Art.
3 — Se a lei nova devia ter sido dada desde o princípio do mundo.
[Supra,
q. 96, a. 5, ad 2].
O Terceiro discute-se assim. — Parece
que a lei nova devia ter sido dada desde o princípio do mundo.
1. — Pois, não há para com Deus
acepção de pessoas, como diz a Escritura (Rm 2, 11). Ora, todos os homens
pecaram e necessitam da glória de Deus, segundo o Apóstolo (Rm 3, 23). Logo, a
lei do Evangelho devia ter sido dada desde o princípio do mundo, para que
socorresse a todos.
2. Demais. — Tanto em lugares como em
tempos diversos os homens são diversos. Ora, Deus, que quer que todos os homens
se salvem, mandou fosse o Evangelho pregado em todos os lugares, como está
claro na Escritura (1 Tm 2, 4). Logo, a lei do Evangelho devia ter existido em
todos os tempos, e portanto, dada desde o princípio do mundo.
3. Demais. — A salvação espiritual,
sendo eterna, é mais necessária ao homem que a saúde corpórea, que é temporal.
Ora, Deus desde o princípio do mundo, providenciou sobre o necessário à saúde
do corpo submetendo ao homem todos os seres, por causa dele criados, como se lê
na Escritura (Gn 1, 26-29). Logo, também a lei nova necessária por excelência à
salvação espiritual, devia ter sido dada aos homens desde o princípio do mundo.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (1
Cor 15, 46): Não primeiro o que é
espiritual, senão o que é animal. Ora, a lei nova é por excelência
espiritual. Logo, não devia ter sido dada desde o princípio do mundo.
Pode-se dar tríplice razão
de não ter sido a lei nova dada desde o princípio do mundo. — A primeira é que,
como já dissemos (a. 1), a lei nova consiste principalmente na graça do
Espírito Santo, que não devia ser dada abundantemente, antes de ter sido o género
humano livrado do pecado, depois de consumada a redenção de Cristo. Por isso,
diz a Escritura (Jo 7, 39): Ainda o
Espírito Santo não fora dado, por não ter sido ainda glorificado Jesus. E
esta razão o Apóstolo a assinala manifestamente, quando acrescenta, depois de
ter tratado da lei do Espírito Santo (Rm 8, 2 ss): Enviando Deus a seu filho em semelhança de carne de pecado, ainda do
pecado condenou ao pecado na carne, para que a justificação da lei se cumprisse
em nós.
A segunda razão pode ser tirada da
perfeição da lei nova. Pois nada alcança imediatamente, desde a origem, um
estado perfeito; se não depois de uma certa ordem sucessiva no tempo. Assim,
primeiro somos crianças, e depois homem. E esta razão o Apóstolo a assinala,
quando diz (Gl 3, 24-25): A lei nos
serviu de pedagogo, que nos conduziu a Cristo, para sermos justificados pela
fé; mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo do pedagogo.
A terceira se funda em ser a lei nova
a lei da graça. Donde, era primeiro necessário fosse o homem abandonado a si
mesmo, no regime da lei antiga, para que, caindo no pecado e conhecendo a sua
fraqueza, reconhecesse a necessidade da graça. E nesta razão toca o Apóstolo,
quando diz (Rm 5, 20): Sobreveio a lei
para que abundasse o pecado, mas onde abundou o pecado, superabundou a graça.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— O género humano mereceu, por causa do seu primeiro pai, ser privado do
auxílio da graça. E assim, este não é dado a uns, por justiça, e o é a outros,
por graça, como diz Agostinho. Donde, Deus não faz acepção de pessoas, por não
ter desde o princípio do mundo proposto a todos a lei da graça, que devia ser
proposta na ordem devida.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A diversidade
dos lugares não faz variar a diversidade dos estados do género humano, que
varia conforme a sucessão dos tempos. Por isso, a lei nova é proposta para
todos os lugares, mas não, para todos os tempos. Embora em todos existissem
certos homens pertencentes ao Novo Testamento, como já dissemos (a. 1, ad 3).
RESPOSTA À TERCEIRA. — O que respeita
à saúde do corpo serve ao homem, em virtude da natureza, que não é destruída
pelo pecado. Ao passo que o atinente à saúde espiritual se ordena para a graça,
que se perde pelo pecado. Portanto, os casos não são idênticos.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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