Em seguida devemos tratar dos efeitos
do pecado. E, primeiro da corrupção do bem da natureza. Segundo, da mácula da
alma. Terceiro, do reato da pena. Na primeira questão discutem-se seis artigos:
Art. 1 — Se o pecado diminui o bem da
natureza.
Art. 2 — Se a natureza humana pode,
pelo pecado, ser privada totalmente do seu bem.
Art. 3 — Se a fraqueza, a ignorância,
a malícia e a concupiscência são convenientemente consideradas lesões da
natureza consequentes ao pecado.
Art. 4 — Se a privação do modo, da
espécie e da ordem são efeitos do pecado.
Art. 5 — Se a morte e as outras
misérias do corpo são efeitos do pecado.
Art. 6 — Se a morte e as demais
misérias do corpo são naturais ao homem.
Art.
1 — Se o pecado diminui o bem da natureza.
(I
q. 48, a. 4; II Sent., dist. III, q. 3, ad 5; dist. XXX, q, 1, a. 1, ad 3;
dist. XXXIV, a 5; III dist. XX, a. 1, qª 1, ad 1; III Cont Gent., cap. XII ; De
Malo, q. 2, a. 11).
O primeiro discute-se assim. — Parece
que o pecado não causa detrimento ao bem da natureza.
1. — Pois, o pecado do homem não
excede em gravidade o do demónio. Ora, os dons naturais permanecem íntegros nos
demónios, depois do pecado, como diz Dionísio. Logo, o pecado também não causa
detrimento ao bem da natureza humana.
2. Demais. — A alteração do que é posterior
não implica a do anterior; assim, a substância permanece a mesma, embora se
mudem os acidentes. Ora, a natureza preexiste à acção voluntária. Logo, embora
o pecado cause a desordem na acção voluntária, nem por isso se altera a
natureza, de modo a lhe ficar diminuído o seu bem.
3. Demais. — O pecado é um acto; ao
passo, que sofrer detrimento é uma paixão. Ora nenhum agente, como tal, é
paciente; é possível porém que actue sobre um paciente e sofra a acção de outro
agente. Logo, quem peca não causa detrimento, pelo pecado, ao bem da sua
natureza.
4. Demais. — Nenhum acidente pode agir
sobre o seu sujeito. Pois, sofrer uma acção é próprio do ser potencial; ao
passo que o sujeito do acidente já é ser actual, em relação a esse acidente.
Ora, o pecado reside no bem da natureza como o acidente, no sujeito. Logo, o
pecado não diminui esse bem, pois, diminuir é, de algum modo, agir.
Mas, em contrário, como diz o
Evangelho (Lc 10, 30): Um homem baixava de Jerusalém a Jericó, i. é, à
prevaricação do pecado; é despojado dos bens gratuitos e vulnerado nos
naturais, como expõe Beda. Logo, o pecado causa detrimento ao bem da natureza.
O bem da natureza humana
pode ser considerado a tríplice luz. — Primeiro, como os próprios princípios
constitutivos no que ela é; e como as propriedades deles derivadas; p. ex., as
potências da alma, e outras. — Segundo, tendo o homem, inclinação natural para
a virtude, segundo já estabelecemos (q. 60, 1; q. 63, 1), essa mesma inclinação
é um certo bem natural. — Terceiro, pode chamar-se bem natural ao dom da
justiça original, conferido, no primeiro homem, a toda a natureza humana.
Ora, o bem da natureza, primeiramente
enumerado, não o destrói o pecado e nem o diminui. O terceiro, porém, o pecado
do primeiro pai destruiu-o totalmente. Mas o médio, i. é, a inclinação natural
para a virtude, fica diminuído pelo pecado. Pois, os actos humanos produzem uma
certa inclinação para outros actos semelhantes, como já se demonstrou (q. 50,
a. 1). Necessariamente porém, aquilo que se inclina para um contrário fica com
a inclinação diminuída para o outro. Donde, sendo o pecado contrário à virtude,
o próprio pecar do homem diminui-lhe o bem da natureza, que é a inclinação para
a virtude.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Dionísio refere-se ao bem primeiro da natureza, que é existir, viver e
inteligir, como é claro a quem lhe reflectir nas palavras.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora a
natureza seja anterior à acção voluntária, tem contudo inclinação para ela. Donde,
a natureza, em si mesma, não varia com a variação de tal acção; mas é a própria
inclinação a que varia, enquanto ordenada para um termo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A acção
voluntária procede de diversas potências, das quais uma é activa e a outra,
passiva. Donde resulta que as acções voluntárias podem causar no homem, que as
pratica, um acréscimo ou um detrimento, conforme já dissemos (q. 51, a. 2),
quando tratamos da geração dos hábitos.
RESPOSTA À QUARTA. — O acidente age
sobre o seu sujeito, não efectiva, mas formalmente, no sentido em que se diz
que a brancura torna branco. E assim, nada impede que o pecado diminua o bem da
natureza; mas de modo a constituir a própria diminuição desse bem, por ser um acto
desordenado. Quanto porém à desordem do agente, ela é causada pelo que os actos
da alma têm de activo e de passivo. Assim, o sensível move o apetite sensitivo
e este inclina a razão e a vontade, como já dissemos (q. 77, a. 1, 2). Donde a
desordem; não por o acidente actuar sobre o próprio sujeito, mas pelo objecto
agir sobre a potência, e uma potência sobre outra, desordenando-a.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.