Em seguida, por se distinguirem entre
si, quanto ao reato, o pecado venial e o mortal, devemos tratar deles. E,
primeiro, devemos tratar do pecado venial, por comparação com o mortal.
Segundo, do venial, em si mesmo.
Na primeira questão discutem-se seis
artigos:
Art. 1 — Se o pecado venial se opõe
convenientemente ao mortal.
Art. 2 — Se o pecado venial difere, em
género, do mortal, de modo que tanto o mortal como o venial o sejam
genericamente.
Art. 3 — Se o pecado venial é uma
disposição para o mortal.
Art. 4 — Se o pecado venial pode vir a
ser mortal.
Art. 5 — Se a circunstância pode
tornar mortal o pecado venial.
Art. 6 — Se um pecado mortal pode
tornar-se venial.
Art.
1 — Se o pecado venial se opõe convenientemente ao mortal.
(Supra,
q. 72, a. 5; II Sent., dist. XLII, q. 1, a. 3; III Cont. Gent., cap. CXXXIX; De
Malo, q. 7, a. 1).
O primeiro discute-se assim. — Parece
que o pecado venial não se opõe convenientemente ao mortal.
1. — Pois, como diz Agostinho, pecado
é o dito, feito ou desejado contra a lei eterna. Ora, o ser contra a lei eterna
constitui o pecado mortal. Logo, todo pecado é mortal e a este não se opõe o
venial.
2. Demais. — O Apóstolo diz (1 Cor 10,
31): Logo ou vós comais ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo
para a glória de Deus. Ora, quem peca age contra este preceito, pois não se
comete pecado pela glória de Deus. E sendo pecado mortal agir contra o preceito,
resulta que o faz quem peca mortalmente.
3. Demais. — Quem se apega com amor a
algum bem, apegasse-lhe para dele fruir ou usar, segundo está claro em
Agostinho. Ora, nenhum pecador se apega a um bem mutável para usar dele; pois,
não o refere ao bem capaz de nos fazer felizes; e isso é propriamente usar,
segundo Agostinho, no lugar aduzido. Logo, quem peca frui o bem mutável. Ora, a
perversidade humana consiste em fruir as coisas que se devem usar, conforme
Agostinho. E sendo a perversidade considerada pecado mortal, por consequência
quem peca, peca mortalmente.
4. Demais. — Quem se apega a um termo,
afasta-se, por isso mesmo, de outro. Ora, quem peca apega-se a um bem mutável.
Logo, afasta-se do bem imutável, e portanto peca mortalmente. Donde, o pecado venial
não se opõe convenientemente ao mortal.
Mas, em contrário, diz Agostinho:
crime é o que merece condenação; pecado venial é, ao contrário, o que não a
merece. Ora, crime é denominação do pecado mortal. Logo, o pecado venial opõe-se
convenientemente ao mortal.
Certas ideias não se opõem
em sentido próprio, mas apenas consideradas metaforicamente. Assim, ser ridente
não se opõe a ser árido; mas há oposição entre essas ideias quando rir se diz
metaforicamente de um prado, pelo seu aspecto florido e viridente. Do mesmo
modo, mortal, tomado em sentido próprio, enquanto relativo à morte do corpo,
não se opõe a venial, nem pertence ao mesmo género. Mas, tomado em sentido
metafórico, aplicado aos pecados, mortal opõe-se a venial.
Pois, sendo o pecado uma enfermidade
da alma, como estabelecemos (q. 71, a. 1 ad 3; q. 72, a. 5; q. 74, a. 9 ad 2),
a sua denominação de mortal é por semelhança com a doença, assim chamada por
implicar uma perda irreparável, pela privação de algum princípio, como já dissemos
(q. 72, a. 5). Ora, o princípio da vida espiritual, concernente à virtude, é a
ordem para o fim último, como se disse (q. 72, a. 5; q. 87, a. 3). E destruída esta,
não pode ser separada por nenhum princípio intrínseco, mas só pelo poder
divino, conforme estabelecemos (q. 87, a. 3). Pois as desordens relativas aos
meios reparam-se pelo fim; assim como o erro relativo às conclusões, pela
verdade dos princípios. Por onde, a privação da ordem, relativa ao último fim,
não pode ser reparada por nada de superior a ele, assim como não o pode o erro
relativo aos princípios. Por isso, os pecados em questão chamam-se mortais por
serem como irreparáveis. Ao contrário, os pecados, desordenados relativamente
aos meios, conservada a ordem para o último fim, são reparáveis. E esses se
chama veniais. Pois o pecado é susceptível de vénia quando desaparece o reato
da pena, que cessa com o cessar do pecado, segundo dissemos (q. 87, a. 6).
Portanto, mortal opõe-se a venial como
o reparável ao irreparável. E isto, digo, por um princípio interno; não por
comparação com o poder divino, que pode curar qualquer doença, tanto corporal
como espiritual. E por isso o pecado venial opõe-se, convenientemente ao mortal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A divisão do pecado em venial e mortal não é a divisão de um género em
espécies, que de certo modo participam igualmente da essência genérica; mas de
um análogo em partes de que ele se predica por anterioridade e posterioridade.
E portanto, a noção perfeita do pecado, dada por Agostinho, convém ao pecado
mortal. O pecado venial, porém é considerado pecado em acepção imperfeita e em
ordem ao pecado mortal; assim como o acidente é considerado ser em acepção
imperfeita, e relativamente à substância. Pois, o pecado venial não é contrário
à lei; porque, quem peca venialmente não faz o proibido por lei, nem omite o a
que a lei obriga preceptivamente; mas age fora da lei, por não observar o modo
racional intencionado pela lei.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O preceito
citado do Apóstolo, sendo afirmativo, não obriga para sempre. Portanto, não age
contra este preceito quem não refere actualmente à glória de Deus tudo quando
faz. Pois basta referir-se a si mesmo e tudo o que tem, habitualmente, a Deus,
para nem sempre pecar mortalmente, não referindo actualmente algum acto à
glória de Deus. Ora, o pecado venial não exclui a ordem habitual dos actos
humanos para a glória de Deus, senão apenas a actual; por não excluir a
caridade, que ordena habitualmente para Deus. Donde se conclui o pecar venialmente
quem peca mortalmente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Quem peca
venialmente apega-se ao bem temporal, não como o fruindo, porque não o
constitui último fim; mas, como dele usando e referindo-o a Deus, não actual,
mas habitualmente.
RESPOSTA À QUARTA. — O bem mutável não
é considerado como termo contraposto ao imutável, senão quando é tomado como
fim. Pois, o meio não tem a essência de termo.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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