16/07/2014

Tratado da lei 55

Questão 100: Dos preceitos morais da lei antiga.

Art. 11 — Se se distinguem convenientemente outros preceitos morais da lei, além do decálogo.

(Supra. a. 3).

O undécimo discute-se assim. — Parece que se distinguem inconvenientemente outros preceitos morais da lei, além do decálogo.

1. — Pois, como diz o Senhor (Mt 22, 40), destes dois mandamentos depende toda a lei e os profetas. Ora, estes dois preceitos se explicam pelos dez do decálogo. Logo, não é necessário que se estabeleçam outros preceitos morais

2. Demais. — Os preceitos morais distinguem-se dos judiciais e dos cerimoniais, como já se disse (q. 99, a. 3, a. 4). Ora, as determinações dos preceitos morais comuns pertencem aos judiciais e aos cerimoniais; pois, esses preceitos morais comuns estão contidos no decálogo, ou mesmo, a ele se pressupõem, como se disse (a. 3). Logo, é inconveniente estabelecerem-se outros preceitos morais, além do decálogo.

3. Demais. — Os preceitos morais respeitam os actos de todas as virtudes, como já se disse (a. 2). Donde, assim como a lei estabelece preceitos morais, além do decálogo, relativos à latria, à liberalidade, à misericórdia, à castidade; assim também deveria ter estabelecido relativos às demais virtudes, p. ex., à da fortaleza, da sobriedade, e outras; e entretanto não o fez. Logo, não se distinguem convenientemente, na lei, outros preceitos morais, além do decálogo.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Sl 18, 8): A lei do Senhor, que é imaculada, converte as almas. Ora, também pelos outros preceitos morais, acrescentados ao decálogo, o homem se conserva sem a mácula do pecado, e a sua alma se converte para Deus. Logo, pertencia à lei estabelecer também outros preceitos morais.

Como do sobredito resulta (q. 99, a. 3, a. 4), os preceitos judiciais e os cerimoniais têm força de lei só em virtude da instituição; pois antes de terem sido instituídos não importava que se agisse de um ou de outro modo. Ao passo que os preceitos morais têm eficácia pelo próprio ditame da razão natural, mesmo que nunca sejam determinados por lei. Ora, estes preceitos têm três graus. — Assim, uns são certíssimos e de tal modo manifestos, que não precisam de publicação, como os atinentes ao amor de Deus e do próximo, e semelhantes, conforme já dissemos (a. 3), que são quase os fins dos preceitos. Donde, quanto a eles, não pode errar o juízo da razão de ninguém. — Outros porém são mais determinados, cuja razão qualquer um, mesmo um simples homem vulgar, pode facilmente compreender. E contudo, como algumas vezes, em relação a estes, o juízo humano pode estar pervertido, precisam de publicação. E tais são os preceitos do decálogo. — Outros enfim há, cuja razão não é manifesta a todos, mas só aos sapientes; e esses são os preceitos morais, acrescentados ao decálogo, dados por Deus ao povo, por meio de Moisés e Aarão.

Mas, como o manifesto é o princípio pelo qual conhecemos o que não o é, os preceitos morais, acrescentados ao decálogo, reduzem-se aos deste, a modo de adição com eles. — Pois, o primeiro preceito do decálogo proíbe o culto dos outros deuses, a que se acrescentaram outros preceitos proibitivos de tudo o que se funda no culto dos ídolos, como está na Escritura (Dt 18, 10-11): Nem se ache entre vós quem pretenda purificar seu filho ou filha, fazendo-os passar pelo jogo; nem quem seja feiticeiro, ou encantador, nem quem consulte aos pilões ou adivinhos, ou indague dos mortos a verdade. — O segundo preceito proíbe o perjúrio, ao qual se acrescenta a proibição da blasfémia (Lv 24, 15 ss) e a da falsa doutrina (Dt 13). — Ao terceiro se acrescentam todos os preceitos cerimoniais. — Ao quarto, sobre a honra devida aos pais, acrescenta-se o de honrar os velhos, conforme o lugar (Lv 19, 32): Levanta-te diante dos que têm a cabeça cheia de cãs e honra a pessoa do velho. E, em geral, todos os preceitos, que mandam reverenciar os maiores, ou beneficiar os iguais ou os menores. — Ao quinto preceito, sobre a proibição do homicídio, acrescenta-se a do ódio ou de qualquer violência contra o próximo, conforme o lugar (Lv 19, 16): Não conspirarás contra o sangue do teu próximo; e também a proibição do ódio fraterno, conforme o (Lv 19, 17): Não aborrecerás o teu irmão no teu coração. — Ao sexto preceito, sobre a proibição do adultério, acrescenta-se o que proíbe o meretrício (Dt 23, 17): Não haverá entre as filhas de Israel mulher prostituta, nem fornicador nos filhos de Israel; e também a proibição do vício contra a natureza (Lv 18, 22-23): Não usarás do macho como fosse fêmea; não te ajuntarás com animal algum. — Ao sétimo, sobre a proibição do furto, acrescenta-se o que proíbe a usura (Dt 23, 19): Não emprestarás com usura a teu irmão; e a proibição da fraude (Dt 25, 13): Não terás no teu saco diversos pesos; e, universalmente, tudo o que pertence à proibição da calúnia e da rapina. — Ao oitavo, que proíbe o falso testemunho, acrescenta-se a proibição do falso juízo (Ex 23, 2): Nem em juízo te deixarás arrastar do sentimento do maior número, para te desviares da verdade. E a proibição da mentira, como no mesmo cap. se acrescenta: Fugirás à mentira; e a da detracção, conforme outro lugar (Lv 19, 16): Não serás delator de crimes, nem mexeriqueiro entre o povo. — Enfim, aos outros dois preceitos nada se acrescentou, porque proíbem universalmente todas as más concupiscências.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Ao amor de Deus e do próximo ordenam-se alguns preceitos do decálogo, conforme a razão manifesta de débito; outros, porém, conforme uma razão mais oculta.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os preceitos cerimoniais e os judiciais são determinativos dos preceitos do decálogo, por força da instituição; e não por força do instinto natural, como os preceitos morais a eles acrescentados.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os preceitos da lei ordenam-se ao bem comum, como já se disse (q. 90, a. 2). E como as virtudes, que ordenam para outrem, visam directamente o bem comum; e semelhantemente a virtude da castidade, enquanto o acto de geração serve o bem comum da espécie, por isso se estabeleceram directamente preceitos sobre essas virtudes, tanto os do decálogo, como os que se lhes acrescentaram. Quanto ao acto de fortaleza, deu-se um preceito a ser proposto pelos chefes, que exortam à guerra, empreendida pelo bem comum, como está claro quando se ordena ao sacerdote (Dt 20, 3): não temais, não receeis. Semelhantemente, do acto da gula cometeu-se a proibição à advertência paterna, porque contraria o bem doméstico; donde, diz a Escritura, da pessoa dos pais (Dt 21, 20): despreza ouvir as nossas admoestações, passa a vida em comezainas e dissoluções e banquetes.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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