era possível fazer para responder ao que Deus queria de
mim; mas essa paz estava no fundo e a amargura enchia minha alma, pois Jesus ficava
calado. Parecia-me ausente, nada revelava a presença Dele... Ainda naquele dia,
o sol não brilhou e o belo céu azul da Itália, carregado de nuvens escuras, não
parou de chorar comigo... Ah! para mim, a viagem tinha acabado. Não comportava
mais encantos, pois a finalidade não fora alcançada. Todavia, as últimas
palavras do Santo Padre deveriam ter-me consolado: não eram, de facto,
verdadeira profecia? Apesar de todos os obstáculos, o que Deus quis cumpriu-se.
Não permitiu que as criaturas fizessem o que queriam, mas a vontade Dele...
Havia algum tempo oferecera-me ao Menino Jesus para ser seu brinquedinho.
Tinha-lhe dito para não me usar como brinquedo caro que as crianças só podem
olhar sem ousar tocar, mas como uma bola sem valor que podia jogar no chão, dar
pontapés, furar, largar num cantinho ou apertar contra o seu coração conforme
achasse melhor; numa palavra, queria divertir o Menino Jesus, agradar-lhe,
queria entregar-me a suas manhas de criança... Ele aceitou minha oferta...
Em Roma, Jesus furou seu brinquedinho.
Queria ver o que havia dentro e, depois de ver, contente com sua descoberta,
deixou cair sua pequena bola e adormeceu... Que fez durante o sono e que foi
feito da bola deixada de lado?... Jesus sonhou que continuava brincando com sua
bola, deixando-a e retomando-a, e que, depois de deixá-la rolar muito longe, a
apertou no seu coração, não permitindo mais que se afastasse de sua mãozinha...
Compreendeis, querida Madre, quanto a
pequena bola ficou triste ao ver-se largada... Mas eu não deixava de esperar
contra toda a esperança. Alguns dias após a audiência com o Santo Padre, papai
foi visitar o bom irmão Simião e lá encontrou o padre Révérony, que se mostrou
muito amável. Papai censurou-o, brincando, por não me ter ajudado no meu difícil
empreendimento e contou a história da sua Rainha ao irmão Simião. O venerável
ancião escutou o relato com muito interesse, tomou notas até, e disse com
emoção: "Isso não se vê na Itália!" Creio que essa entrevista causou
muito boa impressão no padre Révérony. A partir dela, não deixou mais de me
provar estar finalmente convicto da minha vocação.
No dia seguinte ao dia memorável,
tivemos de partir cedo para Nápoles e Pompeia. Em nossa honra, o Vesúvio fez-se
barulhento o dia todo, trovejando e deixando escapar uma coluna de grossa
fumaça. Os vestígios que deixou sobre as ruínas de Pompeia são apavorantes,
mostram o poder de Deus: "Ele que com um olhar faz tremer a terra, e a seu
toque os montes fumegam..." Teria gostado de andar sozinha no meio das
ruínas, sonhar com a fragilidade das coisas humanas, mas o número de visitantes
tirava grande parte do encanto melancólico da cidade destruída... Em Nápoles,
foi o contrário. O grande número de carros de dois cavalos tornou magnífico
nosso passeio ao mosteiro San Martino, situado numa alta colina que domina a
cidade. Infelizmente, os cavalos que nos levavam tomavam o freio nos dentes e,
mais de uma vez, pensei ver chegar minha última hora. Embora o cocheiro
repetisse constantemente a palavra mágica dos condutores italianos:
"Appipau, appipau...", os cavalos queriam derrubar o carro. Enfim,
graças à ajuda dos nossos anjos da guarda, chegamos ao nosso hotel. Durante
toda a viagem fomos alojadas em hotéis principescos, nunca tinha estado cercada
de tanto luxo; vem ao caso dizer que a riqueza não traz a felicidade. Pois
teria sido mais feliz numa choupana, com a esperança do Carmelo, do que no meio
de lambris dourados, escadas de mármore branco, tapetes de seda, e com amargura
no coração... Ah! senti-o muito bem: a felicidade não está nos objectos que nos
cercam, está no mais íntimo da alma. Pode ser gozada tanto numa prisão como num
palácio; a prova é que sou mais feliz no Carmelo, mesmo no meio de provações
interiores e exteriores, do que no mundo, cercada pelas comodidades da vida e,
sobretudo, pelas doçuras do lar paterno!...
(cont.)
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