Questão 109: Da necessidade da graça.
Questão 110: Da graça de Deus quanto à
sua essência.
Questão 111: Da divisão da graça.
Questão 112: Da causa da graça
Questão 113: Da justificação do ímpio,
que é efeito da graça operante.
Questão 114: Do mérito, que é efeito
da graça cooperante.
Questão
109: Da necessidade da graça.
Em seguida devemos tratar do princípio
exterior dos actos humanos, i. é Deus, enquanto, com a sua graça, nos ajuda a
proceder rectamente. E primeiro devemos tratar da graça de Deus. Segundo, da
sua causa. Terceiro, dos seus efeitos.
O primeiro tratado será tripartido.
Assim, primeiro, trataremos da necessidade da graça. Segundo, da graça, quanto
à sua própria essência. Terceiro, da sua divisão.
Na primeira questão discutem-se dez
artigos:
Art. 1 — Se sem a graça o homem pode
conhecer a verdade.
Art. 2 — Se o homem pode querer e
fazer o bem sem a graça.
Art. 3 — Se o homem pode amar a Deus
sobre todas as coisas, só pelas suas faculdades naturais, sem o auxílio da
graça.
Art. 4 — Se o homem, sem a graça, só
pelas suas faculdades naturais, pode cumprir os preceitos da lei.
Art. 5 — Se o homem pode merecer a
vida eterna, sem a graça.
Art. 6 — Se o homem pode preparar-se a
si mesmo para a graça, sem o auxílio externo da mesma.
Art. 7 — Se o homem pode ressurgir do
pecado sem o auxílio da graça.
Art. 8 — Se o homem pode, sem a graça,
não pecar.
Art. 9 — Se quem já conseguiu a graça
pode, por si mesmo, praticar o bem e evitar o pecado, sem outro auxílio da
mesma.
Art. 10 — Se o homem, constituído na
graça, precisa do auxílio da mesma para perseverar.
Art.
1 — Se sem a graça o homem pode conhecer a verdade.
(II
Sent., dist. XXVIII, a. 5, Cor., cap. XII, lect. I)
O primeiro discute-se assim. — Parece,
que sem a graça o homem não pode conhecer a verdade.
1. — Pois, sobre a Escritura. — Ninguém pode dizer Senhor Jesus, senão pelo
Espírito Santo — diz a Glosa de Ambrósio: Quem quer que diga a verdade,
pelo Espírito Santo a diz. Ora, o Espírito Santo habita em nós pela graça.
Logo, sem esta não podemos conhecer a verdade.
2. Demais. — Agostinho diz: As mais
certas doutrinas são as por assim dizer, iluminadas pelo sol, de modo a serem
vistas. Deus, porém é que ilumina, sendo a razão, para o espírito, o que é a
vista para os olhos, mas os olhos do espírito são os sentidos da alma. Ora, os
sentidos do corpo, por mais puros que sejam, não podem ver nada sem a luz do
sol. Logo, também a mente humana, por perfeita que seja, não pode,
raciocinando, conhecer a verdade, sem a iluminação divina, que é auxílio da
graça.
3. Demais. — A mente humana não pode
conhecer a verdade, senão pensando, como claro está em Agostinho. Ora, o
Apóstolo diz (2 Cor 3, 5): Não que sejamos capazes de nós mesmos de ter algum
pensamento como de nós mesmos. Logo, o homem não pode conhecer a verdade, por
si mesmo, sem auxílio da graça.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Não
aprovo o que disse numa oração — Deus, que só aos puros permitiste conhecer a
verdade. Pois, poderia alguém objectar, que muitos, embora impuros, conhecem
muitas verdades. Ora, pela graça, o homem torna -puro, conforme a Escritura (Sl
50, 12): Cria em mim, ó Deus, um coração
puro, e renova nas minhas entranhas um espírito recto. Logo, sem a graça, o
homem pode, por si mesmo, conhecer a verdade.
Pelo uso ou por um acto da
luz intelectual, é que conhecemos a verdade, pois, segundo o Apóstolo (Ef 5,
13), tudo o que se manifesta é luz. Ora, qualquer uso implica movimento,
tomando o movimento em acepção lata, no qual se consideram movimentos o
inteligir e o querer, segundo o Filósofo claramente o diz. Vemos porém, que o
movimento dos seres corpóreos implica, não só a forma, que é o princípio dele
ou da acção, mas também a moção do primeiro móvel. Ora, o primeiro móvel, na ordem
material, é o corpo celeste. Assim, por perfeito que seja o calor do fogo, não
poderia aquecer senão pela moção do corpo celeste. Ora, é manifesto, que todos
os movimentos corpóreos se reduzem ao do corpo celeste, como ao primeiro motor
corpóreo. Pois, assim também todos os movimentos, tanto os corpóreos como os
espirituais se reduzem ao primeiro móvel absoluto, que é Deus. E portanto, por
perfeita que se suponha uma natureza corpórea ou espiritual, ela não pode atualizar-se
se não for movida por Deus. E esse movimento depende da ordem da sua
providência e não, da necessidade natural, como o do corpo celeste. Nem só,
porém todo movimento procede de Deus, como primeiro motor, mas também dele,
como do acto primeiro, procede toda perfeição formal. Donde, o acto
intelectual, bem como o de todo ser criado, depende de Deus, de dois modos: por
haurir nele a perfeição ou a forma pela qual age, e por ser movido por ele à acção.
Mas, toda forma inerente às coisas
criadas por Deus tem a sua eficiência relativa a um acto determinado, que lhe é
próprio, e além do qual não pode ir senão reforçado por outra forma
superveniente. Assim, a água não pode aquecer senão aquecida pelo fogo. Ora, a
forma do intelecto humano é o lume inteligível, suficiente, em si mesmo, para conhecer
certos inteligíveis, a saber, aqueles cujo conhecimento podemos obter por meio
dos sensíveis. O que porém é superior à sua capacidade o intelecto humano não
pode conhecer senão fortalecido pelo lume da graça, p. ex., pelo lume da fé ou
da profecia, chamado lume da graça, por ser acrescentado à natureza. Donde,
devemos dizer que para conhecer qualquer verdade o homem precisa do auxílio de
Deus que o move ao seu acto. Não precisa porém, para conhecer a verdade, em
todos os casos, de nova iluminação acrescentada à iluminação natural, mas só
nos casos que lhe excedem o conhecimento natural. E contudo, algumas vezes
milagrosamente, pela sua graça, instrui alguns, relativamente ao que podem
conhecer pela razão natural, assim como, algumas vezes, faz milagrosamente algumas
coisas que a natureza pode fazer.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Toda verdade, seja dita por quem for, provém do Espírito Santo, como lume,
que naturalmente a infunde e move a compreender e falar a verdade. Não porém
como habitando na pessoa pela graça santificante ou como conferindo algum dom
habitual acrescentando ao da natureza. Pois isto só se dá no conhecimento e na
expressão de algumas verdades e, sobretudo, nas que respeitam à fé, ao que se
refere o texto citado do Apóstolo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O sol material
ilumina exteriormente, ao passo que o sol inteligível, que é Deus,
interiormente. Donde, o lume natural infuso na alma é, em si mesmo, iluminação
de Deus, que permite ao conhecimento natural atingir o seu objecto. E para isto
não é necessária outra iluminação, senão só para os objectos excedentes ao
conhecimento natural.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Precisamos sempre,
para qualquer pensamento, do auxílio divino que move o intelecto à acção, pois
inteligir alguma coisa, astualmente, é pensar, como claramente o diz Agostinho.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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