04/10/2014

Tratado da Graça 16 – Set 04

Questão 111: Da divisão da graça.

Art. 2 — Se a graça se divide convenientemente em operante e cooperante.

[II Sent., dist. XXVI, q. 1, a. 5, a. 6, ad 2, De Verit., q. 27, a. 5, ad 1, 2, II Cor., cap. VI, lect. I].

O segundo discute-se assim. — Parece que a graça não se divide convenientemente em operante e cooperante.

1. — Pois, a graça é um acidente, como já se disse (q. 110, a. 2). Ora, um acidente não pode agir sobre o seu sujeito. Logo, nenhuma graça pode se chamar operante.

2. Demais. — Se a graça obra alguma coisa em nós, há-de sê-lo, por excelência, a justificação. Ora, esta não é só a graça que a produz, pois, segundo a Escritura (Jo 14, 12) — Esse fará também as obras que eu faço — diz Agostinho: Quem te criou sem ti não te justificará sem ti: Logo, nenhuma graça pode chamar-se operante, pura e simplesmente.

3. Demais. — Cooperar com alguém parece pertencer ao agente secundário, não ao principal. Mas a graça opera em nós de modo mais decisivo que o livre arbítrio, conforme a Escritura (Rm 9, 16): Não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que usa a misericórdia. Logo, a graça não pode chamar de cooperante.

4. Demais. — As divisões devem fundar-se na oposição entre os seus membros. Ora, operar não se opõe a cooperar, pois podem provir de um mesmo ser. Logo, inconvenientemente se divide a graça em operante e cooperante.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Deus, cooperando, perfaz em nós o que, operando, começou, porque ele opera, no começo para que nós queiramos e, em seguida, completa o que fez, cooperando connosco. Ora, as obras de Deus, com que nos move ao bem implicam a graça. Logo, esta divide-se, convenientemente, em operante e cooperante.

Como já dissemos (q. 110, a. 2), a graça pode ser entendida em dupla acepção: como um auxílio divino, que nos move a querer e agir rectamente, e como um dom habitual, que Deus nos infunde. Ora, em ambos os sentidos, ela divide-se em operante e cooperante.

Pois, a operação de um efeito não se atribui ao móvel, mas ao motor. Donde, a Deus é atribuída a operação, que produz o efeito, pelo qual a nossa alma é movida e não, motora, pois que só Deus é quem a move, e tal é a graça operante. Porém, não só a Deus, mas também à alma é atribuída a operação causadora do efeito pelo qual a nossa alma é motora e movida, e tal é a graça cooperante. — Ora, há duplo acto em nós. Primeiro, o interior da vontade, e em relação a este, a vontade comporta-se como movida e Deus, como motor, e sobretudo, quando a vontade, que, antes, queria o mal, começa a querer o bem. Donde, chama-se graça operante aquela com que Deus move a alma humana a querer esse acto. Outro é o acto exterior, imperado pela vontade, como já dissemos (q. 17, a. 9), ora, neste acto, há-de consequentemente a operação ser atribuída à vontade. E como Deus também nos ajuda a praticá-lo, confirmando interiormente a vontade, para o realizarmos e, exteriormente, dando-nos a faculdade de agir, chama-se graça cooperante a que respeita esse acto. Por isso, depois das palavras citadas, Agostinho acrescenta: Opera, a fim de que nós queiramos: e quando queremos, coopera connosco para que completemos a nossa obra. — Assim, pois, tomada a graça, como moção gratuita de Deus, com a qual nos move ao bem meritório, ela divide -se, convenientemente, em operante e cooperante.

Se porém tomarmos a graça no sentido de dom habitual, então o seu efeito é duplo, como o é o de qualquer outra forma, cujo primeiro efeito é o ser e, o segundo, a operação. Assim, a acção do calor é tornar cálido e produzir a calefacção exterior. Por isso, a graça habitual, quando sana ou justifica a alma, ou a torna agradável a Deus, chama-se graça operante, quando é princípio da obra meritória, procedente do livre arbítrio, chama-se cooperante.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Por ser uma certa qualidade acidental, a graça não age sobre a alma efectiva, mas, formalmente, assim como se diz, que a brancura torna uma superfície branca.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Deus não nos justifica sem nós, porque, pela moção do livre arbítrio, quando somos justificados é que consentimos na justiça de Deus. Ora essa moção não é causa, mas efeito da graça. Portanto, toda a operação depende desta.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz-se que cooperamos com outrem, não só quando somos agente secundário, que coopera com o principal, mas também quando ajudamos a consecução de um fim proposto. Ora, pela graça operante, o homem é ajudado por Deus, para querer o bem. Donde, pressuposto já o fim, é consequente que a graça coopere connosco.

RESPOSTA À QUARTA. — A graça operante é a mesma que a cooperante, mas distingue-se dela pela diversidade dos seus efeitos, como do sobredito se colhe.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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