15/04/2014

Tratado dos vícios e pecados 60

Art. 3 — Se o pecado original é a concupiscência.

(Sent., dist. XXX, q. 1, a. 3; Expos. Litt.: dist. XXXII, q. 2, a. 1, ad 3; dist. XXXII, q. 1, a. 1, ad 1, 3, 4; De Malo, q. 3, a. 7; q. 4, a. 2).

O terceiro discute-se assim. — Parece que o pecado original não é a concupiscência.

1. — Pois, todo pecado é contrário à natureza, como diz Damasceno. Ora, a concupiscência, sendo o acto próprio da potência concupiscível, potência natural, é conforme a natureza. Logo, não é o pecado original.

2. Demais. — O pecado original causou em nós as paixões dos pecados, como se vê no Apóstolo (Rm 7). Ora, há muitas outras paixões, além da concupiscência, como já se estabeleceu. Logo, o pecado original não é a concupiscência, antes que qualquer outra paixão.

3. Demais. — Pelo pecado original desordenaram-se todas as partes da alma, como já se disse. Ora, a inteligência é a suprema dessas partes, como está claro no Filósofo. Logo, o pecado original é mais a ignorância que a concupiscência.

Mas, em contrário, diz Agostinho: a concupiscência é o reato do pecado original.

Cada ser especifica-se pela sua forma. Ora, como já se disse, o pecado original especifica-se pela sua causa. Logo e necessariamente, a causa do pecado original é a que lhe dá a formalidade. E como coisas opostas têm causas opostas, deve fundamentar-se a causa do pecado original pela da justiça original, que se lhe opõe. Ora, toda a ordem da justiça original estava na sujeição da vontade humana a Deus. Essa sujeição dava se, primária e principalmente, pela vontade, à qual compete mover todas as outras partes para o fim, como já disse­mos. Donde, o afastamento da vontade, de Deus, causou a desordem em todas as outras potências da alma. Portanto, a privação da justiça original, pela qual a vontade estava sujeita a Deus, é o que há de formal no pecado original; enquanto todas as outras desordens das potências da alma constituem como o elemento material desse pecado. Ora, a desordem dessas outras potências, consiste, principalmente em buscarem desordenadamente os bens mutáveis; e essa desordem pode receber a denominação comum de concupiscência. E portanto, o pecado original é, materialmente, concupiscência; formalmente, porém, consiste na falta da justiça original.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Sendo no homem a potência concupiscível naturalmente regulada pela razão, a concupiscência é-lhe natural na medida em que se conforma com a ordem da razão. E a que ultrapassa os limites da razão é contra a natureza do homem. Ora, tal é a concupiscência do pecado original.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como já dissemos, as paixões do irascível reduzem-se às do concupiscível como às principais; entre as quais a concupiscência move mais veementemente e é mais sentida, como já antes estabelecemos. E por isso, é-lhe atribuído o pecado original, como sendo a principal e de certo modo, inclusiva de todas as outras.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim como nos bons, o intelecto e a razão têm a supremacia; assim nos maus e inversamente, desempenha o papel principal a parte inferior da alma, que obnubila a razão e a arrasta, como já se disse. E por isso o pecado original é considerado antes como concupiscência que como ignorância; embora também a ignorância esteja contida entre as deficiências materiais do pecado original.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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