Questão 77: Da causa do
pecado por parte do apetite sensitivo: se a paixão da alma é causa do pecado.
Art. 3 ― Se o pecado
causado pela paixão, deve ser tido como causado pela fraqueza.
(Infra, q. 85, a.
3, ad 4 ; De Malo, e. 3, a. 9 ; In Psalm. VI)
O
terceiro discute-se assim. ― Parece que o pecado causado pela paixão não deve
ser tido como causado pela fraqueza.
1.
― Pois, a paixão é um movimento veementemente do apetite sensitivo, como já se
disse (a. 1). Ora, a veemência do movimento prova antes em favor da fortaleza
que da fraqueza. Logo, o pecado causado pela paixão não deve ser tido como
causado pela fraqueza.
2.
Demais. ― A fraqueza do homem funda-se sobretudo no que ele tem de mais frágil.
Ora, tal é a carne, donde a expressão da Escritura (Sl 77, 39): E lembrou-se
que são carne. Logo, devemos considerar pecado de fraqueza o causado, antes por
uma deficiência do corpo, do que por uma paixão da alma.
3.
Demais. ― O homem não é considerado fraco pelo que lhe depende da vontade. Ora,
fazer ou não fazer aquilo a que a paixão inclina, depende-lhe da vontade,
conforme a Escritura (Gn 4, 7): a tua concupiscência estar-te-á sujeita e tu
dominarás sobre ela. Logo, o pecado causado pela paixão não o é pela fraqueza.
Mas,
em contrário, Túlio, chama às paixões da alma doenças1. Ora, as doenças são
também designadas pelo nome de fraquezas. Logo, o pecado causado pela paixão
deve ser tido como causado pela fraqueza.
A causa própria do pecado é a alma, na qual principalmente ele existe. Ora, a
fraqueza pode lhe ser atribuída por semelhança com a fraqueza do corpo. E, este
o consideramos fraco quando debilitado ou impedido de exercer a sua atividade
própria, por causa de alguma desordem nas suas partes; de modo tal que os
nossos humores e membros não estejam sujeitos ao poder dirigente e motor do
corpo. Por onde, chama-se fraco ao membro que não pode exercer a atividade do
membro são; tal se dá com os olhos, quando não podem ver claramente, como diz o
Filósofo2. Donde o dizer-se que há na alma fraqueza quando fica impedida de
exercer a sua atividade própria, pela desordenação nas partes da mesma.
Pois,
assim como se dizem desordenadas as partes do corpo, quando não obedecem à
ordem da natureza, assim também desordenadas consideram-se as partes da alma
quando fogem à ordem da razão, que as rege. Portanto, quando, fora da ordem da
razão, a potencia concupiscível ou a irascível é afetada por alguma paixão,
causa, do modo supra dito, de algum impedimento à ação devida, diz-se que há
pecado por fraqueza. Por isso, o Filósofo3, compara o incontinente ao
epiléptico, cujos membros se lhe movem contrariamente ao que ele dispõe.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Assim como, quanto mais forte for o motor do
corpo contrário à ordem da natureza, tanto maior será a fraqueza, assim, quanto
mais forte o movimento da paixão, contrário à ordem racional, tanto maior será
a fraqueza da alma.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― O pecado principalmente consiste num ato da vontade, não impedido
pela fraqueza do corpo. Pois, quem é fraco de corpo pode ter a vontade pronta
para agir. Mas, pode esse ato ficar travado pela paixão, como já se disse (a.
1). Por onde, quando dizemos ser um pecado causado pela fraqueza, referimo-nos
mais à fraqueza da alma que à do corpo. Mas também se chama à fraqueza da alma
fraqueza da carne, porque, pela condição desta, surgem em nós as paixões da
alma, por ser o apetite sensitivo uma potencia que se serve de órgãos
corpóreos.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Por certo está no poder da vontade assentir ou não naquilo para o
que a paixão inclina; e nesse sentido se diz que o nosso apetite depende de
nós. Contudo esse aprendimento do dissentimento da vontade pode ficar impedido
pela paixão, do modo já exposto.
Revisão da tradução portuguesa por ama
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Notas:
1. IV De tuscul. Quaestion.
(cap. XIV, XV).
2.
X De historiis animalium (cap. I).
3.
Ethic. (lect. XX)
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