Tempo de Páscoa
VII Semana
Evangelho: Jo 17, 20-26.
20
«Não rogo somente por eles, mas também por aqueles que hão-de acreditar em Mim
por meio da sua palavra, 21 para que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em Mim
e Eu em Ti, para que também eles sejam um em Nós, a fim de que o mundo acredite
que Me enviaste. 22 Dei-lhes a glória que Me deste, para que sejam um, como
também Nós somos um: 23 Eu neles e Tu em Mim, para que a sua unidade seja
perfeita e para que o mundo conheça que Me enviaste e que os amaste como Me
amaste. 24 Pai, quero que, onde Eu estou, estejam também comigo aqueles que Me
deste, para que contemplem a Minha glória, a glória que Me deste, porque Me
amaste antes da criação do mundo. 25 Pai justo, o mundo não Te conheceu, mas Eu
conheci-Te e estes conheceram que Me enviaste. 26 Dei-lhes e dar-lhes-ei a
conhecer o Teu nome, a fim de que o amor com que Me amaste, esteja neles e Eu
neles».
Comentário:
Resulta evidente que, para
haver amor verdadeiro, tem de haver unidade autêntica. É impossível amar o que
não está unido num mesmo querer, com um objectivo comum.
Unidade não significa
unanimidade nem esta tem de ser imprescindível para aquela.
Unidade é, antes, um modo
de pensar e estar na vida com um sentimento comum sobre o que é principal,
verdadeiramente importante. O acessório, o opinável, pertence a cada um e à sua
idiossincrasia própria.
Ser cristão não implica
ser alto ou baixo, desta ou daquela raça, mas, sim, querer e amar a Deus como
Senhor e Criador, último fim e verdadeiro bem e, amando-o, seguir o Seu Filho
Jesus Cristo que, ao morrer por nós na Cruz nos abriu as portas da vida eterna.
Seguindo este caminho, o
único e verdadeiro, descobrimos o amor, o autêntico e que realmente deve
importar-nos.
(AMA, comentário sobre Jo
17, 20-26, 2013.05.05)
CONSTITUIÇÃO
PASTORAL
GAUDIUM ET SPES
SOBRE
A IGREJA NO MUNDO ACTUAL
CAPÍTULO
I
A
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Cristo, o homem novo
22. Na realidade, o
mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece
verdadeiramente. Adão, o primeiro homem, era efectivamente figura do futuro 20,
isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério
do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação
sublime. Não é por isso de admirar que as verdades acima ditas tenham n'Ele a
sua fonte e n'Ele atinjam a plenitude.
«Imagem de Deus invisível»
(Col. 1,15) 21, Ele é o homem perfeito, que restitui aos filhos de
Adão semelhança divina, deformada desde o primeiro pecado. Já que, n'Ele, a
natureza humana foi assumida, e não destruída 22, por isso mesmo
também em nós foi ela elevada a sublime dignidade. Porque, pela sua encarnação,
Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos
humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana 23,
amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente
um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado 24.
Cordeiro inocente,
mereceu-nos a vida com a livre efusão do seu sangue; n 'Ele nos reconciliou Deus
consigo e uns com os outros 25 e nos arrancou da escravidão do
demónio e do pecado. De maneira que cada um de nós pode dizer com o Apóstolo: o
Filho de Deus «amou-me e entregou-se por mim» (Gál. 2,20). Sofrendo por nós,
não só nos deu exemplo, para que sigamos os seus passos 26, mas
também abriu um novo caminho, em que a vida e a morte são santificadas e
recebem um novo sentido.
O cristão, tornado
conforme à imagem do Filho que é o primogénito entre a multidão dos irmãos 27,
recebe «as primícias do Espírito» (Rom. 8,23), que o tornam capaz de cumprir a
lei nova do amor 28. Por meio deste Espírito, «penhor da herança
(Ef. 1,14), o homem todo é renovado interiormente, até à «redenção do corpo»
(Rom. 8,23): «Se o Espírito d'Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos
habita em vós, Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos dará também a
vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que em vós habita» (Rom.
8,11) 29. É verdade que para o cristão é uma necessidade e um dever
lutar contra o mal através de muitas tribulações, e sofrer a morte; mas,
associado ao mistério pascal, e configurado à morte de Cristo, vai ao encontro
da ressurreição, fortalecido pela esperança 30.
E o que fica dito, vale
não só dos cristãos, mas de todos os homens de boa vontade, em cujos corações a
graça opera ocultamente 31. Com efeito, já que por todos morreu
Cristo 32 e a vocação última de todos os homens é realmente uma só,
a saber, a divina, devemos manter que o Espírito Santo a todos dá a
possibilidade de se associarem a este mistério pascal por um modo só de Deus
conhecido.
Tal é, e tão grande, o
mistério do homem, que a revelação cristã manifesta aos que creem. E assim, por
Cristo e em Cristo, esclarece-se o enigma da dor e da morte, o qual, fora do
Seu Evangelho, nos esmaga. Cristo ressuscitou, destruindo a morte com a própria
morte, e deu-nos a vida 33, para que, tornados filhos no Filho,
exclamemos no Espírito: Abba, Pai 34.
CAPÍTULO
II
A
COMUNIDADE HUMANA
Propósito do Concílio
23. Entre os principais
aspectos do mundo actual conta-se a multiplicação das relações entre os homens,
cujo desenvolvimento é muito favorecido pelos progressos técnicos hodiernos.
Todavia, o diálogo fraterno entre os homens não se realiza ao nível destes
progressos, mas ao nível mais profundo da comunidade de pessoas, a qual exige o
mútuo respeito da sua plena dignidade espiritual. A revelação cristã favorece
poderosamente esta comunhão entre as pessoas, ao mesmo tempo que nos leva a uma
compreensão mais profunda das leis da vida social que o Criador inscreveu na
natureza espiritual e moral do homem.
Dado, porém, que recentes
documentos do magistério eclesiástico expuseram a doutrina cristã acerca da
sociedade humana 1, o Concílio limita-se a recordar algumas verdades
mais importantes e a expor o seu fundamento à luz da revelação. Insiste,
seguidamente, em algumas consequências de maior importância para o nosso tempo.
Índole comunitária da
vocação humana
24. Deus, que por todos
cuida com solicitude paternal, quis que os homens formassem uma só família, e
se tratassem uns aos outros como irmãos. Criados todos à imagem e semelhança
daquele Deus que «fez habitar sobre toda a face da terra o inteiro género
humano, saído dum princípio único» (Act. 17,26), todos são chamados a um só e
mesmo fim, que é o próprio Deus.
E por isso, o amor de Deus
e do próximo é o primeiro e maior de todos os mandamentos. Mas a Sagrada Escritura
ensina-nos que o amor de Deus não se pode separar do amor do próximo, «...todos
os outros mandamentos se resumem neste: amarás o próximo como a ti mesmo... A
caridade é, pois, a lei na sua plenitude» (Rom. 13, 9-10; cfr. 1 Jo. 4,20).
Isto revela-se como sendo da maior importância, hoje que os homens se tornam
cada dia mais dependentes uns dos outros e o mundo se unifica cada vez mais.
Mais ainda: quando o
Senhor Jesus pede ao Pai «que todos sejam um..., como nós somos um» (Jo. 17,
21-22), sugere - abrindo perspectivas inacessíveis à razão humana - que dá uma
certa analogia entre a união das pessoas divinas entre si e a união dos filhos
de Deus na verdade e na caridade. Esta semelhança torna manifesto que o homem,
única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma, não se pode
encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo 2.
Interdependência da pessoa
humana e da sociedade humana
25. A natureza social do
homem torna claro que o progresso da pessoa humana e o desenvolvimento da
própria sociedade estão em mútua dependência. Com efeito, a pessoa humana, uma
vez que, por sua natureza, necessita absolutamente da vida social 3,
é e deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais.
Não sendo, portanto, a vida social algo de adventício ao homem, este cresce
segundo todas as suas qualidades e torna-se capaz de responder à própria
vocação, graças ao contacto com os demais, ao mútuo serviço e ao diálogo com
seus irmãos.
Entre os laços sociais,
necessários para o desenvolvimento do homem, alguns, como a família e a
sociedade política, correspondem mais imediatamente à sua natureza íntima;
outros são antes fruto da sua livre vontade. No nosso tempo, devido a várias
causas, as relações e interdependências mútuas multiplicam-se cada vez mais; o
que dá origem a diversas associações e instituições, quer públicas quer
privadas. Este facto, denominado socialização, embora não esteja isento de
perigos, traz, todavia, consigo muitas vantagens, em ordem a confirmar e
desenvolver as qualidades da pessoa humana e a proteger os seus direitos 4.
Porém, se é verdade que as
pessoas humanas recebem muito desta vida social, em ordem a realizar a própria
vocação, mesmo a religiosa, também não se pode negar que os homens são muitas
vezes afastados do bem ou impelidos ao mal pelas condições em que vivem e estão
mergulhados desde a infância. É certo que as perturbações tão frequentes da
ordem social vêm, em grande parte, das tensões existentes no seio das formas
económicas, políticas e sociais. Mas, mais profundamente, nascem do egoísmo e
do orgulho dos homens, os quais também pervertem o ambiente social. Onde a
ordem das coisas se encontra viciada pelas consequências do pecado, o homem,
nascido com uma inclinação para o mal, encontra novos incitamentos para o
pecado, que não pode superar sem grandes esforços e ajudado pela graça.
Promoção do bem-comum
26. A interdependência,
cada vez mais estreita e progressivamente estendida a todo o mundo, faz com que
o bem comum - ou seja, o conjunto das condições da vida social que permitem,
tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria
perfeição - se torne hoje cada vez mais universal e que, por esse motivo,
implique direitos e deveres que dizem respeito a todo o género humano. Cada
grupo deve ter em conta as necessidades e legítimas aspirações dos outros
grupos e mesmo o bem comum de toda a família humana 5.
Simultâneamente, aumenta a
consciência da eminente dignidade da pessoa humana, por ser superior a todas as
coisas e os seus direitos e deveres serem universais e invioláveis. É
necessário, portanto, tornar acessíveis ao homem todas as coisas de que
necessita para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário,
casa, direito de escolher livremente o estado de vida e de constituir família,
direito à educação, ao trabalho, à boa fama, ao respeito, à conveniente
informação, direito de agir segundo as normas da própria consciência, direito à
protecção da sua vida e à justa liberdade mesmo em matéria religiosa.
A ordem social e o seu
progresso devem, pois, reverter sempre em bem das pessoas, já que a ordem das
coisas deve estar subordinada à ordem das pessoas e não ao contrário; foi o
próprio Senhor quem o insinuou ao dizer que o sábado fora feito para o homem,
não o homem para o sábado 6. Essa ordem, fundada na verdade,
construída sobre a justiça e vivificada pelo amor, deve ser cada vez mais desenvolvida
e, na liberdade, deve encontrar um equilíbrio cada vez mais humano 7.
Para o conseguir, será necessária a renovação da mentalidade e a introdução de
amplas reformas sociais.
O Espírito de Deus, que
dirige o curso dos tempos e renova a face da terra com admirável providência,
está presente a esta evolução. E o fermento evangélico despertou e desperta no
coração humano uma irreprimível exigência de dignidade.
___________________________________________________
Notas:
20.
Cfr. Rom. 5,14. Cfr. Tertuliano, De carpis resurr. 6: «Quodcumque limus
exprimebatur, Christus cogitabatur homo futurus»: PL 2, 802 (848); CSEL, 47, p.
33, 1. 12-13.
21.
Cfr. 2 Cor. 4,4.
22.Cfr.
Conc. Constant. II, can. 7: «Neque Deo Verbo in carpis naturam transmutato,
neque carne in Verbi naturam transducta»: Denz. 219 (428). Cfr. também Conc.
Constant. III: « Quemadmodum enim sanctissima ac immaculata animata eius caro
deificata non est perempta (theôtheisa ouk anërethe), sed in próprio sui statu
et ratione permansit»: Denz. 291 (556). Cfr. Conc. Calc.: «in duabus naturis
inconfuse, immutabiliter, indivise, inseparabiliter agnoscentum»: Denz. 148
(302).
23.
Cfr. Conc. Constant. III: «ita et humana eius voluntas deificata non. est
perempta»: Denz. 291 (556).
24
Cfr. Hebr. 4,15. 25 Cfr. 2
25.
Cfr. 2Cor. 5, 18-19; Col. 1, 20-22.
26.
Cfr. 1Ped. 2, 2; Mt. 16,24; Lc. 14, 27.
27.
Cfr. Rom. 8, 29; Col. 1,18.
28.
Cfr. Rom. 8, 1-11.
29.
Cfr. 2 Cor. 4,14.
30.
Cfr. Fil. 3,10; Rom. 8,17.
31.
Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, n. 16:
AAS 57 (1965), p. 20.
32.
Cfr. Rom. 8,32.
33.
Cfr. Liturgia Pascal bizantina.
34. Cfr. Rom. 8,15 e Gal. 4,6; Jo. 1,12 e Jo. 3,
1-2.
Capítulo
II
1.
Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra, 15 maio 1961: AAS 53 (1961) p.
401-464; Enc. Pacem in terris, 11 abril 1963: AAS 55 (1963), p. 257-304; Paulo
VI, Enc. Ecclesiam suam, 6 agosto 1964: AAS 54 (1964), p. 609-659.
2.
Cfr. Lc. 17,23.
3.
Cfr. S. Tomás, 1 Ethic. lect. 1.
4.
Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 418. Cfr. também Pio
XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 222 ss.
5.
Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), P. 417.
6.
Cfr. Mc. 2,27.
7.
Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 266.
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