Devemos, consequentemente, tratar dos
princípios exteriores dos actos. Ora, o princípio externo, que inclina para o
mal, é o diabo, de cuja tentação já tratamos na Primeira Parte. E o princípio
externo, que move para o bem, é Deus, que nos instrui pela lei e nos ajuda pela
graça.
Por onde, devemos tratar, primeiro, da
lei e, segundo, da graça.
Ora, quanto à lei, devemos
considerá-la, primeiro, em geral. Segundo, nas suas partes.
E, sobre a lei, em geral, há tríplice
consideração a fazer. A primeira é sobre a sua essência. A segunda, sobre a
diferença entre as leis. A terceira, sobre os efeitos da lei.
Questão 90: Da essência da lei.
Questão 91: Da diversidade das leis.
Questão 92: Dos efeitos da lei.
Questão 93: Da lei eterna.
Questão 94: Da lei natural.
Questão 95: Da Lei humana
Questão 96: Do poder da lei humana.
Questão 97: Da mudança das leis.
Questão 98: Da lei antiga.
Questão 99: Dos preceitos da lei
antiga.
Questão 100: Dos preceitos morais da
lei antiga.
Questão 101: Dos preceitos cerimoniais
em si mesmos.
Questão 102: Das causas dos preceitos
cerimoniais.
Questão 103: Da duração dos preceitos
cerimoniais.
Questão 104: Dos preceitos judiciais.
Questão 105: Da razão de ser dos
preceitos judiciais.
Questão 106: Da lei do Evangelho,
chamada nova, em si mesma considerada.
Questão 107: Da comparação entre a lei
nova e a antiga.
Questão 108: Do conteúdo da lei nova.
Questão
90: Da essência da lei.
Na primeira questão discutem-se quatro
artigos:
Art. 1 — Se a lei é algo de racional.
Art. 2 — Se a lei se ordena sempre
para o bem comum, como para o fim.
Art. 3 — Se a razão particular pode
legislar.
Art. 4 — Se a promulgação é da
essência da lei.
Art.
1 — Se a lei é algo de racional.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que a lei não tem nada de racional.
1. — Pois, diz o Apóstolo (Rm 7, 23):
Sinto nos meus membros outra lei, etc. Ora, o racional não está nos membros,
porque a razão não se serve de órgãos corpóreos. Logo, a lei não tem nada de racional.
2. Demais. — A razão só inclui a
potência, o hábito e o acto. Ora, a lei não é nenhuma potência da razão. E nem
um hábito qualquer dela, porque os seus hábitos são as virtudes intelectuais,
de que já se tratou (a. 57). Nem um acto, pois, se o fosse, cessando ele, como
se dá com os adormecidos, cessaria a lei. Logo, a lei não tem nada de racional.
3. Demais. — A lei move os que se lhe
submetem, a agir rectamente. Ora, mover à acção pertence propriamente à
vontade, como resulta claro do que já foi dito (q. 9, a. 1). Logo, a lei não
depende da razão, mas, antes, da vontade, concforme ao que também diz o
Jurisperito: O que apraz ao príncipe tem força de lei.
Mas, em contrário, à lei pertence
ordenar e proibir. Ora, ordenar é acto da razão, como já se demonstrou (q. 17,
a. 1). Logo, a lei é algo de racional.
A lei é uma regra e medida
dos actos, pela qual somos levados à acção ou dela impedidos. Pois, lei vem de
ligar, porque obriga a agir. Ora, a regra e a medida dos actos humanos é a
razão, pois é deles o princípio primeiro, como do sobredito resulta (q. 1, a. 1
ad 3). Porque é próprio da razão ordenar para o fim, princípio primeiro do
agir, segundo o Filósofo. Ora, o que, em cada género, constitui o princípio é a
medida e a regra desse género. Como a unidade, no género dos números, e o
primeiro movimento, no dos movimentos. Donde se conclui que a lei é algo
pertencente à razão.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Sendo a lei regra e medida, pode ser aplicada de dois modos. De um, como o
que mede e regula. Ora, como isto é próprio da razão, deste modo, a lei só existe
na razão. — De outro, como o que é regulado e medido. E, então existe em tudo o
que em virtude dela tem alguma inclinação. De sorte que qualquer inclinação
proveniente de uma lei pode ser considerada lei, não essencial, mas, participativamente.
E deste modo, também a inclinação dos membros para a concupiscência se chama
lei dos membros.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Podemos
considerar, nos actos exteriores, a obra e o obrado, como, p. ex., a edificação
e o edifício. Assim também podemos distinguir, nas obras da razão, o acto próprio
dela, que é inteligir e raciocinar; e algo de constituído por esse acto. E
isto, no concernente à razão especulativa, é, primeiramente, a definição;
depois, o enunciado; e, em terceiro lugar, o silogismo ou argumentação. Ora,
mesmo a razão prática emprega no agir um certo silogismo, conforme já
demonstramos (q. 13, a. 3; q. 76, a. 1), de acordo com o que ensina o Filósofo.
Donde, deve haver, na razão prática, o que esteja para as obras, como, na razão
especulativa, está a proposição para as conclusões. Ora, tais proposições
universais da razão prática, ordenadas para o acto, têm natureza de lei. E elas
são, umas vezes, consideradas actualmente, e, outras possuídas habitualmente
pela razão.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A razão tira o
seu poder motor da vontade, como já se disse (q. 17, a. 1). Pois, é por
querermos o fim que a razão ordena os meios. Mas para a vontade do que é
ordenado vir a constituir lei é preciso seja regulada pela razão. E deste modo
compreende-se que a vontade do príncipe tenha força de lei; de contrário seria
antes iniquidade que lei.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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