O sexto discute-se assim. — Parece que
a obra da Encarnação devia ser diferida até o fim mundo.
1. — Pois diz a Escritura: A minha
velhice com abundância de misericórdia — o que se entende como os últimos
tempos, como diz a Glosa. Ora, o tempo da Encarnação é sobretudo o tempo da
misericórdia, segundo a Escritura: É tempo de teres piedade dela. Logo, a
Encarnação devia ser diferida até o fim do mundo.
2. Demais. — Como se disse, o
perfeito, relativamente a um mesmo ser, é temporalmente posterior ao
imperfeito. Logo, o perfeito por excelência deve ser o último no tempo. Ora, a
perfeição suma da natureza humana é a união com o Verbo, pois, como diz o
Apóstolo, foi do agrado do Pai que residisse em Cristo a plenitude da
divindade. Logo, a Encarnação devia ser diferida até o fim mundo.
3. Demais. — Não se deve fazer por
meio de dois agentes o que pode ser feito por um só. Ora, um só advento de
Cristo pode bastar à salvação da natureza humana, e esse se dará no fim do
mundo. Logo, não era necessário que viesse antes, pela Encarnação. — E assim, a
Encarnação devia ser diferida até o fim do mundo.
Mas, em contrário a Escritura: No meio
dos anos tu a farás notória. Logo, o mistério da Encarnação, pelo qual Deus se
fez conhecer, não devia ser diferido, até o fim do mundo.
Assim como não era
conveniente que Deus se tivesse encarnado desde o princípio do mundo, assim não
o era que a Encarnação fosse diferida até o fim do mundo.
O que se evidencia, primeiro, da união
da natureza divina com a humana. Pois, como se disse (a. 5, ad 3), o perfeito,
de um modo, precede temporalmente o imperfeito. Pois, no que de imperfeito passa
a perfeito, o imperfeito precede temporalmente o perfeito, mas na causa
eficiente da perfeição, o perfeito precede temporalmente o imperfeito. Ora,
ambos concorreram na obra da Encarnação. Porque, pela própria Encarnação, a
natureza humana foi elevada à suma perfeição, por isso não convinha que a
Encarnação se tivesse realizado desde o princípio do género humano. Mas, o
Verbo Encarnado é ele próprio a causa eficiente da perfeição humana, segundo o
Evangelho: Todos nós participamos da sua plenitude, e por isso não devia a obra
da Encarnação ser diferida até o fim do mundo. Ao passo que a perfeição da
glória, a qual ultimamente será elevada a natureza humana, pelo Verbo
encarnado, se realizará no fim do mundo.
Segundo, pelo efeito da salvação
humana. Pois, como diz Agostinho, está no poder de quem dá compadecer-se quando
e quanto quiser. Por isso veio quando sabia que devia socorrer e que o
benefício havia de ser grato. Assim, quando, por um certo langor do género
humano, o conhecimento de Deus começou a apagar-se entre os homens e os
costumes a mudarem, dignou-se escolher a Abraão, para que realizasse a forma da
renovação do conhecimento de Deus, e dos costumes. E como ainda a reverência
que lhe deviam fosse diminuindo, deu a lei escrita, por meio de Moisés. E como
as gentes a desprezaram, sem quererem se lhe submeter, e nem a observaram os
que a receberam, o Senhor, movido pela misericórdia, mandou o seu Filho, que,
feita a todos a remissão dos pecados, ofereceu-os justificados a Deus Padre.
Ora, se o remédio fosse diferido até o fim do mundo, o conhecimento de Deus, a
reverência a ele devida e a honestidade dos costumes teriam totalmente
desaparecido da terra.
Terceiro, a conveniência da Encarnação
resulta da manifestação do poder divino, que salvou os homens de muitos modos,
não só pela fé do futuro, mas pela do presente e do pretérito.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A Glosa aduzida refere-se à misericórdia conducente à glória. Mas, referida à
misericórdia feita ao género humano pela Encarnação de Cristo, devemos então
saber, como diz Agostinho, que o tempo da Encarnação pode ser comparado à
juventude do género humano, por causa do vigor e do fervor da fé, que obra pelo
amor, à velhice porém, que é a sexta idade, por causa do número dos tempos, por
que Cristo veio na sexta idade. E embora no corpo não possam coexistir a
juventude com a velhice podem contudo existir simultaneamente na alma, aquela,
pela alegria, esta, pela gravidade. E por isso como diz ainda noutro lugar
Agostinho, não devia o mestre divino, por cuja imitação os costumes do género
humano viriam a ser óptimos, ter vindo senão no tempo da juventude. E noutro
passo diz que Cristo veio na sexta idade do género humano, como no tempo da
velhice.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Não devemos
considerar A obra da Encarnação só como termo e movimento do imperfeito para o
perfeito, mas também como princípio da perfeição da natureza humana, como se
disse.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz
Crisóstomo sobre o Evangelho — Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar
o mundo: Dois são o adventos de Cristo: o primeiro, para remir os pecados, o
segundo, para julgar. Pois, se tal não tivesse feito, todos se teriam
simultaneamente perdido, porque todos pecaram e precisam da graça de Deus. Donde
é claro, que o advento da misericórdia não devia ser diferido até o fim do
mundo.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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