Questão 35: Da dor e da tristeza em si mesmas.
Art. 6 — Se o evitamento da tristeza é mais veemente que o desejo do prazer.
(IIª-IIªº, q. 138, a. 1, III Sent., dist. XXVII, q. 1, a. 3, ad 3, IV, dist. XLIX, q. 3, a. 3, qª 3).
O
sexto discute-se assim. — Parece que o evitar da tristeza é mais veemente que o
desejo do prazer.
1. — Pois, diz Agostinho: Não há ninguém que não prefira evitar a dor a desejar o prazer 1. Ora, aquilo em que todos comumente consentem parece ser natural. Logo, é natural e conveniente preferir evitar a tristeza a desejar o prazer.
2.
Demais — A acção do contrário contribui para a rapidez e a intensidade do
movimento, assim, a água quente congela-se mais rápida e fortemente, como diz o
Filósofo 2. Ora, por lhe ser contrária é que o triste procura evitar
a tristeza, ao passo que o desejo do prazer não vem de nenhuma contrariedade
entre este e quem está triste, mas antes, procede da conveniência com aquele
que se deleita. Logo, evitar a tristeza supera em intensidade o desejo do
prazer.
3.
Demais — Quanto mais forte for a paixão que superarmos, pelo esforço da razão,
tanto mais dignos de louvor e virtuosos seremos, porque, como diz Aristóteles,
a virtude versa sobre o difícil e bom 3. Ora, o forte, que resiste
ao movimento conducente a evitar a dor, é mais virtuoso que o sóbrio que
resiste ao movimento conducente a desejar o prazer, pois, como diz o Filósofo,
os fortes e os justos são sobretudo os honrados 4. Logo, mais
veemente é o movimento pelo qual evitamos a tristeza, do que aquele que nos
leva a desejar o prazer.
Mas,
em contrário. — O bem é mais forte que o mal, como se lê claramente em Dionísio
5. Ora, o prazer é desejável por causa do bem, seu objecto, ao passo
que por causa do mal é que procuramos evitar a tristeza. Logo, o desejo do
prazer é mais forte que o evitar a tristeza.
Em si mesmo considerado, o desejo do prazer é mais forte que o evitar a
tristeza. — E a razão é que a causa do prazer é o bem conveniente, ao passo que
a da dor ou tristeza é algum mal repugnante. Ora, pode acontecer que um bem
seja conveniente sem nenhuma dissonância, mas não pode haver nenhum mal
repugnante totalmente, sem nenhuma conveniência. Donde, o prazer pode ser
íntegro e perfeito, enquanto a tristeza é sempre parcial, e por isso o desejo
do prazer é mais intenso que o evitar da tristeza. — A segunda razão é que o
bem, objecto do prazer é desejado por si mesmo, ao passo que o mal, objecto da
tristeza, deve ser evitado como privação que é, do bem. Ora, o existente por si
tem prioridade sobre o existente por outro. — E a prova disto se manifesta nos
movimentos naturais. Pois todo movimento natural é mais intenso no fim, quando
se aproxima do termo conveniente à sua natureza, do que no princípio, quando se
afasta do termo não conveniente à sua natureza. Assim, a natureza tende mais
intensamente ao conveniente, do que foge do repugnante. Portanto também a
inclinação da virtude apetitiva, em si mesma considerada, tende ao prazer com
maior veemência do que aquela com que evita a tristeza.
Mas
por acidente pode acontecer que fujamos da tristeza mais veementemente do que
desejamos o prazer. E isto por três razões. — A primeira funda-se na apreensão.
Pois, como diz Agostinho, o amor é mais sentido quando se põe de manifesto a
sua falta 6. Ora, da falta do bem amado procede a tristeza,
proveniente ou da perda desse bem ou da sua privação, causada por um mal
contrário. O prazer, ao contrário, não sofre privação do bem amado, mas repousa
no bem já alcançado. Ora, sendo o amor a causa do prazer e da tristeza, tanto
mais evitamos a esta, quanto mais ela nos faz sentir o amor, que lhe é
contrário. A segunda funda-se na causa da tristeza ou produtora da dor,
repugnante a um bem mais amado do que aquele com qual nos deleitamos. Assim
amamos mais a integridade natural do nosso corpo do que o prazer da comida. E
por isso, por medo da dor proveniente dos flagelos ou de outros castigos,
contrários à sã integridade do corpo, nos privamos do prazer da comida ou de
coisas semelhantes. — A terceira razão funda-se no efeito, i. é, enquanto a
tristeza impede não só um, mas todos os prazeres.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O dito de Agostinho, que a dor é evitada mais
veementemente que o prazer desejado, é verdadeiro acidental e não, essencialmente.
O que se torna claro pelo que acrescenta: às vezes vemos animais crudelíssimos
absterem-se dos maiores prazeres, por medo de dores, contrárias à vida, amada
por excelência.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Uma coisa se dá com o movimento procedente do interior e outra,
com o procedente do exterior. Aquele tende ao conveniente com maior veemência
do que se afasta do que lhe é contrário, como já o dissemos a respeito do
movimento natural. Mas o segundo se intensifica pela própria contrariedade,
porque cada ser se esforça, a seu modo, por resistir ao que lhe é contrário,
bem como para se conservar a si mesmo. Por isso o movimento violento intensifica-se
no princípio e remite-se no fim. Ora, o movimento da parte apetitiva tem
procedência interna, pois procede da alma para as coisas. E portanto, considerado
em si mesmo, o prazer é desejado com maior veemência do que a tristeza é
evitada. Porém o movimento da parte sensitiva procede do exterior, quase das
coisas para a alma, e por isso é mais sentido o que é mais contrário. E assim,
mesmo por acidente, na medida em que os sentidos são necessários para o prazer
e a tristeza, esta é evitada com maior veemência do que aquele é desejado.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — O homem forte não é louvado pela sua razão não ser vencida pela
dor ou por qualquer tristeza, senão por não ser vencida pela tristeza conexa
com o perigo de morte. Ora, esta evitamo-la com maior veemência do que
desejamos o prazer da comida ou o sexual, sobre os quais versa a sobriedade, do
mesmo modo, a vida é mais amada do que a comida ou o coito. Mas, o sóbrio é
mais louvado por não buscar os prazeres do tacto do que por não evitar as
tristezas contrárias, como está claro em Aristóteles 7.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. LXXXIII Quaestion.
(quaest. XXXVI).
2. I Meteor, lect. IV.
3. II Ethic., lect. III.
4. I Rhetoric., cap. IV.
5. IV cap. De
div. nom., lect. XVI.
6. X De Trin., cap. XIII.
7.
III Ethic., lect. XXI.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.