Em seguida devemos tratar da dor e da
tristeza.
E sobre esta questão temos que tratar,
primeiro, da tristeza ou dor em si mesma. Segundo, das suas causas. Terceiro,
dos seus efeitos. Quarto, dos seus remédios. Quinto, da sua bondade ou malícia.
Sobre a primeira questão oito artigos
se discutem:
Art. 1 — Se a dor é paixão da alma.
Art. 2 — Se a tristeza é dor.
Art. 3 — Se a dor contraria o prazer.
Art. 4 — Se a tristeza é
universalmente contrária ao prazer.
Art. 5 — Se alguma tristeza é
contrária ao prazer da contemplação.
Art. 6 — Se o evitar da tristeza é
mais veemente que o desejo do prazer.
Art. 7 — Se a dor externa é maior que
a dor interna do coração.
Art. 8 — Se Damasceno assinala
convenientemente quatro espécies de tristeza, a saber: a acedia, a ansiedade, a
misericórdia e a inveja.
Art.
1 — Se a dor é paixão da alma.
(II,
q. 84, a. 9, ad 2).
O primeiro discute-se assim. Parece
que a dor não é paixão da alma.
1. — Pois, não existe no corpo nenhuma paixão da alma. Ora, a dor pode nele existir, conforme aquilo de Agostinho: a chamada dor do corpo é a corrupção repentina da saúde daquilo que a alma, usando mal, sujeitou à corrupção 1. Logo a dor não é paixão da alma.
2. Demais — Toda paixão da alma reside
na potência apetitiva. Ora, a dor reside não nessa potência, mas, na
apreensiva, conforme Agostinho: a dor do corpo é causada pelo sentido que
reside num corpo mais poderoso 2. — Logo, a dor não é paixão da
alma.
3. Demais — Toda paixão da alma diz
respeito ao apetite animal. Ora, não a esse apetite, mas antes, ao natural é
que diz respeito a dor, conforme Agostinho: Se não restasse nenhum bem na
natureza, a dor não seria a pena do bem perdido 3. Logo, a dor não é paixão da
alma.
Mas, em contrário, Agostinho coloca a
dor entre as paixões da alma 4, baseado naquilo de Virgílio: Por
isso temem, desejam, alegram-se e sofrem 5.
Assim como o prazer requer
duas condições — a união com o bem e a percepção dessa união, assim também são duas
as exigidas pela dor — a mistura com algum mal que o é porque priva de algum
bem, e a percepção dessa mistura. Ora, se aquilo que se mistura não tiver, em
relação ao com que se mistura, a natureza de bem ou de mal, não pode causar
prazer nem dor. Donde é claro que o objecto do prazer e da dor é o apreendido
sob a noção de bem ou de mal. Ora, o bem e o mal como tais constituem o objecto
do apetite. Logo, é claro que o prazer e a dor dizem respeito ao apetite.
Ora, todo o movimento apetitivo ou
inclinação consecutiva à apreensão diz respeito ao apetite intelectivo ou
sensitivo. Pois, a inclinação do apetite natural não segue a apreensão do
apetente, mas, de outrem, como já dissemos na primeira parte 6. E
como o prazer e a dor pressupõem, no mesmo jeito, um sentido ou uma certa apreensão,
é manifesto que tanto esta como aquele existem no apetite intelectivo ou
sensitivo.
Ora, todo movimento do apetite
sensitivo se chama paixão, como já dissemos 7, e principalmente o
que implica algum defeito. Donde a dor, como existente no apetite sensitivo, se
chama muito propriamente paixão da alma, assim como as moléstias corpóreas
chamam-se propriamente paixões do corpo. E por isso Agostinho chama especialmente
sofrimento à dor 8.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Diz-se que a dor é corpórea porque a causa de dor está no corpo, assim,
quando sofremos algo que lhe é nocivo. Mas o movimento da dor sempre reside na
alma, pois o corpo não pode padecer dor se a alma não a sofre, como diz
Agostinho 9.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Diz-se que a dor
respeita ao sentido, não por ser acto da virtude sensitiva, mas porque é
necessária à dor corpórea, bem como ao prazer.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A dor, pela
perda de um bem, demonstra a bondade da natureza, não que a dor seja acto do
apetite natural, mas porque do sentir a natureza o aparta de algum objecto
desejado como bem, procede a paixão da dor no apetite sensitivo.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1.
De vera relig., cap. XII.
2.
De natura boni, cap. XX.
3. VII Super Genes. ad litter.,
cap. XIV.
4.
XIV De civ. Dei, cap. VIII.
5. Aened VI, vers 733.
6. Q. 103, a. 1, 3.
7.
Q. 22, a. 2, 3.
8.
XIV De civ. Dei (cap. VII).
9.
In psalm. LXXXVII, V. 4.
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