01/05/2014

Tratado dos vícios e pecados 76

Questão 86: Da mácula do pecado.

Em seguida devemos tratar da mácula do pecado. E, nesta questão, discutem-se dois artigos:
Art. 1 — Se o pecado causa mácula na alma.
Art. 2 — Se a mácula permanece na alma depois do acto do pecado.

Art. 1 — Se o pecado causa mácula na alma.

(Infra, q. 89, a. I; IV Sent., dist. XVIII, q. 1, a. 2, qª 1).

O primeiro discute-se assim. — Parece que o pecado não causa mácula nenhuma na alma.

1. — Pois, a natureza superior não pode ser contaminada pelo contacto da inferior; por isso, o raio solar não se contamina pelo contacto com os corpos fétidos, como diz Agostinho. Ora, a alma humana é de natureza muito superior às coisas mutáveis, que busca, pecando. Logo, pelo pecado, não contrai, delas, mácula.

2. Demais. — O pecado está principalmente na vontade, como já se disse (q. 74, a. 1, 2). Ora, a vontade está na razão, como diz Aristóteles; e a razão ou intelecto não se macula por pensar em qualquer objecto, mas ao contrário, aperfeiçoa-se. Logo, também a vontade não se macula pelo pecado.

3. Demais. — Se o pecado causa mácula, esta ou é algo de positivo ou é privação pura. Se for algo de positivo, não pode ser senão uma disposição ou hábito, pois nada mais pode ser causado pelo acto. Ora, não é disposição nem hábito; pois pode dar-se que, removida a disposição ou o hábito, ainda permaneça a mácula, como o patenteia o caso de quem pecou mortalmente por prodigalidade e depois, pecando mortalmente, adquiriu o hábito do vício oposto. Logo, a mácula não introduz nada de positivo na alma. E nem por outro lado, é privação pura; porque todo pecado resulta do afastamento e da privação da graça; donde se seguiria que todos os pecados haviam de constituir uma só mácula. Logo, a mácula não é efeito do pecado.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Sr 47, 22): Puseste mácula na tua glória. E (Ef 5, 27): Para a apresentar a si mesmo a Igreja gloriosa, sem mácula nem ruga. E ambos os lugares se referem à mácula do pecado. Logo, esta é o efeito do pecado.

A mácula se atribui, propriamente, ao corpo límpido que perde o lustre pelo contacto com outro corpo, como se dá com a roupa, o ouro, a prata e corpos semelhantes. E é por semelhança que havemos de atribuir a mácula aos seres espirituais. Ora, a alma humana tem um duplo lustre: o proveniente da refulgência da luz natural da razão, pela qual se dirige nos seus actos; e o da refulgência da luz divina, i. é, da sabedoria e da graça, que também aperfeiçoa o homem para agir acertada e convenientemente. Ora, há um como tacto da alma quando ela adere a um objecto, pelo amor. Donde, quando peca, adere a um objecto, contra a luz da razão e da lei divina, como do sobredito resulta (q. 71, a. 6). Donde o chamar-se metaforicamente mácula da alma ao detrimento que lhe sofre o lustre, proveniente desse contacto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A alma não se contamina com as coisas inferiores, por virtude delas proprias, como se nela influíssem. Mas antes e inversamente, a alma é a que se contamina pela sua acção, aderindo a essas coisas, desordenadamente, contra a luz da razão e da lei divina.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A acção do intelecto aperfeiçoa-se, por estarem nele, ao seu modo, objectos inteligíveis. Por isso, longe de se contaminar com eles, o intelecto aperfeiçoa-se por eles. O acto da vontade porém consiste no movimento para os objectos, de modo que o amor une a alma à coisa amada. E por isso, a alma se macula, quando adere desordenadamente, conforme a Escritura (Os 9, 10): e se tornaram abomináveis como as coisas que amaram.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A mácula não é nada de positivamente existente na alma, nem exprime só uma privação; mas, significa a privação do lustre da alma relativamente à sua causa, que é o pecado. Por isso pecados diversos produzem máculas diversas. E o mesmo se dá com a sombra, que é privação pela interposição de algum corpo; e conforme a diversidade dos corpos interpostos, assim as sombras se diversificam.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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