14/11/2013

Tratado das virtudes em geral 14


Questão 57: Da distinção entre as virtudes intelectuais.
Art. 3 — Se a arte é uma virtude intelectual.

(De Virtut., q. 1, a. 7, VI Ethic., lect III).

O terceiro discute-se assim. — Parece que a arte não é uma virtude intelectual.

1. — Pois, diz Agostinho, que ninguém pode usar mal da virtude 1. Ora, podemos usar mal da arte, tal é o caso do artífice que obra mal de acordo com a ciência da sua arte. Logo, a arte não é uma virtude.

2. Demais. — Não há virtude de virtude. Ora, há uma virtude da arte, como já se disse 2. Logo, a arte não é uma virtude.

3. Demais. — As artes liberais são mais excelentes que as mecânicas. Ora, assim como estas são práticas, aquelas são especulativas. Logo, se a arte fosse uma virtude intelectual, devia ser enumerada entre as virtudes especulativas.

Mas, em contrário, o Filósofo embora considere a arte como virtude, não a enumera contudo entre as virtudes especulativas, cujo sujeito é, diz, a parte científica da alma 3.

A arte não é mais que a razão recta de acordo com a qual fazemos certas obras. E a bondade destas não consiste em o apetite humano se comportar de um determinado modo, mas em ser boa, em si mesma, a obra feita. Pois, o que importa para o louvor do artista, como tal, não é a vontade com que faz a obra, senão a qualidade da obra feita. Donde, propriamente falando, é um hábito operativo.

E contudo convém em algo com os hábitos especulativos. Pois, também a estes importa o modo de ser do objecto considerado, mas não como se comporta o apetite humano em relação a ele. Assim, desde que o geómetra demonstre a verdade, pouco importa como se comporte quanto à parte apetitiva, se está alegre ou irado, e o mesmo se dá com o artífice, segundo já se disse. Donde, a arte supõe a noção de virtude do mesmo modo que os hábitos especulativos, pois, nem estes e nem aquela fazem a obra boa quanto ao uso — o que é próprio da virtude que aperfeiçoa o apetite mas só quanto à faculdade de agir rectamente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A má obra artística de quem possui uma arte não provém desta, mas é antes contra ela, do mesmo modo que quem mente, sabendo qual é a verdade, não fala de acordo, mas contra a sua ciência. Donde, assim como a ciência sempre diz respeito ao bem, conforme já dissemos 4, assim também a arte, que por isso é considerada virtude. Afasta-se entretanto da noção perfeita de virtude, porque não produz o bom uso, em si, para o que é necessária outra condição, embora o bom uso não possa existir sem a arte.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como a boa vontade, aperfeiçoada pela virtude moral é necessária para o homem usar bem da sua arte, o Filósofo diz que há virtude moral na arte, na medida em que uma certa virtude moral é necessária para o bom uso da mesma. Pois é manifesto que o artífice, pela justiça, que torna a vontade recta, se inclina a fazer uma obra fiel.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Mesmo no que é especulativo entra algo de prático, de certo modo, p. ex., a construção de um silogismo ou de uma oração congruente, ou a acção de numerar ou medir. E portanto, todos os hábitos especulativos ordenados a essas operações da razão chamam-se, por semelhança, artes liberais, para se diferençarem das artes ordenadas às obras exercidas pelo corpo, que são, de algum modo, servis, pois estar o corpo servilmente sujeito à alma, e ser o homem, pela alma, livre. Ao passo que as ciências não ordenadas a nenhuma dessas obras, se chamam absolutamente, ciências e não artes. Nem é necessário, por serem as artes liberais mais nobres, que mais se lhes adapte a noção de arte.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. II De libero arbítrio (cap. XIX).
2. VI Ethic. (lect. IV).
3. VI Ethic. (lect. III).
4. Q. 57, a. 2 ad 3.


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