Alguém
amigo, comentava há uns dias comigo que não percebia porque é que no inicio da
caminhada de fé, a oração era fácil, a alegria era sempre presente, as
consolações eram muitas, o mundo, a vida, tudo lhe parecia tudo bom, e agora,
passado um tempo, tornava-se difícil a oração, muitas vezes a tristeza atacava,
em tantas coisas se deparava com o mal.
Às
vezes quase apetecia desistir, porque a luta era muita, e se deixasse a vida
prosseguir sem se preocupar com a comunhão com Deus e com os outros, tudo seria
muito mais fácil.
Não
entendia porque é que por causa de tudo isto, às vezes até se revoltava
“contra” Deus!
Ao
tentar responder a estas inquietações, foi-me inspirada a seguinte resposta que
aqui deixo para reflexão.
O
caminho de Deus é uma aprendizagem, com tudo o que implica aprender, desde a
consolação, ao desânimo, passando muitas vezes por uma falta de acreditar em
nós próprios, nos outros e até em Deus.
Quando
uma criança nasce, é rodeada de carinho, de ternura, e tudo o que ela faz é
objecto de compreensão, até de alegria, (até mesmo coisas que parecem “más”),
ou seja, quantas vezes as mães não se alegram porque o bebé sujou as fraldas, o
que é sinal que tudo está bem...
Assim
o bebé é só consolações, tudo o que faz é bem aceite e fonte de alegria, está
totalmente protegido para que nada de mal lhe aconteça. Tudo quanto sejam
agressões ao seu bem-estar são imediatamente afastadas porque a sua
ligação/comunhão com os pais é total e permanente.
Mas
depois começa a crescer e já se aventura a decidir algumas coisas por si só,
sem atender àquilo que os pais lhe dizem, e começam as "dores",
(porque mexeu no lume e se queimou), porque fez isto ou aquilo e lá chegam
também as primeiras reprimendas.
Continua
a crescer e cada vez mais acha que já sabe tudo, há até um momento em que se
quer afastar dos pais, por achar que aquilo que lhe dizem não serve a sua vida.
Agora
muitas vezes os erros são maiores e as suas consequências mais pesadas.
Por
vezes sente um desejo enorme de se recolher nos braços dos pais, mas o orgulho
e muitas vezes uma sensação de culpa, de vergonha, impede-o de o fazer, ou de
ser inteiramente verdadeiro com eles, acatando aquilo que eles lhe dizem para o
seu bem.
E
a vida vai continuando e as coisas boas vão alternando com as menos boas e vai
descobrindo que afinal as coisas que os pais lhe diziam eram coisas boas, e até
as vai ensinando aos seus filhos.
À
medida que se vai aproximando da idade mais avançada vai-se dando conta de que
tem de confiar naqueles que o amam e assim vai-se deixando conduzir, ajudar, e
vai redescobrindo as alegrias e consolos de esperar e confiar em alguém que o
ama verdadeiramente e o ajuda a viver a sua vida.
Claro
que esta descrição é a de uma vida em termos gerais, que acontece, mais
parecida ou menos parecida, com muitas pessoas.
Com
certeza já reparaste na similitude daquilo que te quero dizer.
Nesta
vida voltada para Deus, ao princípio tudo são consolações, alegrias,
descobertas, sentimo-nos protegidos, parece que nenhum mal nos pode acontecer e
isso porque a nossa vida é então uma descoberta e é sobretudo uma oração
constante, uma constante comunhão com Deus, na Eucaristia, na Confissão, na
entrega, enfim, não queremos viver mais nada.
Em
tudo O queremos encontrar, em tudo seguimos a Sua Palavra, o mal nada pode
contra nós, e espantamo-nos como é possível que os outros não percebam esta
maravilha, não queiram viver esta descoberta, esta vida cheia e plena.
Mas
depois há que descer do Tabor!
É
Ele mesmo que quer que comecemos a enfrentar a vida do dia a dia, que
enfrentemos o mal que corre o mundo, e então começamos a reparar em tanta coisa
má que acontece e questionamo-nos, perguntamos-Lhe até: Como é possível, porque
deixas isto acontecer!!!
E
Ele na Sua bondade infinita vai-nos mostrando às vezes dolorosamente que não
interfere na nossa liberdade e por isso aquilo que fazemos sem pensarmos tem as
suas consequências.
É
o tempo de crescimento, de percebermos que temos também a nossa parte para
fazer, a nossa vida a construir.
Então
por vezes o nosso arrebatamento já não é tão intenso, o nosso acreditar tão
real, e assim isso reflecte-se na nossa entrega, na nossa oração, na nossa
comunhão.
Ai
as dores de crescimento!
Estou
a ver os meus filhos a barafustarem quando mais pequenos começaram a comer a
sopa com "coisinhas" como eles diziam, ou seja, com bocados de batata
ou legumes...
Não
queriam a sopa assim! Queriam-na sempre moída, mais fácil de comer, sem dar
trabalho!
E
nós também somos assim!
Antes
a oração fluía, a alegria era constante, tudo era fácil e nós nem conseguíamos
descortinar as coisas más, pois passavam-nos ao lado.
Mas
agora, Santo Deus, parece que o mal nos entra pelos olhos adentro, parece que
envolve a nossa vida, e temos dores e dificuldades e não conseguimos rezar, não
queremos comer a sopa com "coisinhas"...
Mas
Ele sabe que nós precisamos desse crescimento, para nos fortalecermos, para
podermos enfrentar todas as dificuldades, contrariedades, provações que vão
chegando conforme o mundo se torna mais egoísta e a nossa idade vai avançando e
tornando mais penoso o nosso viver.
A
Fé está lá, mas parece não querer dar sinais de vida, parece que o alimento que
lhe damos não chega...
É
o tempo de lutar, lutar contra nós próprios, lutar contar tudo aquilo que dentro
de nós grita: Desiste, não vale a pena!
Lutar
sempre! Se não consigo rezar o terço, digo apenas: Senhor Jesus Cristo, tem
piedade de mim pecador!
E
repito e volto a repetir sempre em todo o momento porque Ele me ouve, e sente a
minha angústia, porque Ele não deixa de me responder!
Lembramo-nos
então daquilo que Ele nos dizia quando começámos nesta vida e percebemos que já
nessa altura Ele nos avisava dos perigos que estavam para vir, das dificuldades
que havíamos de viver...
E procuramos mais comunhão, mais entrega, com mais perseverança, na confiança e
na esperança de que Ele nos está a provar, porque nos ama com amor infinito e
nos quer preparar para o que há-de vir: «Vigiai,
pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Ficai sabendo isto: Se
o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e
não deixaria arrombar a casa.» Mt 24, 42-43
E
então louvamos!
Louvamos
por estas dificuldades, por estas provações e acabamos por não as entender como
um mal, mas sim como um bem que nos ajuda a crescer.
E
Ele responde-nos e exorta-nos à luta constante, exorta-nos a darmos testemunho
dessa luta para que aqueles que a estão a viver saibam e percebam que é na
perseverança, na comunhão de oração que Ele responde, mesmo que pareça
escondido de nós...
Então
passada a luta, (quanto tempo demorará?), Ele vem, toma-nos ao Seu colo e
diz-nos cheio de amor: Descansa agora nos meus braços de eternidade e goza o
louvor e a alegria para sempre!
Monte
Real, 4 de Fevereiro de 2008
Nota:
Por vezes "revisito" textos que escrevi e encontro neles o que precisava no momento. Este texto, hoje, deu-me o que precisava ... hoje.
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