A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Evangelho: Lc 4, 33-44; 5, 1-11
33 Estava na sinagoga
um homem possesso de um demónio imundo, o qual exclamou em alta voz: 34
«Deixa-nos. Que tens Tu que ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos
perder? Sei quem és: o Santo de Deus». 35 Jesus o repreendeu,
dizendo: «Cala-te e sai desse homem». E o demónio, depois de o ter lançado por
terra no meio de todos, saiu dele sem lhe fazer nenhum mal. 36 Todos
se atemorizaram e falavam uns com os outros, dizendo: «Que é isto, Ele manda
com autoridade e poder aos espíritos imundos, e estes saem?» 37 E a
Sua fama ia-se espalhando por todos os lugares da região. 38 Saindo
Jesus da sinagoga, entrou em casa de Simão. Ora a sogra de Simão estava com
febre muito alta. Pediram-Lhe por ela. 39 Ele, inclinando-Se para
ela, ordenou à febre, e a febre deixou-a. Ela, levantando-se logo, servia-os. 40
Quando foi sol-posto, todos os que tinham doentes de diversas moléstias,
traziam-Lhos. E Ele, impondo as mãos sobre cada um, curava-os. 41 De
muitos saíam os demónios, gritando: «Tu és o Filho de Deus». Mas Ele
repreendia-os severamente e impunha-lhes silêncio, porque sabiam que Ele era o
Cristo. 42 Quando se fez dia, tendo saído, foi para um lugar
solitário. As multidões foram à Sua procura e, tendo-O encontrado, tentavam
retê-l'O para que não se afastasse deles. 43 Mas Ele disse-lhes: «É
necessário que Eu anuncie também às outras cidades a boa nova do reino de Deus,
pois para isso é que fui enviado». 44 E andava pregando nas
sinagogas da Judeia.
5 1 Um
dia, comprimindo-se as multidões em volta d'Ele para ouvir a palavra de Deus,
Jesus estava junto do lago de Genesaré. 2 Viu duas barcas acostadas
à margem do lago; os pescadores tinham saído e lavavam as redes. 3
Entrando numa destas barcas, que era a de Simão, pediu-lhe que se afastasse um
pouco da terra. Depois, estando sentado, ensinava o povo desde a barca. 4
Quando acabou de falar, disse a Simão: «Faz-te ao largo, e lançai as redes para
pescar». 5 Respondeu-Lhe Simão: «Mestre, tendo trabalhado toda a
noite, não apanhámos nada; porém, sobre a Tua palavra, lançarei as redes». 6
Tendo feito isto, apanharam tão grande quantidade de peixes, que as redes se
rompiam. 7 Então fizeram sinal aos companheiros, que estavam na
outra barca, para que os viessem ajudar. Vieram e encheram tanto ambas as
barcas, que quase se afundavam. 8 Simão Pedro, vendo isto, lançou-se
aos pés de Jesus, dizendo: «Afasta-Te de mim, Senhor, pois eu sou um homem
pecador». 9 Porque, tanto ele como todos os que se encontravam com
ele, ficaram possuidos de espanto, por causa da pesca que tinham feito. 10
O mesmo tinha acontecido a Tiago e a João, filhos de Zebedeu, que eram
companheiros de Simão. Jesus disse a Simão: «Não tenhas medo; desta hora em
diante serás pescador de homens». 11 Trazidas as barcas para terra,
deixando tudo, seguiram-n'O.
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS
FIÉIS LEIGOS
SOBRE
O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO ACTUAL
Capítulo
II
NA CRISE DO COMPROMISSO
COMUNITÁRIO
Desafios
das culturas urbanas
71.
A nova Jerusalém, a cidade santa (cf. Ap 21, 2-4), é a meta para onde peregrina
toda a humanidade. É interessante que a revelação nos diga que a plenitude da
humanidade e da história se realiza numa cidade. Precisamos de identificar a
cidade a partir dum olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra
Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças. A presença de
Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos efectuam para encontrar
apoio e sentido para a sua vida. Ele vive entre os citadinos promovendo a
solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça. Esta
presença não precisa de ser criada, mas descoberta, desvendada. Deus não Se
esconde de quantos O buscam com coração sincero, ainda que o façam tacteando,
de maneira imprecisa e incerta.
72.
Na cidade, o elemento religioso é mediado por diferentes estilos de vida, por
costumes ligados a um sentido do tempo, do território e das relações que difere
do estilo das populações rurais. Na vida quotidiana, muitas vezes os citadinos
lutam para sobreviver e, nesta luta, esconde-se um sentido profundo da
existência que habitualmente comporta também um profundo sentido religioso.
Precisamos de o contemplar para conseguirmos um diálogo parecido com o que o
Senhor teve com a Samaritana, junto do poço onde ela procurava saciar a sua
sede (cf. Jo 4, 7-26).
73.
Novas culturas continuam a formar-se nestas enormes geografias humanas onde o
cristão já não costuma ser promotor ou gerador de sentido, mas recebe delas
outras linguagens, símbolos, mensagens e paradigmas que oferecem novas
orientações de vida, muitas vezes em contraste com o Evangelho de Jesus. Uma
cultura inédita palpita e está em elaboração na cidade. O Sínodo constatou que
as transformações destas grandes áreas e a cultura que exprimem são, hoje, um
lugar privilegiado da nova evangelização. 61 Isto requer imaginar
espaços de oração e de comunhão com características inovadoras, mais atraentes
e significativas para as populações urbanas. Os ambientes rurais, devido à
influência dos mass-media, não estão imunes destas transformações culturais que
também operam mudanças significativas nas suas formas de vida.
74.
Torna-se necessária uma evangelização que ilumine os novos modos de se
relacionar com Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores
fundamentais. É necessário chegar aonde são concebidas as novas histórias e
paradigmas, alcançar com a Palavra de Jesus os núcleos mais profundos da alma
das cidades. Não se deve esquecer que a cidade é um âmbito multicultural. Nas
grandes cidades, pode observar-se uma trama em que grupos de pessoas
compartilham as mesmas formas de sonhar a vida e ilusões semelhantes,
constituindo-se em novos sectores humanos, em territórios culturais, em cidades
invisíveis. Na realidade, convivem variadas formas culturais, mas exercem
muitas vezes práticas de segregação e violência. A Igreja é chamada a ser
servidora dum diálogo difícil. Enquanto há citadinos que conseguem os meios
adequados para o desenvolvimento da vida pessoal e familiar, muitíssimos são
também os «não-citadinos», os «meio-citadinos» ou os «resíduos urbanos». A
cidade dá origem a uma espécie de ambivalência permanente, porque, ao mesmo
tempo que oferece aos seus habitantes infinitas possibilidades, interpõe também
numerosas dificuldades ao pleno desenvolvimento da vida de muitos. Esta
contradição provoca sofrimentos lancinantes. Em muitas partes do mundo, as
cidades são cenário de protestos em massa, onde milhares de habitantes reclamam
liberdade, participação, justiça e várias reivindicações que, se não forem
adequadamente interpretadas, nem pela força poderão ser silenciadas.
75.
Não podemos ignorar que, nas cidades, facilmente se desenvolve o tráfico de
drogas e de pessoas, o abuso e a exploração de menores, o abandono de idosos e
doentes, várias formas de corrupção e crime. Ao mesmo tempo, o que poderia ser
um precioso espaço de encontro e solidariedade, transforma-se muitas vezes num
lugar de retraimento e desconfiança mútua. As casas e os bairros constroem-se
mais para isolar e proteger do que para unir e integrar. A proclamação do
Evangelho será uma base para restabelecer a dignidade da vida humana nestes
contextos, porque Jesus quer derramar nas cidades vida em abundância (cf. Jo
10, 10). O sentido unitário e completo da vida humana proposto pelo Evangelho é
o melhor remédio para os males urbanos, embora devamos reparar que um programa
e um estilo uniformes e rígidos de evangelização não são adequados para esta
realidade. Mas viver a fundo a realidade humana e inserir-se no coração dos
desafios como fermento de testemunho, em qualquer cultura, em qualquer cidade,
melhora o cristão e fecunda a cidade.
II. Tentações dos agentes
pastorais
76.
Sinto uma enorme gratidão pela tarefa de quantos trabalham na Igreja. Não quero
agora deter-me na exposição das actividades dos vários agentes pastorais, desde
os Bispos até ao mais simples e ignorado dos serviços eclesiais. Prefiro
reflectir sobre os desafios que todos eles enfrentam no meio da cultura
globalizada actual. Mas, antes de tudo e como dever de justiça, tenho a dizer
que é enorme a contribuição da Igreja no mundo actual. A nossa tristeza e
vergonha pelos pecados de alguns membros da Igreja, e pelos próprios, não devem
fazer esquecer os inúmeros cristãos que dão a vida por amor: ajudam tantas
pessoas seja a curar-se seja a morrer em paz em hospitais precários, acompanham
as pessoas que caíram escravas de diversos vícios nos lugares mais pobres da terra,
prodigalizam-se na educação de crianças e jovens, cuidam de idosos abandonados
por todos, procuram comunicar valores em ambientes hostis, e dedicam-se de
muitas outras maneiras que mostram o imenso amor à humanidade inspirado por
Deus feito homem. Agradeço o belo exemplo que me dão tantos cristãos que
oferecem a sua vida e o seu tempo com alegria. Este testemunho faz-me muito bem
e me apoia na minha aspiração pessoal de superar o egoísmo para uma dedicação
maior.
77.
Apesar disso, como filhos desta época, todos estamos de algum modo sob o
influxo da cultura globalizada actual, que, sem deixar de apresentar valores e
novas possibilidades, pode também limitar-nos, condicionar-nos e até mesmo
combalir-nos. Reconheço que precisamos de criar espaços apropriados para
motivar e sanar os agentes pastorais, «lugares onde regenerar a sua fé em Jesus
crucificado e ressuscitado, onde compartilhar as próprias questões mais
profundas e as preocupações quotidianas, onde discernir em profundidade e com
critérios evangélicos sobre a própria existência e experiência, com o objectivo
de orientar para o bem e a beleza as próprias opções individuais e sociais». 62
Ao mesmo tempo, quero chamar a atenção para algumas tentações que
afectam, particularmente nos nossos dias, os agentes pastorais.
Sim
ao desafio duma espiritualidade missionária
78.
Hoje nota-se em muitos agentes pastorais, mesmo pessoas consagradas, uma preocupação
exacerbada pelos espaços pessoais de autonomia e relaxamento, que leva a viver
os próprios deveres como mero apêndice da vida, como se não fizessem parte da
própria identidade. Ao mesmo tempo, a vida espiritual confunde-se com alguns
momentos religiosos que proporcionam algum alívio, mas não alimentam o encontro
com os outros, o compromisso no mundo, a paixão pela evangelização. Assim, é
possível notar em muitos agentes evangelizadores – não obstante rezem – uma
acentuação do individualismo, uma crise de identidade e um declínio do fervor.
São três males que se alimentam entre si.
79.
A cultura mediática e alguns ambientes intelectuais transmitem, às vezes, uma
acentuada desconfiança quanto à mensagem da Igreja, e um certo desencanto. Em
consequência disso, embora rezando, muitos agentes pastorais desenvolvem uma
espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou esconder a
sua identidade cristã e as suas convicções. Gera-se então um círculo vicioso,
porque assim não se sentem felizes com o que são nem com o que fazem, não se
sentem identificados com a missão evangelizadora, e isto debilita a entrega.
Acabam assim por sufocar a alegria da missão numa espécie de obsessão por serem
como todos os outros e terem o que possuem os demais. Deste modo, a tarefa da
evangelização torna-se forçada e dedica-se-lhe pouco esforço e um tempo muito
limitado.
80.
Nos agentes pastorais, independentemente do estilo espiritual ou da linha de
pensamento que possam ter, desenvolve-se um relativismo ainda mais perigoso que
o doutrinal. Tem a ver com as opções mais profundas e sinceras que determinam
uma forma de vida concreta. Este relativismo prático é agir como se Deus não
existisse, decidir como se os pobres não existissem, sonhar como se os outros
não existissem, trabalhar como se aqueles que não receberam o anúncio não
existissem. É impressionante como até aqueles que aparentemente dispõem de
sólidas convicções doutrinais e espirituais acabam, muitas vezes, por cair num
estilo de vida que os leva a agarrarem-se a seguranças económicas ou a espaços
de poder e de glória humana que se buscam por qualquer meio, em vez de dar a
vida pelos outros na missão. Não nos deixemos roubar o entusiasmo missionário!
Não
à acédia egoísta
81.
Quando mais precisamos dum dinamismo missionário que leve sal e luz ao mundo,
muitos leigos temem que alguém os convide a realizar alguma tarefa apostólica e
procuram fugir de qualquer compromisso que lhes possa roubar o tempo livre.
Hoje, por exemplo, tornou-se muito difícil nas paróquias conseguir catequistas
que estejam preparados e perseverem no seu dever por vários anos. Mas algo
parecido acontece com os sacerdotes que se preocupam obsessivamente com o seu
tempo pessoal. Isto, muitas vezes, fica-se a dever a que as pessoas sentem
imperiosamente necessidade de preservar os seus espaços de autonomia, como se
uma tarefa de evangelização fosse um veneno perigoso e não uma resposta alegre
ao amor de Deus que nos convoca para a missão e nos torna completos e fecundos.
Alguns resistem a provar até ao fundo o gosto da missão e acabam mergulhados
numa acédia paralisadora.
82.
O problema não está sempre no excesso de actividades, mas sobretudo nas
actividades mal vividas, sem as motivações adequadas, sem uma espiritualidade
que impregne a acção e a torne desejável. Daí que as obrigações cansem mais do
que é razoável, e às vezes façam adoecer. Não se trata duma fadiga feliz, mas
tensa, gravosa, desagradável e, em definitivo, não assumida. Esta acédia pastoral
pode ter origens diversas: alguns caem nela por sustentarem projectos
irrealizáveis e não viverem de bom grado o que poderiam razoavelmente fazer;
outros, por não aceitarem a custosa evolução dos processos e querem que tudo
caia do Céu; outros, por se apegarem a alguns projectos ou a sonhos de sucesso
cultivados pela sua vaidade; outros, por terem perdido o contacto real com o
povo, numa despersonalização da pastoral que leva a prestar mais atenção à
organização do que às pessoas, acabando assim por se entusiasmarem mais com a
«tabela de marcha» do que com a própria marcha; outros ainda caem na acédia,
por não saberem esperar e quererem dominar o ritmo da vida. A ânsia hodierna de
chegar a resultados imediatos faz com que os agentes pastorais não tolerem
facilmente o que signifique alguma contradição, um aparente fracasso, uma crítica,
uma cruz.
83.
Assim se gera a maior ameaça, que «é o pragmatismo cinzento da vida quotidiana
da Igreja, no qual aparentemente tudo procede dentro da normalidade, mas na
realidade a fé vai-se deteriorando e degenerando na mesquinhez». 63 Desenvolve-se
a psicologia do túmulo, que pouco a pouco transforma os cristãos em múmias de
museu. Desiludidos com a realidade, com a Igreja ou consigo mesmos, vivem
constantemente tentados a apegar-se a uma tristeza melosa, sem esperança, que
se apodera do coração como «o mais precioso elixir do demónio». 64 Chamados
para iluminar e comunicar vida, acabam por se deixar cativar por coisas que só
geram escuridão e cansaço interior e corroem o dinamismo apostólico. Por tudo
isto, permiti que insista: Não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização!
Não
ao pessimismo estéril
84.
A alegria do Evangelho é tal que nada e ninguém no-la poderá tirar (cf. Jo 16,
22). Os males do nosso mundo – e os da Igreja – não deveriam servir como
desculpa para reduzir a nossa entrega e o nosso ardor. Vejamo-los como desafios
para crescer. Além disso, o olhar crente é capaz de reconhecer a luz que o
Espírito Santo sempre irradia no meio da escuridão, sem esquecer que, «onde
abundou o pecado, superabundou a graça» (Rm 5, 20). A nossa fé é desafiada a
entrever o vinho em que a água pode ser transformada, e a descobrir o trigo que
cresce no meio do joio. Cinquenta anos depois do Concílio Vaticano II, apesar
de nos entristecerem as misérias do nosso tempo e estarmos longe de optimismos
ingénuos, um maior realismo não deve significar menor confiança no Espírito nem
menor generosidade. Neste sentido, podemos voltar a ouvir as palavras
pronunciadas pelo Beato João XXIII naquele memorável 11 de Outubro de 1962: «Chegam-nos
aos ouvidos insinuações de almas, ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas
de grande sentido de discrição e moderação. Nos tempos actuais, não veem senão
prevaricações e ruínas. ... Mas a nós parece-nos que devemos discordar desses
profetas de desgraças, que anunciam acontecimentos sempre infaustos, como se
estivesse iminente o fim do mundo. Na ordem presente das coisas, a
misericordiosa Providência está-nos levantando para uma ordem de relações
humanas que, por obra dos homens e a maior parte das vezes para além do que
eles esperam, se encaminham para o cumprimento dos seus desígnios superiores e
inesperados, e tudo, mesmo as adversidades humanas, converge para o bem da
Igreja». 65
85.
Uma das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de
derrota que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara
de vinagre. Ninguém pode empreender uma luta, se de antemão não está plenamente
confiado no triunfo. Quem começa sem confiança, perdeu de antemão metade da
batalha e enterra os seus talentos. Embora com a dolorosa consciência das
próprias fraquezas, há que seguir em frente, sem se dar por vencido, e recordar
o que disse o Senhor a São Paulo: «Basta-te a minha graça, porque a força
manifesta-se na fraqueza» (2 Cor 12, 9). O triunfo cristão é sempre uma cruz,
mas cruz que é, simultaneamente, estandarte de vitória, que se empunha com
ternura batalhadora contra as investidas do mal. O mau espírito da derrota é
irmão da tentação de separar prematuramente o trigo do joio, resultado de uma
desconfiança ansiosa e egocêntrica.
86.
É verdade que, nalguns lugares, se produziu uma «desertificação» espiritual,
fruto do projecto de sociedades que querem construir sem Deus ou que destroem
as suas raízes cristãs. Lá, «o mundo cristão está a tornar-se estéril e se
esgota como uma terra excessivamente desfrutada que se transforma em poeira». 66
Noutros países, a resistência violenta ao cristianismo obriga os cristãos
a viverem a sua fé às escondidas no país que amam. Esta é outra forma muito
triste de deserto. E a própria família ou o lugar de trabalho podem ser também
o tal ambiente árido, onde há que conservar a fé e procurar irradiá-la. Mas «é
precisamente a partir da experiência deste deserto, deste vazio, que podemos
redescobrir a alegria de crer, a sua importância vital para nós, homens e
mulheres. No deserto, é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial
para a vida; assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede de Deus,
do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implícita ou negativamente.
E, no deserto, existe sobretudo a necessidade de pessoas de fé que, com suas
próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva
a esperança». 67 Em todo o caso, lá somos chamados a ser
pessoas-cântaro para dar de beber aos outros. Às vezes o cântaro transforma-se
numa pesada cruz, mas foi precisamente na Cruz que o Senhor, trespassado, Se nos
entregou como fonte de água viva. Não deixemos que nos roubem a esperança!
______________________________________
Notas:
61
Cf. Propositio 25.
62
Acção Católica Italiana, Messaggio della XIV Assemblea Nazionale alla Chiesa ed
al Paese (8 de Maio de 2011).
63
Joseph Ratzinger, Situación actual de la fe y la teología (Conferência
pronunciada no Encontro de Presidentes das Comissões Episcopais da América
Latina para a Doutrina da Fé – Guadalajara, México, 1996 – e publicada em
L’Osservatore Romano de 01/XI/1966). Cf. V Conferência Geral do Episcopado
Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29 de Junho de 2007), 12.
64 Georges Bernanos, Journal
d’un curé de campagne (Ed. Plon, Paris 1974), 135.
65
Discurso de abertura do Concílio Ecuménico Vaticano II (11 de Outubro de 1962),
4, 2-4: AAS 54 (1962), 789.
66 John Henry Newman, «Letter
of 26 January 1833», em The Letters and Diaries of John Henry Newman, III
(Oxford 1979), 204.
67
Bento XVI, Homilia durante a Santa Missa de abertura do Ano da Fé (11 de
Outubro de 2012): AAS 104 (2012), 881.
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