Tempo comum XXII Semana
27 Aconteceu que,
enquanto Ele dizia estas palavras, uma mulher, levantando a voz do meio da
multidão, disse-Lhe: «Bem-aventurado o ventre que Te trouxe e os peitos a que
foste amamentado». 28 Porém, Ele disse: «Antes bem-aventurados
aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática».
Comentário:
Parece ser o primeiro
louvor público a Nossa Senhora, a Mãe de Deus e nossa Mãe.
Naturalmente,
bem-aventurada pela maternidade e pela extraordinária coroa de virtudes com que
Deus a ornou, a começar, pela sua Imaculada Conceição, é ainda, segundo as
palavras do próprio Filho, bem-aventurada porque seguramente, executou o que
ela mesmo disse nas bodas de Caná: «Fazei
tudo quanto vos disser».
(ama,
comentário sobre Lc 11, 27-28, 2013.10.12)
Leitura espiritual
Temas
Confiar em Deus
Sem
Cristo, não fazemos nada. É o ensinamento que o Mestre deu aos seus discípulos
no episódio da pesca milagrosa e que se repete nas nossas vidas.
São
Lucas conta que numa ocasião o Senhor pregava junto ao mar da Galileia e eram
tantos os que O queriam ouvir que teve que pedir ajuda. Uns pescadores lavavam
as redes na margem. Tinham terminado a parte fundamental da faina e estavam
ocupados noutras atividades acessórias, seguramente com a ideia de ir quanto
antes para casa e descansar. Jesus Cristo meteu-se numa das barcas, a de Simão
e de lá continuou a falar à multidão.
O
evangelista não se detém a contar-nos o conteúdo dos ensinamentos do Senhor.
Nesta ocasião há outros factos para os quais quer atrair a nossa atenção,
porque contêm lições muito importantes para a vida cristã.
LUTA
E CONFIANÇA
Pedro
e os seus companheiros talvez pensassem que, ao acabar de falar, Jesus
regressaria à margem e seguiria o Seu caminho. Mas assim não aconteceu:
dirigiu-Se a eles e pediu-lhes que recomeçassem a faina de pesca, que estavam
quase a terminar. Ficaram surpreendidos, mas Simão teve a grandeza de ânimo de
ultrapassar o cansaço e responder: Mestre, tendo trabalhado toda a noite, não
apanhámos nada; porém, sobre a Tua palavra lançarei as redes [1].
Tinham
trabalhado toda uma noite. E tinha sido em vão. Sabiam fazê-lo, era a sua
profissão, tinham experiência. Mas tudo isso não tinha sido suficiente; tinham
regressado cansados e sem nada. Não parece arriscado supor que estariam
desanimados. Inclusivamente, talvez tivesse ocorrido a algum que com aquele
ofício não se poderia ir longe e teria experimentado o desejo – mais ou menos
contido – de deixar tudo, porque o invadia uma sensação de inutilidade.
Sabemos
que esta história termina com uma pesca abundantíssima. Se nos questionamos
sobre a diferença entre essa eficácia e o fracasso noturno, a resposta é
imediata: a presença de Jesus Cristo. Todas as outras circunstâncias desta
segunda tentativa parecem menos favoráveis do que as da primeira: as redes sem
terem sido acabadas de lavar, a hora pouco apropriada, a deteriorada condição
física e anímica dos pescadores...
O
Senhor serve-Se de tudo isso para lhes dar – e para nos dar – um ensinamento
espiritual muito importante: sem Cristo não fazemos nada. Sem Cristo, o fruto
da luta será cansaço, tensão, desânimo, vontade de o deixar; sem Cristo
procuramos enganar-nos atirando para as circunstâncias a culpa da nossa
ineficácia; sem Cristo invadir-nos-á a sensação de inutilidade. Pelo contrário,
com Ele a pesca é abundante.
A
santidade não consiste no cumprimento de um conjunto de normas. É a vida de
Cristo em nós. Por isso, mais do que em fazer, está em deixar fazer, em deixar-se
levar; mas correspondendo. Tu, cristão, e por seres cristão filho de Deus,
deves sentir a grave responsabilidade de corresponder às misericórdias que
recebeste do Senhor com uma atitude de vigilante e amorosa firmeza, para que
nada nem ninguém possa esbater os traços peculiares do Amor, que Ele imprimiu
na tua alma [2].
Quando
lutamos por ser santos, o fio da nossa vontade encontra-se com o fio da Vontade
de Deus e entrelaça-se com ele para formar um único tecido, uma só peça que é a
nossa vida. Essa trama há-de ir-se tornando cada vez mais densa, até que chegue
um momento em que a nossa vontade se identifique com a de Deus, de tal modo que
não sejamos capazes de distinguir uma da outra, porque querem o mesmo.
Quase
no final da Sua vida na terra, Jesus confia a São Pedro: em verdade, em verdade
te digo: Quando eras mais novo, cingias-te e ias onde desejavas; mas, quando
fores velho, estenderás as tuas mãos e outro te cingirá e levará para onde tu
não queres [3]. Antes apoiavas-te em ti próprio, na tua vontade, na tua
fortaleza; antes pensavas que a tua palavra era mais segura do que a minha
[4]... e já vês os resultados. A partir de agora apoiar-te-ás em Mim e quererás
o que Eu queira... e as coisas correrão muito melhor.
A
vida interior é uma tarefa da graça que requer a nossa cooperação. O Espírito
Santo sopra e impulsiona a nossa barca. Para a nossa correspondência dispomos
dos remos, por assim dizer: por um lado, o nosso esforço pessoal; por outro, a
confiança em Deus, a segurança de que Ele não nos deixa. Os dois remos são
necessários e temos de desenvolver os dois braços se queremos que a vida
interior avance. Se falha um, a barca gira sobre si própria, é muito difícil de
governar; a alma caminha então como que a pé coxinho, não avança, esgota-se, acaba
por desfalecer e cai facilmente.
Se
falta a decisão eficaz de lutar, a piedade é sentimental, as virtudes
escasseiam; a alma parece encher-se de bons desejos, que se tornam, no entanto,
ineficazes quando chega o momento do esforço. Se, pelo contrário, se confia
tudo a uma vontade forte, à decisão de luta sem contar com o Senhor, o fruto é
aridez, tensão, cansaço, fastio de uma luta que não traz peixes às redes da
vida interior e do apostolado; a alma encontra-se, como Pedro e os seus
companheiros, na noite infrutífera.
Se
nos apercebemos de que algo deste tipo nos acontece, se por vezes caímos em
desânimos por nos apoiarmos demasiado nos nossos conhecimentos ou experiência,
na nossa vontade decidida e forte... e pouco em Jesus Cristo, peçamos ao Senhor
que suba para a nossa barca. É muito importante a Sua presença; muito mais do
que os resultados do nosso esforço. É de notar que o Senhor não promete uma
grande pesca, e Simão não a espera. Mas adverte que de qualquer modo vale a
pena trabalhar pelo Senhor: in verbo autem tuo laxabo retia [5].
ABANDONO
Voltemos
agora um pouco atrás e dirijamos o nosso olhar à petição de Jesus. Faz-te ao
largo, e lançai as redes para pescar [6].
Duc
in altum. Leva a barca para o largo. Para se meter na vida interior há que
renunciar a ter os pés num terreno firme, totalmente dominado; é preciso
avançar até lugares onde facilmente haverá ondas, onde a barca se move e a alma
se apercebe que não controla tudo, onde se caíssemos à água poderíamos
afogar-nos.
Não
estaremos mais seguros na margem, ou onde a água não ultrapasse os joelhos, ou
a cintura, ou no máximo os ombros? Talvez, efetivamente, nos sentiríamos mais
seguros. Mas na margem não se pesca nada que valha a pena. Se queremos deitar
as redes para pescar, temos que levar a barca para mar profundo, temos que
sacudir o medo de perder de vista a costa.
Quantas
vezes Jesus Cristo censura aos discípulos o seu medo! Por que temeis, homens de
pouca fé? [7]. Não mereceremos nós também essa mesma censura? Porque não te
fias? Porque queres dominar e controlar tudo? Porque te custa tanto caminhar
quando o sol não brilha em todo o seu esplendor?
A
alma tende instintivamente a procurar referências, sinais que lhe confirmem que
vai bem. O Senhor concede-no-las em muitas ocasiões, mas não cresceremos na
vida interior se nos deixamos obcecar pela necessidade de comprovar o nosso
progresso.
Talvez
tenhamos a experiência de que em momentos de inquietação, em que não possuímos
um juízo claro sobre a nossa retidão e nos deixamos arrastar pelo desejo de
procurar, a todo o custo, uma resposta, acabamos por atribuir a uma
circunstância trivial um valor de que objetivamente carece: um olhar sorridente
ou sério, um elogio ou uma correção, uma circunstância favorável ou um revés,
bastam para colorir, com o seu tom brilhante ou escuro, factos com os quais não
têm qualquer relação.
O
crescimento na vida interior não depende de que estejamos seguros de qual é a
Vontade de Deus. O afã desmesurado de segurança é o ponto onde o voluntarismo
se encontra com o sentimentalismo. Por vezes, o Senhor permite uma insegurança
que, bem orientada, nos ajuda a crescer em retidão de intenção. O que importa é
abandonar-se nas Suas mãos e neste confiar n’Ele encontra-se a paz.
Com
a nossa luta não procuramos conseguir sentimentos agradáveis. Muitas vezes os
teremos; outras, não. Um pouco de exame talvez nos faça descobrir que os
procuramos com maior frequência do que imaginamos, se não em si mesmos, ao
menos como sinal de que a nossa luta é eficaz.
Apercebemo-nos
disso, por exemplo, ao experimentar desânimo perante uma tentação a que não
cedemos, mas que persiste; ao sentir aborrecimento porque algo nos custa e –
assim raciocinamos – não nos deveria custar; ao notar desconforto porque a
entrega não nos atrai do modo sensivelmente impetuoso de que gostaríamos...
Temos
que lutar no que podemos lutar, sem nos preocuparmos com o que não está na
nossa mão dominar; os sentimentos não estão totalmente submetidos à nossa
vontade e não podemos pretender que estejam.
Temos
que aprender a abandonar-nos, deixando nas mãos de Deus o resultado da nossa
luta, porque só a confiança n’Ele vence essas inquietações. Se queremos ser
pescadores de águas profundas, temos que levar a barca in altum, onde não temos
pé; temos que superar o desejo de procurar referências, de sentir que vamos
para a frente. Mas para o conseguir é decisivo apoiar-se na contrição.
RECOMEÇAR
Simão
e os seus companheiros seguiram o conselho do Senhor e apanharam tão grande
quantidade de peixes, que as redes se rompiam [8]. Do fruto dessa audácia
beneficiaram outros que os vieram ajudar e as duas barcas encheram-se tanto que
quase se afundavam. Abundância tão extraordinária levou Pedro a aperceber-se da
proximidade de Deus e a sentir-se indigno de tal familiaridade: Afasta-Te de
mim, Senhor, pois eu sou um homem pecador [9]. No entanto, poucos minutos
depois, deixadas todas as coisas, seguiram-n’O [10]. E foram fiéis até à morte.
Pedro
descobriu o Senhor naquela pesca extraordinária. Teria reagido da mesma maneira
se na noite anterior lhe tivesse corrido bem o seu trabalho? Talvez não. Talvez
num fruto especialmente generoso tivesse reconhecido uma ajuda de Jesus Cristo,
mas não se teria apercebido até que ponto Deus estava perto e tudo se devia a Ele.
Para que o milagre movesse a alma de Simão, convinha que a noite anterior lhe
tivesse corrido muito mal apesar do seu empenho sincero.
O
Senhor serve-Se dos nossos defeitos para nos atrair para Ele, sempre que nos
esforcemos sinceramente por vencê-los. Por isso, lutando, temos de gostar de
nós como somos, com os nossos defeitos. Ao fazer-Se homem, o Verbo assumiu
limitações, as próprias da condição humana, essas diante das quais nós por
vezes nos revoltamos. No caminho de identificação com Cristo é decisivo aceitar
os próprios limites.
Tantas
vezes, é precisamente a consciência serena da nossa indignidade que nos faz
descobrir Cristo ao nosso lado, porque vemos com clareza que os peixes que há
nas nossas redes não foi a nossa perícia que os lá pôs, mas Deus. E essa
experiência enche-nos de alegria e convence-nos uma vez mais que é a contrição
que nos faz avançar na vida interior.
Então,
como Pedro, lançamo-nos aos pés de Jesus Cristo; e, também como ele, acabamos
por deixar tudo – inclusive essa pesca extraordinária! – para O seguir, porque
só Ele nos interessa.
A
prontidão para a contrição marca o caminho da alegria. Precisamente a tua vida
interior deve ser isso: começar... e recomeçar [11]. Que profunda alegria
experimenta a alma quando descobre, na prática, o significado destas palavras!
Não se cansar de recomeçar, eis aqui um segredo para a eficácia e para a paz.
Porque quem tem essa atitude deixa trabalhar o Espírito Santo na sua alma,
colabora com Ele sem pretender substitui-l’O, luta com toda a energia e com
plena confiança em Deus.
J. Diéguez
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Notas:
[1]
Lc 5, 5.
[2]
Forja, n. 416.
[3]
Jo 21, 18.
[4]
Cfr. Mt 26, 34-35.
[5]
Lc 5, 5.
[6]
Lc 5, 4.
[7]
Mt 8, 26. Cfr. Mt 14, 31.
[8]
Lc 5, 6.
[9]
Lc 5, 8.
[10]
Lc 5, 11.
[11]
Caminho, 292.
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