07/10/2014

Tratado da Graça 19

Questão 111: Da divisão da graça.

Art. 5 — Se a graça gratuita é mais digna que a santificante.

O quinto discute-se assim. — Parece que a graça gratuita é mais digna que a santificante.

1. — Pois, o bem da nação é superior ao do indivíduo, como diz o Filósofo. Ora, a graça santificante ordena só para o bem do indivíduo, ao passo que a gratuita, para o de toda a comunidade da Igreja, como já se disse. Logo, a graça gratuita é mais digna que a santificante.

2. Demais. — É maior virtude poder agir sobre outrem, que poder aperfeiçoar-se só a si mesmo, assim como a claridade corpórea capaz de iluminar também os outros corpos é maior que aquela que luz sem poder iluminá-los. Por isso, o Filósofo diz, que a justiça é a mais preclara das virtudes, pela qual o homem age retamente, mesmo para com os outros. Ora, pela graça santificante o homem se aperfeiçoa a si mesmo, ao passo que, pela gratuita, opera a perfeição dos outros. Logo, esta é mais perfeita que aquela.

3. Demais. — O que é próprio dos melhores é mais digno que o comum a todos, assim, raciocinar, próprio do homem, mais digno que sentir, comum a todos os animais. Ora, a graça santificante é comum a todos os membros da Igreja, ao passo que a gratuita é dom próprio dos membros mais dignos dela. Logo, a graça gratuita é mais digna que a santificante.

Mas, em contrário, o Apóstolo, depois de ter enumerado as graças gratuitas, acrescenta (1 Cor 12, 31): Mas eu ainda vou a mostrar-vos outro caminho mais excelente. Ora, como a sequência do texto o demonstra, ele refere-se à caridade, que pertence à graça santificante. Logo, esta é mais excelente que a gratuita.

Toda a virtude é tanto mais excelente quanto mais elevado é o bem a que se ordena. Pois, o fim é sempre mais excelente que os meios. Ora, a graça santificante ordena imediatamente o homem à união com o fim último. Enquanto a graça gratuita o ordena a certos meios preparatórios do fim último. Assim, pela profecia, pelos milagres e por meios semelhantes, os homens são levados à união com o fim último. Logo, a graça santificante é muito mais excelente que a gratuita.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como diz o Filósofo, o bem de uma multidão, como, p. ex., um exército, é duplo. Um está na própria multidão, p. ex., a ordem do exército. Outro — o bem do chefe, é distinto dela. E, este último é o superior, pois a ele se ordena o primeiro. Ora, a graça gratuita ordena-se ao bem comum da Igreja, que é a ordem eclesiástica. Ao passo que a graça santificante se ordena a um bem comum separado, que é o próprio Deus. Logo, a graça santificante é mais nobre.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Se a graça gratuita pudesse fazer o homem conseguir o que consegue pela graça santificante, resultaria que ela é mais nobre que esta, assim como é mais excelente a claridade do sol, que ilumina, do que a do corpo iluminado. Ora, pela graça gratuita não podemos causar em outrem a união com Deus, que ele alcança pela graça santificante, mas podemos apenas provocar certas disposições para essa união. Donde não é necessário que seja a graça gratuita mais excelente, do mesmo modo que o calor, manifesto da natureza específica do fogo, e pelo qual aquece as coisas, é mais nobre que a forma substancial do mesmo.

RESPOSTA À TERCERIA. — Sentir ordena-se a raciocinar, como ao fim, logo, raciocinar é mais nobre. Ora, no caso vertente, dá-se o contrário, porque o próprio se ordena ao comum, como ao fim. Logo, não há semelhança.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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