Em seguida devemos tratar de cada um
dos géneros dos preceitos da lei antiga. E primeiro, dos preceitos morais.
Segundo, dos cerimoniais. Terceiro, dos judiciais.
Na primeira questão discutem-se doze
artigos:
Art. 1 — Se todos os preceitos morais
pertencem à lei da natureza.
Art. 2 — Se os preceitos morais da lei
abrangem todos os actos virtuosos.
Art. 3 — Se todos os preceitos morais
da lei antiga se reduzem aos dez preceitos do decálogo.
Art. 4 — Se os preceitos do decálogo
se distinguem convenientemente.
Art. 5 — Se os preceitos do decálogo
estão convenientemente enumerados.
Art. 6 — Se os dez preceitos do
decálogo estão convenientemente ordenados.
Art. 7 — Se os preceitos do decálogo
foram dados convenientemente.
Art. 8 — Se os preceitos do decálogo
admitem dispensa.
Art. 9 — Se o modo da virtude está na
alçada do preceito da lei.
Art. 10 — Se o modo da caridade está
na alçada do preceito da lei divina.
Art. 11 — Se se distinguem
convenientemente outros preceitos morais da lei, além do decálogo.
Art. 12 — Se os preceitos morais da
lei antiga justificavam.
Art.
1 — Se todos os preceitos morais pertencem à lei da natureza.
(Infra,
q. 104, a. 1).
O primeiro discute-se assim. — Parece
que nem todos os preceitos morais pertencem à lei da natureza.
1. — Pois, diz a Escritura (Sr 17, 9):
acrescentou-lhes a disciplina, e deu-lhes em herança a lei da vida. Ora, a
disciplina divide-se, por oposição, da lei da natureza; porque a lei natural
não se aprende, mas tem-se por instinto natural. Logo, nem todos os preceitos
morais pertencem à lei da natureza.
2. Demais. — A lei divina é mais
perfeita que a humana. Ora, esta faz, aos preceitos da lei da natureza, alguns
acréscimos relativos aos bons costumes. E isso é claro por ser a lei da
natureza a mesma para todos, ao passo que essas instituições morais variam com
os diversos povos. Logo, com muito maior razão, a lei divina devia acrescentar
à lei da natureza alguns preceitos relativos aos bons costumes.
3. Demais. — Assim como a razão
natural produz bons costumes, assim também a fé; donde o dizer a Escritura (Gl
5, 6): a fé obra por caridade. Ora, a fé não está contida na lei da natureza,
porque as suas verdades são superiores à razão natural. Logo, nem todos os
preceitos morais da lei divina pertencem à lei da natureza.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Rm
2, 14): os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da
lei. O que se deve entender como referente ao que respeita aos bons costumes.
Logo, todos os preceitos morais da lei pertencem à lei da natureza.
Os preceitos morais são
distintos dos cerimoniais e dos judiciais. Pois, os morais respeitam ao que, em
si mesmo, pertence aos bons costumes. Ora, como os costumes humanos se
consideram em relação à razão, que é o princípio próprio dos actos humanos,
chamam-se bons os costumes congruentes com a razão, e maus, os que dela se
afastam. Ora, assim como todo juízo da razão especulativa procede do
conhecimento natural dos primeiros princípios, assim também todo juízo da razão
prática procede de alguns princípios naturalmente conhecidos, conforme já
dissemos (q. 94, a. 2, a. 4). Donde podemos proceder diversamente para julgar
coisas diversas. Pois, há alguns actos humanos de tal modo explícitos, que, com
pouca reflexão, podem ser logo aprovados ou reprovados, tendo-se em vista esses
princípios comuns e primeiros. Outros há porém, para cuja apreciação é preciso
reflectir aturadamente nas diversas circunstâncias, que podem ser consideradas
diligentemente só pelo homem prudente, e não por qualquer pessoa. Assim como,
considerar as conclusões particulares das ciências não pertence a todos, mas só
aos filósofos. Outros há enfim que, para julgá-las, o homem precisa ser ajudado
pela instrução divina, como é o caso do que pertence à fé.
Donde é claro que, dizendo respeito os
preceitos morais aos bons costumes e estes sendo os que estão de acordo com a
razão; e todo o juízo da razão humana derivando, de certo modo, da razão
natural, necessariamente todos os preceitos morais hão-de pertencer à lei da
natureza, mas diversamente. — Assim, há alguns de que a razão natural de
qualquer homem pode logo julgar, que devem ser obedecidos. Tais são: honrarás a
teu pai e a tua mãe; e não matarás, não furtarás. E estes pertencem
absolutamente à lei da natureza. — Há porém outros que são tidos, pelos homens
prudentes, e em virtude de uma consideração mais subtil da razão, como devendo
ser observados. E estes pertencem à lei natural, mas precisam de uma certa
doutrina pela qual os prudentes ensinem os que não o são. Tal segundo a
Escritura: Levanta-te diante dos que têm a cabeça cheia de cãs e honra a pessoa
do velho; e outros semelhantes. — Há outros enfim, para julgar dos quais a
razão humana precisa da instrução divina, que nos ensina sobre as coisas
divinas. Tais aqueles: não farás para ti imagem de escultura, nem figura
alguma; não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão.
Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS
OBJECÇÕES.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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