12/10/2013

Tratado das paixões da alma 107
















Questão 45: Da coragem

Em seguida devemos tratar a coragem. E sobre esta questão quatro artigos se discutem:

Art. 1 — Se a coragem é contrária ao temor.
Art. 2 — Se a coragem resulta da esperança.
Art. 3 — Se a deficiência pode ser causa da coragem.
Art. 4 — Se os corajosos são mais audazes antes dos perigos do que depois de estarem neles.

Art. 1 — Se a coragem é contrária ao temor.

(Supra, q. 23, a. 2).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a coragem não é contrária ao temor.


1. — Pois, como diz Agostinho, a coragem é um vício 1. Ora, o vício é contrário à virtude. Logo, não sendo o temor virtude, mas paixão, a coragem não lhe é contrária.

2. Demais — A unidade é contrária à unidade. Ora, a esperança é contrária ao temor. Logo, não o é o temor.

3. Demais — Uma paixão exclui a sua oposta. Ora, a segurança é a excluída pelo temor, pois, como diz Agostinho, o temor vela pela sua segurança 2. Logo, a segurança é contrariada pelo temor e não pela coragem.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a coragem é contrária ao temor 3.

Está na natureza dos contrários distarem entre si no máximo grau 4, como diz Aristóteles. Ora, o que dista em máximo grau do temor é a coragem. Pois, aquele receia o dano futuro, por causa da vitória deste sobre a pessoa que teme, ao passo que a coragem afronta o perigo iminente, por causa da sua vitória sobre o próprio perigo. Donde e manifestamente, a coragem é contrária ao temor.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A ira, a coragem e os nomes de todas as paixões podem ser tomados em dupla acepção. Numa, enquanto implicam, absolutamente, o movimento do apetite sensitivo para algum objecto bom ou mau, e nesse sentido designam paixões. Noutra, enquanto simultaneamente com esse movimento, implicam desvio da ordem da razão, e nesse sentido designam vícios. Ora, é nesta última acepção que Agostinho toma a coragem, ao passo que nós a tomamos na primeira.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Não pode haver pluralidade de contrários à unidade, tomada num mesmo sentido, mas nada impede que tal se dê quando ela é tomada em sentidos diversos. E assim, como já dissemos 5, as paixões do irascível têm dupla contrariedade: uma, pela oposição do bem e do mal, e assim o temor é contrário à esperança, outra, pela de aproximação e afastamento, e assim a coragem é contrária ao temor, ao passo que a esperança o é ao desespero.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A segurança não significa nada de contrário ao temor, mas só a exclusão deste, pois, dizemos que está seguro quem não teme. Donde, a segurança opõe-se ao temor, como privação, a coragem, porém, como contrário. Ora, como este inclui em si a privação, assim a coragem inclui a segurança.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Lib. LXXXIII Quaestion. (quaest. XXX, XXIV).
2. II Confess. (cap. VI).
3. II Rhetoric. (cap. V).
4. X Metaph. (lect. V).
5. Q. 23, a. 2, q. 40, a. 4.


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