A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Evangelho: Lc 8, 22-39
22 Um dia, subiu com os Seus discípulos para uma barca, e
disse-lhes: «Passemos à outra margem do lago». Eles fizeram-se ao mar. 23
Enquanto iam navegando, Jesus adormeceu. Levantou-se uma tempestade de vento
sobre o lago e a barca enchia-se de água e estavam em perigo. 24
Aproximando-se d'Ele, despertaram-n'O, dizendo: «Mestre, Mestre, nós
perecemos!». Ele, levantando-Se, increpou o vento e as ondas, que acalmaram, e
veio a bonança. 25 Então disse-lhes: «Onde está a vossa fé?». Eles,
cheios de temor, admiraram-se, dizendo uns para os outros: «Quem é Este que
manda aos ventos e ao mar, e eles Lhe obedecem?». 26 Arribaram ao
país dos Gerasenos, que está fronteiro à Galileia. 27 Logo que
saltou para terra, foi ter com Ele um homem daquele lugar, possesso de muitos
demónios. Há muito tempo não se vestia nem habitava em casa, mas nos sepulcros.
28 Logo que viu Jesus, prostrou-se diante d'Ele a gritar: «Que tens
Tu comigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Suplico-Te que não me atormentes». 29
Porque Jesus mandava ao espírito imundo que saísse daquele homem, pois há muito
tempo se tinha apoderado dele; estava preso com cadeias e grilhões, mas ele,
quebradas as cadeias, era impelido pelo demónio para os desertos. 30
Jesus interrogou-o: «Qual é o teu nome?». Ele respondeu: «Legião»; porque
tinham entrado nele muitos demónios. 31 Estes suplicavam-Lhe que não
os mandasse ir para o abismo. 32 Ora andava por ali, pastando no
monte, uma grande vara de porcos. Os demónios suplicavam-Lhe que lhes
permitisse entrar neles. Jesus permitiu-o. 33 Saíram, pois, do homem
os demónios e entraram nos porcos; e logo a vara se precipitou com ímpeto por
um despenhadeiro no lago, e afogou-se. 34 Quando os guardas viram
isto, fugiram e foram contá-lo pela cidade e pelas aldeias. 35
Saíram a ver o que tinha acontecido; foram ter com Jesus e encontraram sentado
a Seus pés, vestido e em seu juízo, o homem de quem tinham saído os demónios; e
tiveram medo. 36 Os que tinham presenciado o facto, contaram-lhes
como o possesso tinha sido livrado. 37 E todo o povo do país dos
Gerasenos pediu que Se retirasse deles, porque estavam possuídos de grande
temor. Ele, subindo para a barca, dispunha-Se a regressar. 38 Entretanto,
o homem de quem tinham saído os demónios, pedia-Lhe que o deixasse estar com
Ele. Porém, Jesus o despediu dizendo: 39 «Volta para a tua casa, e
conta quanto Deus te fez». Ele foi e publicou por toda a cidade quanto Jesus
lhe tinha feito.
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS
FIÉIS LEIGOS
SOBRE
O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO ACTUAL
Capítulo
IV
A DIMENSÃO SOCIAL DA
EVANGELIZAÇÃO
O
lugar privilegiado dos pobres no povo de Deus
197.
No coração de Deus, os pobres ocupam lugar preferencial, tanto que até Ele
mesmo «Se fez pobre» (2 Cor 8, 9). Todo o caminho da nossa redenção está
assinalado pelos pobres. Esta salvação veio a nós, através do «sim» duma jovem
humilde, duma pequena povoação perdida na periferia dum grande império. O
Salvador nasceu num presépio, entre animais, como sucedia com os filhos dos
mais pobres; foi apresentado no Templo, juntamente com dois pombinhos, a oferta
de quem não podia permitir-se pagar um cordeiro (cf. Lc 2, 24; Lv 5, 7);
cresceu num lar de simples trabalhadores, e trabalhou com suas mãos para ganhar
o pão. Quando começou a anunciar o Reino, seguiam-No multidões de deserdados,
pondo assim em evidência o que Ele mesmo dissera: «O Espírito do Senhor está
sobre Mim, porque Me ungiu para anunciar a Boa No-va aos pobres» (Lc 4, 18). A
quantos sentiam o peso do sofrimento, acabrunhados pela pobreza, assegurou que
Deus os tinha no âmago do seu coração: «Felizes vós, os pobres, porque vosso é
o Reino de Deus» (Lc 6, 20); e com eles Se identificou: «Tive fome e destes-Me
de comer», ensinando que a misericórdia para com eles é a chave do Céu (cf. Mt
25, 34-40).
198.
Para a Igreja, a opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que
cultural, sociológica, política ou filosófica. Deus «manifesta a sua
misericórdia antes de mais» a eles. 163 Esta preferência divina tem
consequências na vida de fé de todos os cristãos, chamados a possuírem «os
mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus» (Fl 2, 5). Inspirada por tal
preferência, a Igreja fez uma opção pelos pobres, entendida como uma «forma
especial de primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a
Tradição da Igreja». 164 Como ensinava Bento XVI, esta opção «está
implícita na fé cristológica naquele Deus que Se fez pobre por nós, para
enriquecer-nos com sua pobreza». 165 Por isso, desejo uma Igreja
pobre para os pobres. Estes têm muito para nos ensinar. Além de participar do
sensus fidei, nas suas próprias dores conhecem Cristo sofredor. É necessário
que todos nos deixemos evangelizar por eles. A nova evangelização é um convite
a reconhecer a força salvífica das suas vidas, e a colocá-los no centro do
caminho da Igreja. Somos chamados a descobrir Cristo neles: não só a
emprestar-lhes a nossa voz nas suas causas, mas também a ser seus amigos, a
escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos
quer comunicar através deles.
199.
O nosso compromisso não consiste exclusivamente em acções ou em programas de
promoção e assistência; aquilo que o Espírito põe em movimento não é um excesso
de activismo, mas primariamente uma atenção prestada ao outro «considerando-o
como um só consigo mesmo». 166 Esta atenção amiga é o início duma
verdadeira preocupação pela sua pessoa e, a partir dela, desejo procurar efectivamente
o seu bem. Isto implica apreciar o pobre na sua bondade própria, com o seu modo
de ser, com a sua cultura, com a sua forma de viver a fé. O amor autêntico é
sempre contemplativo, permitindo-nos servir o outro não por necessidade ou
vaidade, mas porque ele é belo, independentemente da sua aparência: «Do amor,
pelo qual uma pessoa é agradável a outra, depende que lhe dê algo de graça».
167 Quando amado, o pobre «é estimado como de alto valor», 168 e
isto diferencia a autêntica opção pelos pobres de qualquer ideologia, de
qualquer tentativa de utilizar os pobres ao serviço de interesses pessoais ou
políticos. Unicamente a partir desta proximidade real e cordial é que podemos
acompanhá-los adequadamente no seu caminho de libertação. Só isto tornará
possível que «os pobres se sintam, em cada comunidade cristã, como “em casa”.
Não seria, este estilo, a maior e mais eficaz apresentação da boa nova do
Reino?» 169 Sem a opção preferencial pelos pobres, «o anúncio do
Evangelho – e este anúncio é a primeira caridade – corre o risco de não ser
compreendido ou de afogar-se naquele mar de palavras que a actual sociedade da
comunicação diariamente nos apresenta». 170
200.
Dado que esta Exortação se dirige aos membros da Igreja Católica, desejo
afirmar, com mágoa, que a pior discriminação que os pobres sofrem é a falta de
cuidado espiritual. A imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à
fé; tem necessidade de Deus e não podemos deixar de lhe oferecer a sua amizade,
a sua bênção, a sua Palavra, a celebração dos Sacramentos e a proposta dum caminho
de crescimento e amadurecimento na fé. A opção preferencial pelos pobres deve
traduzir-se, principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e
prioritária.
201.
Ninguém deveria dizer que se mantém longe dos pobres, porque as suas opções de
vida implicam prestar mais atenção a outras incumbências. Esta é uma desculpa
frequente nos ambientes académicos, empresariais ou profissionais, e até mesmo
eclesiais. Embora se possa dizer, em geral, que a vocação e a missão próprias
dos fiéis leigos é a transformação das diversas realidades terrenas para que
toda a actividade humana seja transformada pelo Evangelho, 171 ninguém
pode sentir-se exonerado da preocupação pelos pobres e pela justiça social: «A
conversão espiritual, a intensidade do amor a Deus e ao próximo, o zelo pela
justiça e pela paz, o sentido evangélico dos pobres e da pobreza são exigidos a
todos». 172 Temo que também estas palavras sejam objecto apenas de
alguns comentários, sem verdadeira incidência prática. Apesar disso, tenho
confiança na abertura e nas boas disposições dos cristãos e peço-vos que
procureis, comunitariamente, novos caminhos para acolher esta renovada proposta.
Economia
e distribuição das entradas
202.
A necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza não pode esperar; e
não apenas por uma exigência pragmática de obter resultados e ordenar a
sociedade, mas também para a curar duma mazela que a torna frágil e indigna e
que só poderá levá-la a novas crises. Os planos de assistência, que acorrem a
determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas
provisórias. Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos
pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação
financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, 173 não
se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A
desigualdade é a raiz dos males sociais.
203.
A dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que deveriam
estruturar toda a política económica, mas às vezes parecem somente apêndices
adicionados de fora para completar um discurso político sem perspectivas nem
programas de verdadeiro desenvolvimento integral. Quantas palavras se tornaram
molestas para este sistema! Molesta que se fale de ética, molesta que se fale
de solidariedade mundial, molesta que se fale de distribuição dos bens, molesta
que se fale de defender os postos de trabalho, molesta que se fale da dignidade
dos fracos, molesta que se fale de um Deus que exige um compromisso em prol da
justiça. Outras vezes acontece que estas palavras se tornam objecto duma
manipulação oportunista que as desonra. A cómoda indiferença diante destas
questões esvazia a nossa vida e as nossas palavras de todo o significado. A
vocação dum empresário é uma nobre tarefa, desde que se deixe interpelar por um
sentido mais amplo da vida; isto permite-lhe servir verdadeiramente o bem comum
com o seu esforço por multiplicar e tornar os bens deste mundo mais acessíveis
a todos.
204.
Não podemos mais confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado. O
crescimento equitativo exige algo mais do que o crescimento económico, embora o
pressuponha; requer decisões, programas, mecanismos e processos especificamente
orientados para uma melhor distribuição das entradas, para a criação de
oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o
mero assistencialismo. Longe de mim propor um populismo irresponsável, mas a
economia não pode mais recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando
se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando
assim novos excluídos.
205.
Peço a Deus que cresça o número de políticos capazes de entrar num autêntico
diálogo que vise efectivamente sanar as raízes profundas e não a aparência dos
males do nosso mundo. A política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma
das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum. 174 Temos
de nos convencer que a caridade «é o princípio não só das micro-relações
estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das
macro-relações como relacionamentos sociais, económicos, políticos». 175 Rezo
ao Senhor para que nos conceda mais políticos, que tenham verdadeiramente a
peito a sociedade, o povo, a vida dos pobres. É indispensável que os
governantes e o poder financeiro levantem o olhar e alarguem as suas
perspectivas, procurando que haja trabalho digno, instrução e cuidados
sanitários para todos os cidadãos. E porque não acudirem a Deus pedindo-Lhe que
inspire os seus planos? Estou convencido de que, a partir duma abertura à transcendência,
poder-se-ia formar uma nova mentalidade política e económica que ajudaria a
superar a dicotomia absoluta entre a economia e o bem comum social.
206.
A economia – como indica o próprio termo – deveria ser a arte de alcançar uma
adequada administração da casa comum, que é o mundo inteiro. Todo o acto
económico duma certa envergadura, que se realiza em qualquer parte do planeta,
repercute-se no mundo inteiro, pelo que nenhum Governo pode agir à margem duma
responsabilidade comum. Na realidade, torna-se cada vez mais difícil encontrar
soluções a nível local para as enormes contradições globais, pelo que a
política local se satura de problemas por resolver. Se realmente queremos
alcançar uma economia global saudável, precisamos, neste momento da história,
de um modo mais eficiente de interacção que, sem prejuízo da soberania das
nações, assegure o bem-estar económico a todos os países e não apenas a alguns.
207.
E qualquer comunidade da Igreja, na medida em que pretender subsistir tranquila
sem se ocupar criativamente nem cooperar de forma eficaz para que os pobres
vivam com dignidade e haja a inclusão de todos, correrá também o risco da sua
dissolução, mesmo que fale de temas sociais ou critique os Governos. Facilmente
acabará submersa pelo mundanismo espiritual, dissimulado em práticas religiosas,
reuniões infecundas ou discursos vazios.
208.
Se alguém se sentir ofendido com as minhas palavras, saiba que as exprimo com
estima e com a melhor das intenções, longe de qualquer interesse pessoal ou
ideologia política. A minha palavra não é a dum inimigo nem a dum opositor. A
mim interessa-me apenas procurar que, quantos vivem escravizados por uma
mentalidade individualista, indiferente e egoísta, possam libertar-se dessas
cadeias indignas e alcancem um estilo de vida e de pensamento mais humano, mais
nobre, mais fecundo, que dignifique a sua passagem por esta terra.
Cuidar
da fragilidade
209.
Jesus, o evangelizador por excelência e o Evangelho em pessoa, identificou-Se
especialmente com os mais pequeninos (cf. Mt 25, 40). Isto recorda-nos, a todos
os cristãos, que somos chamados a cuidar dos mais frágeis da Terra. Mas, no
modelo «do êxito» e «individualista» em vigor, parece que não faz sentido
investir para que os lentos, fracos ou menos dotados possam também singrar na
vida.
210.
Embora aparentemente não nos traga benefícios tangíveis e imediatos, é
indispensável prestar atenção e debruçar-nos sobre as novas formas de pobreza e
fragilidade, nas quais somos chamados a reconhecer Cristo sofredor: os sem-abrigo,
os toxicodependentes, os refugiados, os povos indígenas, os idosos cada vez
mais sós e abandonados, etc. Os migrantes representam um desafio especial para
mim, por ser Pastor duma Igreja sem fronteiras que se sente mãe de todos. Por
isso, exorto os países a uma abertura generosa, que, em vez de temer a
destruição da identidade local, seja capaz de criar novas sínteses culturais.
Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os que
são diferentes, fazendo desta integração um novo factor de progresso! Como são
encantadoras as cidades que, já no seu projecto arquitectónico, estão cheias de
espaços que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro!
211.
Sempre me angustiou a situação das pessoas que são objecto das diferentes
formas de tráfico. Quem dera que se ouvisse o grito de Deus, perguntando a
todos nós: «Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9). Onde está o teu irmão escravo?
Onde está o irmão que estás matando cada dia na pequena fábrica clandestina, na
rede da prostituição, nas crianças usadas para a mendicidade, naquele que tem
de trabalhar às escondidas porque não foi regularizado? Não nos façamos de
distraídos! Há muita cumplicidade... A pergunta é para todos! Nas nossas
cidades, está instalado este crime mafioso e aberrante, e muitos têm as mãos
cheias de sangue devido a uma cómoda e muda cumplicidade.
212.
Duplamente pobres são as mulheres que padecem situações de exclusão,
maus-tratos e violência, porque frequentemente têm menores possibilidades de
defender os seus direitos. E todavia, também entre elas, encontramos
continuamente os mais admiráveis gestos de heroísmo quotidiano na defesa e
cuidado da fragilidade das suas famílias.
213.
Entre estes seres frágeis, de que a Igreja quer cuidar com predilecção, estão
também os nascituros, os mais inermes e inocentes de todos, a quem hoje se quer
negar a dignidade humana para poder fazer deles o que apetece, tirando-lhes a
vida e promovendo legislações para que ninguém o possa impedir. Muitas vezes,
para ridiculizar jocosamente a defesa que a Igreja faz da vida dos nascituros,
procura-se apresentar a sua posição como ideológica, obscurantista e conservadora;
e no entanto esta defesa da vida nascente está intimamente ligada à defesa de
qualquer direito humano. Supõe a convicção de que um ser humano é sempre
sagrado e inviolável, em qualquer situação e em cada etapa do seu
desenvolvimento. É fim em si mesmo, e nunca um meio para resolver outras
dificuldades. Se cai esta convicção, não restam fundamentos sólidos e permanentes
para a defesa dos direitos humanos, que ficariam sempre sujeitos às conveniências
contingentes dos poderosos de turno. Por si só a razão é suficiente para se
reconhecer o valor inviolável de qualquer vida humana, mas, se a olhamos também
a partir da fé, «toda a violação da dignidade pessoal do ser humano clama por
vingança junto de Deus e torna-se ofensa ao Criador do homem». 176
214.
E precisamente porque é uma questão que mexe com a coerência interna da nossa
mensagem sobre o valor da pessoa humana, não se deve esperar que a Igreja
altere a sua posição sobre esta questão. A propósito, quero ser completamente
honesto. Este não é um assunto sujeito a supostas reformas ou «modernizações».
Não é opção progressista pretender resolver os problemas, eliminando uma vida
humana. Mas é verdade também que temos feito pouco para acompanhar
adequadamente as mulheres que estão em situações muito duras, nas quais o
aborto lhes aparece como uma solução rápida para as suas profundas angústias,
particularmente quando a vida que cresce nelas surgiu como resultado duma
violência ou num contexto de extrema pobreza. Quem pode deixar de compreender
estas situações de tamanho sofrimento?
215.
Há outros seres frágeis e indefesos, que muitas vezes ficam à mercê dos
interesses económicos ou dum uso indiscriminado. Refiro-me ao conjunto da
criação. Nós, os seres humanos, não somos meramente beneficiários, mas
guardiões das outras criaturas. Pela nossa realidade corpórea, Deus uniu-nos
tão estreitamente ao mundo que nos rodeia, que a desertificação do solo é como
uma doença para cada um, e podemos lamentar a extinção de uma espécie como se
fosse uma mutilação. Não deixemos que, à nossa passagem, fiquem sinais de
destruição e de morte que afectem a nossa vida e a das gerações futuras. 177
Neste sentido, faço meu o expressivo e profético lamento que, já há
vários anos, formularam os Bispos das Filipinas: «Uma incrível variedade de
insectos vivia no bosque; e estavam ocupados com todo o tipo de tarefas. (...)
Os pássaros voavam pelo ar, as suas penas brilhantes e os seus variados
gorjeios acrescentavam cor e melodia ao verde dos bosques. (...) Deus quis que
esta terra fosse para nós, suas criaturas especiais, mas não para a podermos
destruir ou transformar num baldio. (...) Depois de uma única noite de chuva,
observa os rios de castanho-chocolate da tua localidade e lembra-te que estão a
arrastar o sangue vivo da terra para o mar. (...) Como poderão os peixes nadar
em esgotos como o rio Pasig e muitos outros rios que poluímos? Quem transformou
o maravilhoso mundo marinho em cemitérios subaquáticos despojados de vida e de
cor?» 178
216.Pequenos
mas fortes no amor de Deus, como São Francisco de Assis, todos nós, cristãos,
somos chamados a cuidar da fragilidade do povo e do mundo em que vivemos.
______________________________
Notas:
163
João Paulo II, Homilia durante a Santa Missa pela evangelização dos povos
(Santo Domingo, 11 de Outubro de 1984), 5: AAS 77 (1985) 358.
164
João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987),
42: AAS 80 (1988), 572.
165
Discurso na Sessão inaugural da V Conferência Geral do Episcopado
Latino-americano e do Caribe (13 de Maio de 2007), 3: AAS 99 (2007), 450.
166
São Tomás de Aquino, Summa theologiae II-II, q. 27, a. 2.
167 Ibid., I-II, q. 110, a. 1.
168 Ibid., I-II, q. 26, a. 3.
169
João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 50: AAS
93 (2001), 303.
170 Ibid., 50: o. c., 303.
171 Cf. Propositio 45.
172
Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis nuntius (6 de Agosto de 1984),
XI, 18: AAS 76 (1984), 908.
173
Isto implica «eliminar as causas estruturais das disfunções da economia
mundial»: Bento XVI, Discurso ao Corpo Diplomático (8 de Janeiro de 2007): AAS
99 (2007), 73.
174
Cf. Comissão Social dos Bispos de França, Declaração Réhabiliter la politique
(17 de Fevereiro de 1999); Pio XI, Mensagem, 18 de Dezembro de 1927.
175
Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 2: AAS 101
(2009), 642.
176
João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de
1988), 37: AAS 81 (1989), 461.
177
Cf. Propositio 56.
178
Conferência dos Bispos católicos das Filipinas, Carta past. What is Happening to our Beautiful Land?(29 de Janeiro
de 1988).
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