18/10/2013

Tratado das paixões da alma 113




Questão 46: Da ira em si mesma


Art. 3 — Se a ira tem sua sede no concupiscível.


(III Sent., dist. XXVI, q. 1, a . 2).


O terceiro discute-se assim. — Parece que a ira tem a sua sede no concupiscível.

1. — Pois, como diz Túlio, a ira é uma espécie de desejo 1. Ora, o desejo, pertence ao concupiscível. Logo, também a ira.

2. Demais — Agostinho diz que a ira se transforma no ódio 2. E Túlio, no livro supra citado, que o ódio é a ira inveterada. Ora, o ódio, como o amor, tem a sua sede no concupiscível. Logo, também a ira.

3. Demais — Damasceno e Gregório Nisseno 3 dizem que a ira compõe-se da tristeza e do desejo. Ora, tanto este como aquele têm sua sede no concupiscível. Logo, também a ira.

Mas, em contrário. — A potência concupiscível é diferente da irascível. Se pois a ira pertencesse ao concupiscível, a potência irascível não tiraria dela a sua denominação.

Como já dissemos 4, as paixões do irascível diferem das do concupiscível, por serem os objectos destas o bem e o mal absolutos, ao passo que os objectos daquelas são o bem e o mal acompanhados de certa dificuldade ou arduidade. Ora, como já dissemos 5, a ira visa dois termos: a vindicta que deseja, e a pessoa de quem quer tirá-la. E em ambos esses casos ela requer uma certa arduidade, pois o seu movimento não se manifesta senão com uma certa grandeza relativamente a esses dois termos, pois, como diz o Filósofo, às coisas nulas ou muito pequenas não lhes damos nenhum valor 6. Donde é manifesto, que a ira não tem sua sede no concupiscível, mas, no irascível.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Túlio denomina desejo o apetite de qualquer bem futuro, sem levar em conta as condições de árduo ou não árduo. E, a esta luz, inclui a ira no desejo, como desejo que é da vingança. E assim o desejo é comum ao irascível e ao concupiscível.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Diz-se que a ira se transforma no ódio, não porque a mesma paixão, numericamente, que era antes ira, venha a ser, em seguida, quando inveterada, o ódio, mas, isso se dá em virtude da causalidade. Pois a ira, quando diuturna, causa o ódio.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz-se que a ira se compõe da tristeza e do desejo, não como partes, mas como causas. Pois, como já dissemos 7, as paixões do concupiscível são as causas das do irascível.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. IV De tuscul. Quaestion. (cap. IX).
2. In Regula.
3. Nemésio, De nat. hom.
4. Q. 23, a. 1.
5. Q. 46, a. 2.
6. II Rhetoric. (cap. II).
7. Q. 24, a. 2.


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