Em seguida devemos tratar da lei do
Evangelho, chamada lei nova. E primeiro, considerada em si mesmo. Segundo,
comparada com a lei antiga. Terceiro, do que a lei nova contém.
Na primeira questão discutem-se quatro
artigos:
Art. 1 — Se a lei nova é uma lei
escrita.
Art. 2. — Se a lei nova justifica.
Art. 3 — Se a lei nova devia ter sido
dada desde o princípio do mundo.
Art. 4 — Se a lei nova há-de durar até
o fim do mundo.
Art.
1 — Se a lei nova é uma lei escrita.
[Art.
Seq., q. 107, a. 1, ad 2, 3, q. 108, a. 1. II Cor., cap. III, lect, II, Ad
Hebr., cap. VIII, lect. II].
O primeiro discute-se assim. — Parece
que a lei nova é uma lei escrita.
1. — Pois, a lei nova é o próprio Evangelho.
Ora, este é escrito (Jo 20, 31): Mas,
foram escritas estas coisas, a fim de que vós creiais. Logo, a lei nova é
uma lei escrita.
2. Demais. — A lei infusa é a da
natureza, conforme a Escritura (Rm 2, 14-15): Naturalmente fazem as coisas que são da lei os que mostram a obra da
lei escrita nos seus corações. Se pois a lei do Evangelho fosse infusa, não
diferiria da lei natural.
3. Demais. — A lei do Evangelho é
própria dos que vivem no regime do Novo Testamento. Ora, a lei infusa é comum
tanto a esses como aos que viveram no regime do Velho Testamento. Pois, diz a
Escritura (Sb 7, 27), que a divina Sabedoria, pelas nações, se transfunde nas
almas santas, forma os amigos de Deus e os profetas. Logo, a lei nova não é uma
lei infusa.
Mas, em contrário, a lei nova é a lei
do Novo Testamento. Ora, esta é infusa no coração. Pois, o Apóstolo, citando a
autoridade da Escritura (Jr 31, 31-33) — Eis aí virão os dias, diz o Senhor, e
farei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá — e expondo qual
seja essa aliança, diz (Heb 8, 8-10): Porque
este é o testamento que ordenarei à casa de Israel, imprimindo as minhas leis
na mente deles, e as escreverei sobre o seu coração. Logo, a lei nova é
infusa.
Todo o ser é considerado
como sendo o que nele é principal, consoante o Filósofo. Ora, o que há de
principal na lei do Novo Testamento, e no que consiste toda a sua virtude, é a
graça do Espírito Santo, dada pela fé em Cristo. Donde, a lei nova é
principalmente a própria graça do Espírito Santo, dada aos fiéis de Cristo. E
isto torna-se manifesto pelas palavras do Apóstolo (Rm 3, 27): Onde está o motivo de te gloriares? Todo ele
foi excluído. Por que lei? Pela das obras? Não, mas pela lei da fé — chamando,
assim, lei à graça mesma da fé. E mais expressamente (Rm 8, 2): A lei do espírito de vida em Jesus Cristo me
livrou da lei do pecado e da morte. Por isso diz Agostinho, que, assim como
a lei das acções foi escrita em tábuas de pedra, assim, a lei da fé o foi nos
corações dos fiéis. E noutro lugar do mesmo livro: Que são as leis de Deus por
Ele próprio escritas nos corações, senão a própria presença do Espírito Santo?
Contudo, a lei nova encerra certos
preceitos como que secundários disponentes à graça do Espírito Santo e ao uso
dessa graça. E sobre eles era necessário que os fiéis de Cristo fossem
instruídos por palavras e escrituras, tanto em relação ao que devem crer como
ao que devem agir.
Donde, devemos dizer, que a lei nova é
principalmente uma lei infusa, e, secundariamente, uma lei escrita.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— O escrito nos Evangelhos não contém senão o que diz respeito à graça do
Espírito Santo, quer dispondo, quer ordenando para o uso dessa graça. Dispondo
o intelecto pela fé, pela qual se obtém a graça do Espírito Santo, o Evangelho
encerra o concernente à manifestação da divindade ou da humanidade de Cristo.
Quanto ao afecto, contém o atinente ao desprezo do mundo, que torna o homem
capaz da graça do Espírito Santo, pois, o mundo, i. é, os amantes do mundo, não
podem receber o Espírito Santo, como diz a Escritura (Jo 14, 17). Quanto ao uso
da graça espiritual, ele consiste nos actos virtuosos, aos quais frequentemente
o escrito do Novo Testamento exorta os homens.
RESPOSTA À SEGUNDA. — De dois modos
pode haver algo de infuso no homem. — Primeiro, como fazendo parte da natureza
humana. E nesse sentido a lei natural é nela infusa. — De outro modo, como lhe
sendo acrescentado à natureza pelo dom da graça. E deste modo a lei nova é
infusa no homem, e indica não só o que ele deve fazer, mas também o ajuda a
cumprir a lei.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Ninguém nunca
teve a graça do Espírito Santo, senão por fé explícita ou implícita em Cristo.
Ora, pela fé em Cristo o homem pertence ao Novo Testamento. Donde, aqueles a
quem foi infundida a lei da graça pertenciam ao Novo Testamento.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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