13/06/2013

Tratado das paixões da alma 50



Questão 32: Da causa do prazer

Art. 8 ― Se a admiração é causa de prazer.







O oitavo discute-se assim. ― Parece que a admiração não é causa de prazer.


1. ― Pois, admirar é próprio da natureza ignorante, como diz Damasceno 1. Ora, a ignorância não é deleitável, mas antes, a ciência. Logo, a admiração não é causa do prazer.

2. Demais. ― A admiração é o princípio da ciência, quase via para inquirir a verdade, como diz Aristóteles 2. Ora, contemplar o que já se conhece é mais deleitável do que perquirir o desconhecido, como diz o Filósofo 3, pois, isto acarreta dificuldades e obstáculos e aquilo, não, pois o prazer é causado por uma actividade sem obstáculos, como diz Aristóteles 4. Logo, a admiração não é causa do prazer, antes, lhe serve de obstáculo.

3. Demais. ― Todos nos deleitamos com aquilo com que estamos acostumados, e por isso as acções habituais, por estarmos acostumados com o que já adquirimos, são deleitáveis. Ora, não admiramos aquilo com o que estamos acostumados, como diz Agostinho 5. Logo, a admiração é contrária à causa do prazer.

Mas, em contrário, diz o Filósofo 6, que a admiração é causa de prazer.

Alcançar o que desejamos é deleitável, como já dissemos 7Donde, quanto maior for o desejo do objecto amado, tanto maior será o prazer causado pela sua aquisição. Além disso, o próprio aumento do desejo implica aumento do prazer, por implicar também a esperança de possuir o objecto amado, conforme já dissemos, quando explicamos que, pela esperança, o desejo próprio é deleitável. Ora, a admiração é o desejo de sabermos alguma coisa, o que se dá quando, vendo o efeito, ignoramos a causa, ou quando a causa de um determinado efeito nos excede o conhecimento ou a faculdade. Donde, a admiração é causa do prazer, enquanto é acompanhada da esperança de conseguir o que deseja saber. E por isso, todo o admirável é deleitável, como o que é raro e todas as representações das coisas, mesmo as que em si não são deleitáveis. Pois, a alma compraz em comparar uma coisa com outra, o que é acto próprio e conatural da razão, como diz o Filósofo 8. E também libertar-se de grandes perigos é mais deleitável porque é admirável, como diz Aristóteles 9.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― A admiração não é deleitável, quando acompanhada de ignorância, mas quando tem o desejo de conhecer a causa, e quando, quem admira conhece algo de novo i. é, se conhece como sendo diferente do que pensava ser.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O prazer implica duas condições: o repouso no bem e a percepção desse repouso. Quanto à primeira, sendo mais perfeito contemplar a verdade conhecida, que perquirir a desconhecida, a contemplação do que sabemos é em si mais deleitável que a perquirição do ignorado. Contudo, por acidente e quanto à segunda condição, pode suceder que às vezes inquirir seja mais agradável, quando a inquirição procede de um maior desejo, ora, o desejo maior é excitado pela percepção da ignorância. E por isso, nós nos deleitamos mais com o que pela primeira vez descobrimos ou conhecemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Aquilo de que temos costume é
-nos deleitável, no agir, como nos sendo quase conatural. Contudo as coisas raras podem ser agradáveis, que em razão do conhecimento, por desejarmos o conhecimento delas como nos sendo admirável, quer em razão da acção, pois, pelo desejo mais se inclina a mente a agir intensamente em relação ao que é novo, como diz Aristóteles 10. Ora, acção mais perfeita causa prazer mais perfeito.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Lib. II, cap. XXII.
2. Metaph., lect. III.
3. X Ethic., lect. X.
4. VII Ethic., lect. XII, XIII.
5. Super Ioan., tract. XXIV.
6. I Rhetoric., cap. XI.
7. Q. 23, a. 4.
8. Poetica, cap. IV.
9. I Rhetoric., cap. XI.
10. X Ethic., lect. VI.

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