Questão 33: Dos efeitos do prazer
Art. 2 ― Se o prazer nos provoca o desejá-lo mais.
(IV Sent., dist. XLIX, q. 3, a. 2, ad 3, In Ioann., cap. IV, lect. II).
O
segundo discute-se assim. ― Parece que o prazer não nos provoca a desejá-lo
mais.
1. ― Pois, todo movimento cessa uma vez chegado ao repouso. Ora, o prazer é um quase repouso do movimento do desejo, como já se disse. Logo, o movimento do desejo cessa quando chega ao prazer. Portanto, este não provoca o desejo.
2.
Demais. ― Dois contrários não são causa um do outro. Ora, o objecto do prazer
de certo modo opõe-se ao do desejo, pois este tem por objecto o bem ainda não
adquirido, aquele, o bem já possuído. Logo, o prazer não nos provoca desejá-lo
mais.
3.
Demais. ― O fastio repugna ao desejo. Ora, o prazer muitas vezes causa fastio.
Logo, não nos provoca desejá-lo mais.
Mas,
em contrário, diz o Senhor (Jo 4, 13): Todo aquele que bebe desta
água torna a ter sede. Água significa, neste passo, segundo Agostinho 1,
o prazer corpóreo.
O prazer pode ser considerado sob duplo aspecto: como actual e como existente
apenas na memória. Também a sede ou desejo pode ser considerada a dupla luz: em
sentido próprio, enquanto implica o desejo de um objecto ainda não possuído, e
em sentido comum, enquanto importa a exclusão do fastio.
Como
actual, o prazer não nos provoca a sede ou desejo do mesmo, propriamente
falando, mas só por acidente, dado que a sede ou desejo seja o apetite de um objecto
ainda não possuído. Pois, o prazer é um afecto do apetite relativo a um objecto
presente. Ora, este pode não ser possuído perfeitamente, quer por parte desse
próprio objecto, quer por parte de quem o possui. ― O primeiro caso dá-se quando
o objecto não é possuído total e simultaneamente mas, nós recebemo-lo
sucessivamente, e então, deleitando-nos com o que já possuímos, desejamos
possuir o que resta, assim, ouvindo com prazer a primeira parte de um verso,
desejamos ouvir a outra parte, como diz Agostinho 2. E, deste modo,
quase todos os prazeres corpóreos nos provocam a sede de gozá-los mais e mais,
até que sejam consumados, e isso, porque esses prazeres são consequentes a um
certo movimento, como bem o mostram os da mesa. ― O segundo caso dá-se quando
não possuímos imediata e perfeitamente, mas adquirimos paulatinamente um objecto
que, de si, existe de modo perfeito. Assim, neste mundo, deleitamo-nos quando
percebemos imperfeitamente algo sobre o conhecimento divino, e esse mesmo
debate provoca a sede ou o desejo do conhecimento perfeito, e podemos assim
compreender o passo da Escritura (Ecl 24, 29): os que me bebem terão
ainda sede.
Se
porém por sede ou desejo entendermos só a intensidade do afecto que exclui o
fastio, então os prazeres espirituais são os que, por excelência nos provocam a
sede ou o desejo de gozá-los mais e mais. Pois os prazeres corpóreos tornam-se
fastidiosos ― como bem o demonstram os da mesa ― quando, por aumento e
continuidade, produzem a super-excrescência do hábito natural. Donde, uma vez
chegados ao gozo perfeito dos prazeres corpóreos, enfastiamo-nos deles, e às
vezes desejamos outros. Os prazeres espirituais, pelo contrário, não produzem a
super-excrescência do hábito natural, antes, aperfeiçoam a natureza. E por
isso, quando consumados, se tornam mais deleitáveis, salvo quando por acidente
a actividade contemplativa é acompanhada de certas operações das virtudes
corpóreas que cansam pela sua continuidade. E deste modo, podemos também
compreender o passo da Escritura (Ecle 24, 29): os que me bebem
terão ainda sede, pois também dos anjos, que conhecem a Deus perfeitamente e
nele se deleitam, diz a Escritura (1 Pd 1, 12): ao qual os mesmos
anjos desejam ver.
Se
porém considerarmos o prazer enquanto existente na memória e não actualmente,
então, por natureza, ele provoca que cada vez dele tenhamos mais sede e desejo,
o que bem se vê quando voltamos àquela disposição em que o passado nos era
deleitável. Se porém sofremos uma mudança em virtude dessa disposição, já então
a lembrança do prazer não nos causa prazer, mas fastio, assim, a lembrança da
comida para quem está farto.
DONDE
A RESPOSTA Á PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Quando o prazer é perfeito causa um repouso
completo e cessa o movimento do desejo tendente ao objecto ainda não possuído.
Quando porém é possuído imperfeitamente, o movimento não cessa totalmente.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― O que é possuído imperfeitamente sob certo aspecto é possuído e,
sob outro, não. E por isso podem simultaneamente referir-se-lhe o desejo e o
prazer.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Os prazeres causam, sob certo ponto de vista, o fastio e, sob
outro, o desejo, como já dissemos.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. In Ioan., tract. XV.
2. IV Confess., cap. XI.
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