21/10/2014

Tratado do verbo encarnado 06 – Out 21

Art. 6 — Se a obra da Encarnação devia ser diferida até o fim do mundo.

O sexto discute-se assim. — Parece que a obra da Encarnação devia ser diferida até o fim mundo.

1. — Pois diz a Escritura: A minha velhice com abundância de misericórdia — o que se entende como os últimos tempos, como diz a Glosa. Ora, o tempo da Encarnação é sobretudo o tempo da misericórdia, segundo a Escritura: É tempo de teres piedade dela. Logo, a Encarnação devia ser diferida até o fim do mundo.

2. Demais. — Como se disse, o perfeito, relativamente a um mesmo ser, é temporalmente posterior ao imperfeito. Logo, o perfeito por excelência deve ser o último no tempo. Ora, a perfeição suma da natureza humana é a união com o Verbo, pois, como diz o Apóstolo, foi do agrado do Pai que residisse em Cristo a plenitude da divindade. Logo, a Encarnação devia ser diferida até o fim mundo.

3. Demais. — Não se deve fazer por meio de dois agentes o que pode ser feito por um só. Ora, um só advento de Cristo pode bastar à salvação da natureza humana, e esse se dará no fim do mundo. Logo, não era necessário que viesse antes, pela Encarnação. — E assim, a Encarnação devia ser diferida até o fim do mundo.

Mas, em contrário a Escritura: No meio dos anos tu a farás notória. Logo, o mistério da Encarnação, pelo qual Deus se fez conhecer, não devia ser diferido, até o fim do mundo.

Assim como não era conveniente que Deus se tivesse encarnado desde o princípio do mundo, assim não o era que a Encarnação fosse diferida até o fim do mundo.

O que se evidencia, primeiro, da união da natureza divina com a humana. Pois, como se disse (a. 5, ad 3), o perfeito, de um modo, precede temporalmente o imperfeito. Pois, no que de imperfeito passa a perfeito, o imperfeito precede temporalmente o perfeito, mas na causa eficiente da perfeição, o perfeito precede temporalmente o imperfeito. Ora, ambos concorreram na obra da Encarnação. Porque, pela própria Encarnação, a natureza humana foi elevada à suma perfeição, por isso não convinha que a Encarnação se tivesse realizado desde o princípio do género humano. Mas, o Verbo Encarnado é ele próprio a causa eficiente da perfeição humana, segundo o Evangelho: Todos nós participamos da sua plenitude, e por isso não devia a obra da Encarnação ser diferida até o fim do mundo. Ao passo que a perfeição da glória, a qual ultimamente será elevada a natureza humana, pelo Verbo encarnado, se realizará no fim do mundo.

Segundo, pelo efeito da salvação humana. Pois, como diz Agostinho, está no poder de quem dá compadecer-se quando e quanto quiser. Por isso veio quando sabia que devia socorrer e que o benefício havia de ser grato. Assim, quando, por um certo langor do género humano, o conhecimento de Deus começou a apagar-se entre os homens e os costumes a mudarem, dignou-se escolher a Abraão, para que realizasse a forma da renovação do conhecimento de Deus, e dos costumes. E como ainda a reverência que lhe deviam fosse diminuindo, deu a lei escrita, por meio de Moisés. E como as gentes a desprezaram, sem quererem se lhe submeter, e nem a observaram os que a receberam, o Senhor, movido pela misericórdia, mandou o seu Filho, que, feita a todos a remissão dos pecados, ofereceu-os justificados a Deus Padre. Ora, se o remédio fosse diferido até o fim do mundo, o conhecimento de Deus, a reverência a ele devida e a honestidade dos costumes teriam totalmente desaparecido da terra.

Terceiro, a conveniência da Encarnação resulta da manifestação do poder divino, que salvou os homens de muitos modos, não só pela fé do futuro, mas pela do presente e do pretérito.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A Glosa aduzida refere-se à misericórdia conducente à glória. Mas, referida à misericórdia feita ao género humano pela Encarnação de Cristo, devemos então saber, como diz Agostinho, que o tempo da Encarnação pode ser comparado à juventude do género humano, por causa do vigor e do fervor da fé, que obra pelo amor, à velhice porém, que é a sexta idade, por causa do número dos tempos, por que Cristo veio na sexta idade. E embora no corpo não possam coexistir a juventude com a velhice podem contudo existir simultaneamente na alma, aquela, pela alegria, esta, pela gravidade. E por isso como diz ainda noutro lugar Agostinho, não devia o mestre divino, por cuja imitação os costumes do género humano viriam a ser óptimos, ter vindo senão no tempo da juventude. E noutro passo diz que Cristo veio na sexta idade do género humano, como no tempo da velhice.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Não devemos considerar A obra da Encarnação só como termo e movimento do imperfeito para o perfeito, mas também como princípio da perfeição da natureza humana, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Crisóstomo sobre o Evangelho — Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo: Dois são o adventos de Cristo: o primeiro, para remir os pecados, o segundo, para julgar. Pois, se tal não tivesse feito, todos se teriam simultaneamente perdido, porque todos pecaram e precisam da graça de Deus. Donde é claro, que o advento da misericórdia não devia ser diferido até o fim do mundo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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