Art.
2 — Se a união do Verbo encarnado se fez na Pessoa.
O segundo discute-se assim — Parece
que a união do Verbo incarnado não se fez na pessoa.
1. — Pois, a Pessoa de Deus não difere
da sua natureza, como se demonstrou na Primeira Parte. Se, portanto, não se fez
a união na natureza, segue-se que também não se fez na pessoa.
2. Demais. — A natureza humana não
teve menor dignidade em Cristo do que a tem em nós. Ora, a personalidade
respeita à dignidade, como se demonstrou na Primeira Parte. Donde, tendo a
natureza humana em nós uma personalidade própria, com maior razão teve uma
personalidade própria em Cristo.
3. Demais. — Como diz Boécio, a pessoa
é uma substância individual de natureza racional. Ora, o Verbo de Deus assumiu
a natureza humana individual, pois a natureza universal não subsiste em si
mesma, mas é considerada pela só contemplação, como diz Damasceno. Logo, a
natureza humana tem a sua personalidade. Portanto, parece que não se fez a
união na Pessoa.
Mas, em contrário, lê-se no Sínodo
Calcedonense: Nós confessamos que Nosso Senhor Jesus Cristo é o Deus Verbo, um
e mesmo Filho unigênito, não repartido ou dividido em duas pessoas. Logo fez-se
a união do Verbo na Pessoa.
Pessoa tem uma significação
diferente de natureza. Pois, a natureza significa a essência específica,
expressa pela definição. E se a essência específica não fosse susceptível de
nenhum acréscimo, nenhuma necessidade haveria de distinguir a natureza, do seu
suposto, que é o indivíduo nela subsistente, pois, então, todo indivíduo
subsistente numa natureza seria absolutamente idêntico a esta. Mas, há certas
coisas subsistentes, susceptíveis do que não se inclui em a essência
específica, como os acidentes e os princípios individuantes, como sobretudo o
manifestam os seres compostos de matéria e forma. Donde o diferir, mesmo
realmente, em tais seres, a natureza, do suposto, não como coisas absolutamente
separadas mas porque o suposto inclui a natureza mesma da espécie, e se lhe
fazem certos outros acréscimos, estranhos à essência específica. Por isso, o
suposto é significado como um todo, tendo a natureza como a sua parte formal e
perfectiva. E por isso, nos compostos de matéria e forma, a natureza não é
predicada do suposto, assim, não dizemos que tal homem é a sua humanidade. Mas
um ser como Deus em que absolutamente nada houver, além da essência da espécie
ou da sua natureza, em tal ser não há diferença real entre o suposto e a natureza,
mas somente lógica. Pois, natureza se chama ao que é uma certa essência, e ela
mesma também se chama suposto, enquanto é subsistente. E o que se disse do
suposto devemos entender da pessoa, na criatura racional ou intelectual, pois,
a pessoa nada mais é do que a substância individual de natureza racional,
segundo Boécio.
Portanto, tudo o que existe numa
determinada pessoa, quer lhe pertença à natureza, quer não, está-lhe unido na
pessoa. Se, pois, a natureza humana não esta unida à Pessoa do Verbo de Deus,
de nenhum modo lhe está unida. - E então, desaparece totalmente a fé na
Encarnação, o que é fazer em ruínas toda a fé cristã. Como, pois, o Verbo tem a
natureza humana unida a si, e não como pertinente à sua natureza divina, é
consequente que a união foi feita na Pessoa do Verbo, e não, na natureza.
DONDE A RESPOSTA À OBJECÇÃO. — Embora
em Deus não difira realmente a natureza da pessoa, difere contudo pelo modo de
significar, como se disse, porque a pessoa significa uma subsistência. E como a
natureza humana está assim unida ao Verbo, que o Verbo nela subsista, e não que
algo se lhe acrescente à essência da sua natureza, ou que a sua natureza se
transforme em outra, por isso a união foi feita na Pessoa e não em a natureza.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A personalidade
pertence necessariamente, à dignidade e à perfeição de um ser, na medida em que
lhe é próprio à dignidade e à perfeição existir por si, o que se entende pelo
nome de pessoa. Pois, será mais digno para um ser existir num outro de maior
dignidade, do que existir por si mesmo. Donde, a natureza humana é mais digna
em Cristo, do que em nós, por isso que em nós, quase existindo por si, tem a
sua personalidade própria, ao passo que em Cristo existe na Pessoa do Verbo.
Assim, embora o ser completivo da espécie pertença à dignidade da forma,
contudo o sensitivo é mais nobre no homem, por causa da união com uma forma completiva
mais nobre, do que no animal bruto, do qual é a forma complectiva.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O Verbo de Deus
não assumiu a natureza humana em universal, mas na sua indivisibilidade isto é,
no indivíduo, como diz Damasceno, do contrário, a qualquer homem necessariamente
conviria ser o Verbo de Deus, como o convém a Cristo. Devemos porém saber, que
não qualquer indivíduo, no género da substância, mesmo em a natureza racional,
tem a natureza de pessoa, mas só o que existe por si, não, porém, o que existe
num ser mais perfeito. Por onde, a mão de Sócrates, embora seja um
indeterminado indivíduo, não é contudo uma pessoa, porque não existe por si,
mas, num ser mais perfeito, isto é, no seu todo. E isto também pode ser
significado quando se diz, que a pessoa é uma substância individual, pois, não
é a mão uma substância completa, mas, parte da substância. Embora, portanto,
esta natureza humana seja um determinado indivíduo no género da substância,
porque contudo não existe por si separadamente, mas, num ser mais perfeito, a
saber, na pessoa do Verbo de Deus, é consequente que não tenha personalidade
própria. E portanto a união se fez na Pessoa.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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