Em seguida devemos comparar a lei nova
com a antiga.
E, sobre este ponto, discutem-se
quatro artigos:
Art. 1 — Se a lei nova difere da
antiga.
Art. 2 — Se a lei nova cumpriu a
antiga.
Art. 3 — Se a lei nova está contida na
antiga.
Art. 4 — Se a lei nova é mais onerosa
do que a antiga.
Art.
1 — Se a lei nova difere da antiga.
[Supra,
q. 91, a. 5 Ad Galat., cap. I, lect. II].
O primeiro discute-se assim. Parece
que a lei nova não difere da antiga.
1. — Pois, uma e outra foram dadas
para os que têm fé em Deus, conforme a Escritura (Heb 11, 6): sem fé é impossível agradar a Deus. Ora
a fé tanto a tiveram os antigos como os modernos, conforme a Glosa. Logo, a lei
é a mesma.
2. Demais. — Agostinho diz, que a
pequena diferença entre a lei e o Evangelho é o temor e o amor. Ora, este e
aquela não bastam para diversificar a nova lei da antiga, porque também esta
estabelecia preceitos de caridade, como os seguintes (Lv 19, 18): Amarás a teu
próximo (Dt 6, 5) Amarás ao Senhor teu Deus. Nem podem as duas leis se
diversificar pela diferença assinalada por Agostinho: O Antigo Testamento
prometia bens temporais, o Novo promete espirituais e eternos. Porque também o
Novo promete alguns bens temporais, conforme se lê no Evangelho (Mr 10, 30): Receberá já de presente neste mesmo século o
cento por um, das casas e dos irmãos, etc. E no Antigo Testamento
esperava-se em promessas espirituais e eternas conforme o Apóstolo (Heb 11,
16): Agora aspiram outra pátria melhor,
i. é, a celestial, referindo-se aos antigos patriarcas. Logo, a lei nova não
difere da antiga.
3. Demais. — O Apóstolo parece
distinguir uma lei da outra (Rm 3, 27), quando chama à lei antiga lei das
obras, e à nova, lei da fé. Ora, segundo o mesmo, a lei antiga também era lei
da fé (Heb 11, 39): Todos estão provados
pelo testemunho da fé, referindo-se aos patriarcas do Velho Testamento.
Semelhantemente, a lei nova, por sua vez, é a lei das obras, como diz o
Evangelho (Mt 5, 44): Fazei bem aos que
vos têm ódio e (Lc 22, 19): Fazei
isto em memória de mim. Logo, a lei nova não difere da antiga.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Heb
7, 12): Mudado que seja o sacerdócio, é
necessário que se faça também a mudança da lei. Ora, o sacerdócio do Novo
Testamento difere do sacerdócio do Antigo, como o mesmo Apóstolo prova. Logo, a
lei nova também difere da antiga.
Como já dissemos (q. 90, a.
2 q. 91, a. 4), toda lei ordena a vida humana para um fim. Ora, todas as coisas
ordenadas para um fim podem diversificar-se de duplo modo, conforme a ideia do
fim. De um modo, por se ordenarem a diversos fins e esta é uma diferença
específica, sobretudo se o fim for próximo. De outro modo, pela proximidade ou
afastamento do fim. Assim, é claro que os movimentos diferem especificamente
segundo se ordenam para termos diversos. Mas, quando uma parte do movimento
está mais próximo do termo que outra, elas entre si diferem, como o perfeito,
do imperfeito.
Donde, podemos distinguir duas leis
diversas. — Primeiro, como que absolutamente, enquanto ordenadas a fim
diversos. Assim, a lei da cidade, que se ordenasse a servir ao governo do povo,
seria especificamente diferente da que se ordenasse a servir aos melhores da
cidade. — De outro modo, uma lei pode distinguir-se de outra por estar uma
ordenada ao fim, mais proximamente e, a outra, mais remotamente. Assim, na
cidade, uma é a lei imposta aos homens perfeitos, capazes de praticar logo o
que respeita ao bem comum outra é a que manda ministrar ensino às crianças, que
devem ser instruídas para mais tarde praticarem acções de homem.
Donde, devemos dizer que, do primeiro
modo, a lei nova não difere da antiga, pois o fim de ambas é trazer o homem
sujeito a Deus. Ora, o Deus do Novo e do Velho Testamento é o mesmo, conforme o
Apóstolo (R 3, 30): Não há senão um Deus,
que justifica pela fé os circuncidados e que também pela fé justifica os
incircuncidados. De outro modo, a lei nova difere da antiga. Porque esta
era como um pedagogo de crianças, no dizer do Apóstolo (Gl 3, 24). Ao passo que
a lei nova é a perfeição, lei da caridade, da qual diz o Apóstolo (Cl 3, 14),
que é o vínculo da perfeição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A unidade da fé em ambos os Testamentos prova a unidade do fim. Pois, como já
dissemos (q. 62, a. 2), o objecto das virtudes teologais, entre as quais está a
fé, é o fim último. Contudo, uma era a função da fé na antiga lei, e outra, a
na lei nova. Pois, o que os antigos criam como futuro, nós cremos como
realizado.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Todas as
diferenças assinaladas entre a lei nova e a velha fundam-se nas ideias de
perfeito e de imperfeito. Pois os preceitos de toda lei são dados para regular
os actos virtuosos. Ora, para praticar tais actos, os imperfeitos, ainda sem o
hábito da virtude, agem de um modo, e os que já são perfeitos por esse hábito de
outro. Assim, os que ainda não tem o hábito da virtude são levados a praticar actos
virtuosos por uma causa extrínseca, p. ex., por causa da cominação de penas ou
pela promessa de algumas remunerações extrínsecas, como a honra, as riquezas,
ou coisas semelhantes. Por isso a lei antiga, dada para imperfeitos, i. é, que
ainda não tinham conseguido a graça espiritual, era chamada lei do temor, porque
levava à observância dos preceitos pela cominação de determinadas penas, e dela
se diz que fazia algumas promessas temporais. Os que tem virtudes, porém, são
levados a praticá-la por amor da mesma, e não por qualquer pena ou remuneração
extrínseca. Donde, a lei nova que é a principal, por consistir na própria graça
espiritual, infundida nos corações, chama-se lei do amor. E a Escritura diz que
ela promete bens espirituais e eternos, que são os objectos da virtude,
principalmente da caridade, que por isso tende para esses bens, não como algo
de extrínseco, senão de próprio. E também por isso se diz que a lei eterna
coibia as mãos e não, a alma. Porque, quem se abstém do pecado, por temor da
pena, não afasta a sua vontade do pecado, absolutamente falando, como o faz a
vontade do que se abstém por amor da justiça. E por isso se diz que a lei nova
que é a lei do amor, coíbe a alma. — Houve porém no regime do Velho Testamento,
quem, tendo a caridade e a graça do Espírito Santo, esperava principalmente as
promessas espirituais e eternas, e portanto pertencia ao regime da lei nova. E
semelhantemente há no regime do Novo Testamento alguns homens carnais, que
ainda não alcançaram a perfeição da lei nova. E esses, embora desse regime,
tornam necessário que sejam levados às obras virtuosas pelo temor das penas e
por meio de certas promessas temporais. A lei antiga, porém, não obstante esses
preceitos de caridade, não os dava por ela o Espírito Santo, por quem está
derramada a caridade em nossos corações, como diz a Escritura (Rm 5, 5).
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como já
dissemos (q. 106, a. 1, 2), a lei nova é chamada lei da fé por consistir,
principalmente, na graça mesma, dada internamente aos crentes daí o
denominar-se graça da fé. Secundariamente, ela contém alguns actos morais e
sacramentais, que não lhe constituem a parte principal, como constituíam a
parte principal da lei antiga. Mas os que, no regime do Velho Testamento,
foram, pela fé, aceites por Deus, pertenceram por isso ao Novo Testamento.
Pois, não se justificaram senão pela fé em Cristo, autor do Novo Testamento. Donde,
de Moisés diz o Apóstolo (Heb 11, 26): Tinha
por maiores riquezas o opróbrio de Cristo que os tesouros dos egípcios.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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