Em seguida devemos tratar das causas
dos preceitos cerimoniais.
E nesta questão discutem-se seis
artigos:
Art. 1 — Se os preceitos cerimoniais
têm causa.
Art. 2 — Se os preceitos cerimoniais
tinham causa literal ou, se só figurada.
Art. 3 — Se se pode assinalar uma
razão conveniente das cerimónias relativas aos sacrifícios.
Art. 4 — Se se pode dar razão
suficiente das cerimónias da lei antiga relativas às coisas sagradas.
Art. 5 — Se se podem dar causas
convenientes aos sacramentos da lei antiga.
Art. 6 — Se as observâncias
cerimoniais tinham causa racional.
Art.
1 — Se os preceitos cerimoniais têm causa.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que os preceitos cerimoniais não têem causa.
1. — Pois, aquilo da Escritura (Ef 2,
15) — Abolindo com os seus decretos a lei dos preceitos — diz a Glosa: Isto é,
abolindo a lei antiga, quanto às observâncias carnais, com decretos, i. é, com
os preceitos evangélicos, fundados na razão. Ora, se as observâncias da lei
antiga eram fundadas na razão, seriam abolidas em vão pelos decretos racionais
da lei nova. Logo, as observâncias cerimoniais da lei não se fundavam em nenhuma
razão.
2. Demais. — A lei antiga sucedeu à
lei da natureza. Ora, nesta havia um preceito, que não tinha nenhuma razão de
ser, senão provar a obediência do homem, como diz Agostinho, sobre a proibição
da árvore da vida. Logo, também a lei antiga devia estabelecer alguns
preceitos, que provassem a obediência do homem, e que, em si mesmos, não
tivessem nenhuma razão de ser.
3. Demais. — As obras do homem
procedentes da razão chamam-se morais. Se pois os preceitos cerimoniais se
fundassem nalguma razão, não haviam de diferir do morais. Logo, parece que
aqueles não têm nenhuma causa; pois, a razão de um preceito é deduzida de
alguma causa.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Sl
18, 9): o preceito do Senhor é claro, que esclarece os olhos. Ora, os preceitos
cerimoniais são de Deus. Logo, são claros; o que não seriam se não tivessem uma
causa racional.
Sendo próprio do sapiente
ordenar, segundo o Filósofo, o procedente da sabedoria divina há-de ser
ordenado, como diz o Apóstolo (Rm 13, 1). Ora, para haver ordem requerem-se
duas condições. — A primeira, que ela tenha um fim devido, que é o princípio de
toda a ordem dos nossos actos; pois, do que acontece por acaso, fora de uma
intenção final, bem como do que se não faz seriamente, mas, por diversão,
dizemos que é desordenado. — Em segundo lugar, é necessário que o meio seja
proporcionado ao fim; donde se segue que a razão dos meios se deduz do fim,
assim como a razão da disposição da serra se tira do seu fim, que é cortar,
como diz Aristóteles.
Ora, é manifesto, que os preceitos
cerimoniais, bem como todos os outros preceitos da lei foram instituídos pela
sabedoria divina; donde o dizer a Escritura (Dt 4, 6): esta é a vossa sabedoria
e inteligência em face do povo. Donde, é necessário concluir, que os preceitos
cerimoniais eram ordenados a algum fim, donde se lhes possam assinalar as
causas racionais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— As observâncias da lei antiga podem considerar-se sem razão por não terem
razão, em si mesmas e por natureza, as coisas que se faziam; p. ex., que as vestes
não fossem feitas de lã e de linho. Mas podiam ter razão relativamente à outra
coisa, quer por a figurarem, quer por a excluírem. — Ao passo que os decretos
da lei nova, principalmente consistentes na fé e no amor de Deus, pela própria
natureza do acto são racionais.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A proibição da
árvore da ciência do bem e do mal não se fundava em essa árvore ser naturalmente
má; mas essa proibição, em si mesma, tinha a sua razão de ser em se ordenar a
outra coisa, que figurava. E assim também os preceitos cerimoniais da lei
antiga tinham a sua razão de ser no se ordenarem a outra coisa.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os preceitos
morais, como estes — não matarás, não furtarás — têm por natureza causas
racionais. Ao passo que os cerimoniais tiram as suas causas racionais de se
ordenarem para outro fim, como se disse.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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