Evangelho: Mt 18, 15-20
15 «Se teu
irmão pecar contra ti, vai e corrige-o entre ti e ele só. Se te ouvir, ganhaste
o teu irmão. 16 Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou
duas pessoas, para que pela palavra de duas ou três testemunhas se decida toda
a questão. 17 Se não as ouvir, di-lo à Igreja. Se não ouvir a Igreja
considera-o como um gentio e um publicano. 18 «Em verdade vos digo:
Tudo o que ligardes sobre a terra, será ligado no céu; e tudo o que desligardes
sobre a terra, será desligado no céu. 19 «Ainda vos digo que, se
dois de vós se unirem entre si sobre a terra a pedir qualquer coisa, esta lhes
será concedida por Meu Pai que está nos céus. 20 Porque onde se
acham dois ou três reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles».
Comentário:
A
“força” da oração ganha uma importância notável quando feita em conjunto.
Talvez estejamos muito habituados a rezar sozinhos pedindo coisas que julgamos
precisar e, isso leva-nos não poucas vezes, a um excessivo egocentrismo.
Sem
prescindir ou descartar a oração pessoal, a oração mental, a meditação pessoal –
formas, diria, avançadas e excelentes de oração em que o espírito se foca
naquele a Quem nos dirigimos – a oração comunitária faz parte, deve fazer
parte, da vida do cristão. A Igreja é uma comunidade viva e actuante em que
todos se unem à volta do Chefe, do Guia, do Redentor.
Por
isso a Igreja clama constantemente pela unidade dos cristãos ou seja, que
«todos sejam um como o Filho e o Pai são Um»
(ama, comentário sobre Mt 18, 15-20, Carvide, 2013.08.14)
Leitura espiritual
Magistério
cardeal joseph ratzinger
Algumas perguntas pessoais
…/5
Viver as virtudes.
Creio
que todo o mundo gostaria de saber como ter uma vida correcta, [...], como
levá-la ao cume sentindo-se à vontade consigo mesmo. Antes de morrer, o grande
actor Cary Grant deixou à sua filha Jennifer uma carta de despedida comovente.
Quis dar-lhe nela algumas recomendações adicionais para o caminho.
"Queridíssima
Jennifer," escreveu, "viva a sua vida plenamente, sem egoísmo. Seja comedida,
respeite o esforço dos outros. Esforce-se por conseguir o melhor [...].
Mantenha
puro o juízo e limpa a conduta". E prosseguia: "Dê graças a Deus pelo
rosto das pessoas boas e pelo doce amor que há por trás dos seus olhos... Pelas
flores que ondulam ao vento... Um breve sono e despertarei para a eternidade.
Se não despertar como nós o entendemos, então continuarei a viver em você,
filha queridíssima".
De
certa forma, soa a católico. Seja como for, é uma carta belíssima. Se [Cary
Grant] era católico ou não, não sei, mas certamente é a expressão de uma pessoa
que se tornou sábia e compreendeu o significado do bem, e tenta transmiti-lo,
além disso, com uma assombrosa amabilidade [i].
Valores
espirituais
Redenção
e Liberdade humana. Constitui, por assim dizer, a estrutura da aventura da
Redenção que ela sempre diga respeito à liberdade. Por isso, [a Redenção] nunca
é simplesmente imposta do exterior ou cimentada em estruturas fixas, mas está inserida
no frágil vaso da liberdade humana. [...] Como está ligada à liberdade e não é coisa
que se possa impor ao homem por meio de estruturas, volta sempre a reportar-se
a essa liberdade e, através dela, também pode, até certo ponto, ser destruída.
Mas
temos de reconhecer que o cristianismo libertou uma e outra vez grandes forças
de amor. Quando se considera o que realmente entrou na História graças ao
cristianismo, vemos que é notável. Goethe disse: "Surgiu o respeito
profundo pelo que se encontra abaixo de nós". Na realidade, somente
através do cristianismo é que se desenvolveu uma assistência organizada aos
doentes, o amparo aos fracos e toda uma organização de amor.
Através
do cristianismo cresceu, aliás, o respeito por todas as pessoas em todas as situações
sociais. É interessante observar que o imperador Constantino, ao reconhecer o cristianismo,
se tenha sentido primeiro na obrigação de modificar as leis para introduzir o
domingo como feriado universal e que tenha procurado garantir certos direitos
aos escravos.
Lembro-me
também, por exemplo, de Atanásio, o grande bispo alexandrino do século IV, que
narra, a partir da sua própria experiência, como as tribos se enfrentavam com violência
em toda a parte, até que, através dos cristãos, surgiu uma certa disposição
para a paz. Isso não são coisas que estejam garantidas por si mesmas através da
estrutura de um império político: podem, como observamos hoje, tornar a
desmoronar uma e outra vez.
Quando
o homem abandona a fé, os horrores do paganismo regressam com toda a força.
Julgo
que pudemos de facto constatar que Deus entrou na História, por assim dizer, de
modo muito mais frágil do que gostaríamos. Mas também pudemos constatar que
essa é a sua resposta à liberdade. E se queremos [...] que Deus respeite a
nossa liberdade, também temos de aprender a respeitar e a amar a fragilidade da
sua ação [ii].
Vocação.
A minha vida tem de ser
como a da Madre Teresa?
É
uma possibilidade. Mas as vocações são muito variadas. Nem todo o mundo deve
ser uma Madre Teresa. Também um grande cientista, um grande erudito, um músico,
um simples artesão ou um operário podem ter uma vida plena, pois são pessoas
que vivem a sua existência com honradez, lealdade e humildade... [...] Cada
vida traz consigo a sua própria vocação, tem o seu próprio código e o seu próprio
caminho.
Ninguém
é uma mera imitação obtida com um molde, mais um entre uma profusão de
exemplares iguais. E cada pessoa necessita também de coragem criativa para
viver a sua vida e não se converter numa cópia dos outros.
O
senhor lembrar-se-á da parábola do servo preguiçoso, que enterra o seu talento
para que nada aconteça com ele, e compreenderá o que quero dizer. Trata-se de
um homem que se nega a assumir o risco da existência, a desfraldar toda a sua
originalidade e a expô-la às ameaças que isso necessariamente traz consigo [iii].
A vontade de Deus para
nós.
O que Deus realmente quer
de nós?
Quer
que nos tornemos pessoas que amam, porque então somos imagens dEle. Porque Ele
é, como nos diz São João, o Amor, e quer que haja criaturas que sejam
semelhantes a Ele; criaturas que, a partir da liberdade do seu amor, se tornem
como Ele e lhe pertençam e, desse modo, irradiem, por assim dizer, a luz dEle próprio
[iv].
Fé,
esperança e caridade. A fé é, primeiro, a raiz através da qual se desenvolve a vida,
a decisão fundamental de perceber Deus e de o aceitar. E é a chave graças à
qual se explica tudo o mais.
Essa
fé significa esperança, porque, do modo como é, o mundo não é bom sem mais e não
devia continuar a ser como é. Quando se olha para ele de um ponto de vista empírico,
poder-se-ia pensar que o mal é a principal força no mundo. Esperar, num sentido
cristão, significa conhecer a existência do mal e, apesar disso, olhar com confiança
para o futuro. A fé assenta, essencialmente, em aceitar o facto de que se é amado
por Deus. Não significa, portanto, apenas dizer-lhe sim, mas significa dizer
sim à Criação, às criaturas, sobretudo ao homem: é procurar ver em cada um a
imagem de Deus e tornar-se, desse modo, uma pessoa que ama.
Isto
não é fácil. Mas graças ao sim fundamental [da fé], graças à convicção de que Deus
criou o homem e o apoia, [...] o amor pode encontrar a sua razão de ser e
fundamentar a esperança a partir da fé. Nessa medida, a esperança contém o
elemento de confiança perante a nossa História ameaçada, mas nada tem a ver com
utopia; o objecto da esperança não é o mundo melhor do futuro, mas a vida
eterna. A expectativa de um mundo melhor não resolve nada, porque esse não é o
nosso mundo, e cada um tem de viver com o seu mundo, com a dimensão do seu
próprio presente. O mundo das gerações futuras será marcado pela liberdade
dessas gerações e só pode ser determinado por nós de modo muito limitado. Mas a
vida eterna é o meu futuro e, portanto, a força que marca a História [v].
Viver
de fé: o Sermão da Montanha. Jesus queria mostrar o caminho às pessoas, os
pontos de apoio correctos para uma vida plena [...]. Certa vez, subiu a uma montanha,
e o seu sermão abriu, de certa forma, um novo capítulo.
Não
há dúvida de que o Sermão da Montanha ocupa um lugar simbólico.
Mais
ainda: com esse sermão, irrompe uma nova etapa da humanidade, que é possível
porque Deus se une aos homens. Ele não se situa apenas no mesmo nível que
Moisés, o que, para os ouvintes, certamente já não era fácil de assimilar, mas
fala das alturas do autêntico legislador, do próprio Deus. Neste sentido, o
Sermão da Montanha é, em muitos aspectos, a expressão mais vigorosa da sua
reivindicação divina [como Filho de Deus]; o Senhor afirma que, a partir desse
momento, a Lei do Antigo Testamento encontra a sua mais profunda explicação e a
sua vigência universal, não por uma intervenção humana, mas graças ao próprio
Deus.
As
pessoas compreendem isso. E percebem também com muita força, digamos, o duplo aspecto
do Sermão da Montanha: que essa mensagem traz consigo uma nova intimidade, um
novo amadurecimento e bondade, uma libertação daquilo que é apenas superficial
e externo; e, ao mesmo tempo, um novo nível de exigência, uma exigência tão
fora de proporções que quase esmaga a pessoa.
Quando
o Senhor diz: "Já não vos digo apenas: Não podes cometer adultério, mas
nem sequer olhar a mulher com desejo"; quando diz: "Não somente não
matarás, como nem sequer guardarás rancor ao próximo"; e quando diz:
"Não basta o olho por olho e dente por dente, mas, quando alguém te bater
numa das faces, oferece-lhe a outra", somos confrontados com uma exigência
que, embora dotada de uma grandeza que provoca admiração, parece desmedida para
o ser humano. Ou pelo menos o seria, se Jesus Cristo já não a tivesse
experimentado antes e se não fosse uma consequência do encontro pessoal com
Deus. Aqui vemos realmente a condição divina de Cristo: não é mais outro enviado
[de Deus], mas o definitivo, e nEle se manifesta o próprio Deus [vi].
Preocupações.
No Sermão da Montanha, fala-se literalmente de verdadeiras e falsas preocupações.
Cristo diz que não devemos preocupar-nos com a comida ou com o que vestiremos,
porque a vida é mais importante que o alimento ou a roupa. Soa bem, mas quem
seguisse essas recomendações provavelmente morreria em pouco tempo.
Num
mundo baseado no planeamento do futuro e na pretensa melhora mediante a previsão,
isto é, mediante a "preocupação", essas recomendações tornaram-se inteiramente
incompreensíveis. Penso que é preciso ler o texto com muita atenção, e então
encontramos a chave dentro dele mesmo. Pois Jesus também diz: "Buscai primeiro
o reino de Deus, e tudo o mais vos será dado por acréscimo". Ou seja, há
uma ordem de prioridades. Se excluirmos a primeira, concretamente a presença de
Deus no mundo, por mais que façamos e por mais útil que seja [o que fizermos],
de certa forma há-de escorrer-nos dentre as mãos.
Penso
que o importante é: primeiro, o reino de Deus. Esta deve ser a preocupação essencial
que estruture a partir de dentro, a partir do reino de Deus, as demais preocupações.
Como é natural, não é que simplesmente nos nasçam asas. Preocupamo-nos pelo dia
seguinte, de que o mundo continue a progredir, etc. Mas essas
preocupações
tornam-se mais leves quando se subordinam à primeira. E vice-versa.
Em
certa ocasião, Jesus disse: "Entrai pela porta estreita, porque larga é a
entrada e espaçoso o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram
por ela; mas como é estreita a entrada e como é apertado o caminho que leva à
vida, e quão poucos são osque o encontram!"
Dessas
palavras, seria preciso deduzir que o inferno está repleto e o céu meio vazio.
Elas
representam, na realidade, uma advertência muito pragmática: quando se faz o
que todos fazem, quando se segue o caminho da comodidade, o caminho amplo, de momento
isso pode parecer mais agradável, mas a pessoa afasta-se da verdadeira vida.
Ou
seja, a decisão correcta é escolher o caminho difícil. O mero deixar-se levar,
o mero nadar a favor da corrente, o submergir na massa, em última análise
sempre nos conduz à massa e depois ao vazio. É o valor da ascensão, daquilo que
é árduo, o que me põe no bom caminho [vii].
Vida de oração
Oração.
Desde que a humanidade existe, as pessoas rezam. Sempre e em toda a parte têm
tido consciência de não estarem sós no mundo, de que há Alguém que as escuta.
Sempre
têm tido consciência de precisarem de um Outro que é maior do que elas, e de que
precisam esforçar-se por alcançá-lo se quiserem que a sua vida seja o que deve
ser.
Mas
o rosto de Deus sempre esteve velado, e só Jesus nos mostrou a sua verdadeira face:
quem o vê, vê o Pai (cfr. Jo 14, 9).
Se,
por um lado, é natural que rezemos (que peçamos no momento da necessidade e agradeçamos
no momento da alegria), por outro experimentamos também a nossa incapacidade de
orar e de falar com um Deus oculto: Não sabemos pedir o que nos convém, diz São
Paulo (Rom 8, 26). Portanto, sempre deveríamos dizer ao Senhor, como os
discípulos: Senhor, ensina-nos a orar (Lc 11, 1).
O
Senhor ensinou-nos o Pai-Nosso como modelo de autêntica oração, e deu-nos uma Mãe,
a Igreja, que nos ajuda a rezar. A Igreja recebeu um enorme tesouro de orações
da Sagrada Escritura, e ao longo dos séculos surgiram também, dos corações dos
fiéis, inúmeras orações que nos permitem renovar sempre o modo como nos
dirigimos a Deus. Rezando com a nossa Mãe, a Igreja, aprendemos a rezar [viii].
Ajoelhar-se.
Existem
ambientes, não pouco influentes, que tentam convencer-nos de que não há
necessidade de ajoelhar-se. Dizem que é um gesto que não se adapta à nossa cultura
(mas, a qual se adapta então?); que não é conveniente para o homem maduro, que
vai ao encontro de Deus e se apresenta erguido. [...] Pode ser que a cultura
moderna
não
compreenda o gesto de ajoelhar-se, na medida em que é uma cultura que se
afastou da fé e já não conhece Aquele diante de quem ajoelhar-se é o único
gesto adequado, e, mais ainda, um gesto interiormente necessário.
Quem
aprende a crer também aprende a ajoelhar-se. Uma fé ou uma liturgia que não
conhecessem o acto de pôr-se de joelhos estariam doentes num ponto central [ix].
Sentido social da oração.
Pensamos
que a oração é algo intimista. Já não temos muita fé - parece-me - no efeito
real, histórico, da oração.
Devemos,
muito pelo contrário, convencer-nos de que este compromisso espiritual que une
o céu e a terra tem uma grande força intrínseca. E um meio para chegar ao estabelecimento
da justiça é precisamente comprometer-se a orar, porque desta maneira a oração
se transforma numa educação de mim mesmo e do outro para a justiça.
Devemos,
em resumo, aprender, reaprender o sentido social da oração [x].
Oração e meditação
transcendental.
Diante
da busca actual pela espiritualidade, muita gente recorre à meditação
transcendental [xi].
Que diferença há entre a
meditação transcendental e a meditação cristã?
Em
poucas palavras, diria que a essência da meditação transcendental é que o homem
se expropria do próprio eu, se une à "essência universal do mundo";
portanto, fica um pouco despersonalizado. Pelo contrário, na meditação cristã,
não perco a minha personalidade, entro numa relação íntima com a pessoa de
Cristo, entro em relação com o "Tu" de Cristo, e assim o meu
"eu" não se perde, mantém a sua identidade e responsabilidade. Ao
mesmo tempo, abre-se, entra numa unidade mais profunda, a unidade do amor, que
não destrói.
Portanto,
diria, simplificando um pouco, que a meditação transcendental é impessoal e, neste
sentido, "despersonalizante", ao passo que a meditação cristã é
"personalizante" e abre a pessoa a uma unidade profunda, que nasce do
amor e não da dissolução do eu [xii].
(cont)
(Revisão da versão portuguesa por ama)
[ii] O sal da terra,
págs. 173-175
[iii] La fe, de tejas
abajo
[iv] O sal da terra, pág.
223
[v] Ibid., págs. 94-95
[vi] La fe, de tejas
abajo
[vii] Ibid
[viii] Introdução a Chi
prega se salva, 30Giomi, Roma, 18.02.2005
[ix] El espíritu de Ia
liturgia, cit. por Alfa e Omega, 18.10.2001
[x] Alocução, Belluno,
Itália, out 2004
[xi] Técnica proposta
pelas religiões orientais (hindufsmo, budismo) e que delas passou para inúmeras
seitas e grupos New Age; visa atingir o completo esvaziamento interior, a total
ausência de desejos e sofrimentos, a fim de preparar a pessoa para a dissolução
do seu "eu" no nirvana (N. do T.)
[xii] El
relativismo, nuevo rostro de Ia intolerância
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.