Em
seguida, devemos tratar da ira. — E, primeiro, da ira em si mesma. Segundo, da
causa produtiva da ira e do seu remédio. Terceiro, do seu efeito.
Sobre
a primeira questão oito artigos se discutem:
Art.
1 — Se a ira é uma paixão especial.
Art.
2 — Se o objecto da ira é o mal.
Art.
3 — Se a ira tem sua sede no concupiscível.
Art.
4 — Se a ira é acompanhada da razão.
Art.
5 — Se a ira é mais natural que a concupiscência.
Art.
6 — Se a ira é mais grave que o ódio.
Art.
7 — Se a ira só tem por objecto os susceptíveis de justiça.
Art.
8 — Se Damasceno assinala convenientemente três espécies de ira, a saber: o
fel, a mania e o furor.
Art. 1 — Se a ira é uma
paixão especial.
(Supra, q. 23, a . 4, III
Sent., dist. XXVI, q. 1, a . 3).
O
primeiro discute-se assim. — Parece que a ira não é uma paixão especial.
1.
— Pois, da ira tem a sua denominação a potência irascível. Ora, a esta
pertence, não só uma, mas muitas paixões. Logo, a ira não é uma paixão
especial.
2.
Demais — Cada paixão especial tem a sua contrária, como verá claramente quem as
examinar uma por uma. Ora, não há nenhuma paixão contrária à ira, como já se
disse 1. Logo, não é uma paixão especial.
3.
Demais — Uma paixão especial não inclui outra. Ora, a ira inclui muitas
paixões, pois vai de mescla com a tristeza, com a esperança e com o prazer,
como se vê claramente no Filósofo 2. Logo, não é uma paixão
especial.
Mas,
em contrário, Damasceno considera a ira como uma paixão especial 3,
e semelhantemente Túlio 4.
Uma expressão ser geral pode de dois modos. Ou como predicação, e assim a
palavra animal aplica-se geralmente a todos os animais, ou como causa, e assim
o sol é a causa geral de tudo o que se produz nos seres da terra, segundo
Dionísio 5. Ora, assim como o género contém, potencialmente, muitas
diferenças, quanto à semelhança da matéria, assim a causa agente, muitos
efeitos quanto à virtude activa. Um efeito porém pode ser produzido pelo
concurso de diversas causas. E como toda causa permanece, de certa maneira, no
seu efeito, podemos também dizer, de um terceiro modo, que o efeito, produzido
pela reunião de muitas causas, tem uma certa generalidade, enquanto as encerra,
de certo modo, actualmente.
Donde,
do primeiro modo, a ira não é uma paixão geral, mas entra na mesma divisão que
as outras, como já dissemos 6. — E nem do segundo. Pois, não é a
causa das outras paixões, ao passo que, deste modo, podemos considerar o amor
como uma paixão geral, segundo vemos claramente em Agostinho 7,
pois, ele é a raiz primeira de todas as paixões, como já dissemos 8.
Num terceiro modo porém, a ira pode ser considerada paixão geral, enquanto
causada pelo concurso de muitas paixões. Pois, o movimento da ira não se manifesta
senão porque sofremos alguma tristeza e porque nos está presente o desejo e a
esperança de nos vingarmos, porquanto, no dizer do Filósofo, o irado nutre a
esperança de se vingar, pois, deseja a vindicta como lhe sendo possível 9.
Donde, se for muito avantajada a pessoa que nos causou um mal, não dará lugar à
ira, mas só à tristeza, como diz Avicena 10.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A potência irascível recebe da ira a sua
denominação, não que todos os movimentos dessa potência se reduzam a ela, mas
porque todos nela acabam, ora, entre todos os referidos movimentos este é o
mais manifesto.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Por isso mesmo é que a ira é causada por paixões contrárias, a
saber, pela esperança, que visa o bem, e pela tristeza, que visa o mal, ela
inclui em si a contrariedade, por isso não tem contrário. Como também as cores
médias não têm contrariedade senão a que resulta das cores simples que as
causam.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A ira inclui muitas paixões, não, certo, como o género inclui as
espécies, mas antes, como a causa contem o efeito.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1.
Q. 23, a. 3.
2. II Rhetoric. (cap. II).
3. Lib. II Orth. Fid., cap. XVI.
4. IV De tuscul. Quaestion.
(cap. VII).
5.
IV cap. De div. nom. (lect. III).
6.
Q. 23, q. 4.
7.
XIV De civit. Dei (cap. VII).
8.
Q. 27, a. 4.
9.
II Rhetoric. (cap. II).
10.
De anima (lib. IV, cap. VI).
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