Questão 32: Da causa do prazer
Art. 6 ― Se fazer bem a outrem é causa de prazer.
O sexto discute-se assim. ― Parece que fazer bem a outrem não é causa de prazer.
1. ― Pois, o prazer é causado pela consecução do bem próprio, como já foi dito 1. Ora, fazer bem não concerne à consecução, mas antes, ao dispêndio do bem próprio. Logo, é antes causa de tristeza que de prazer.
2.
Demais. ― O Filósofo diz, que o egoísmo é mais conatural ao homem que a
prodigalidade 2. Ora, a esta pertence fazer bem aos outros, e àquele
é próprio deixar de o fazer. Ora, como a acção que a cada um de nós é conatural
é deleitável, conforme Aristóteles 3, resulta que fazer bem aos
outros não é causa de prazer.
3.
Demais. ― Efeitos contrários procedem de causas contrárias. Ora, certos actos,
que consistem em fazer mal aos outros, são-nos naturalmente deleitáveis, como
vencer, repreender ou increpar os outros, e também, para os irados, punir,
conforme diz o Filósofo 4. Logo, fazer bem é antes causa de tristeza
que de prazer.
Mas,
em contrário, diz o Filósofo que, é agradabilíssimo ser liberal para com os
amigos ou estranhos e auxiliá-los 5.
Fazer o bem a outrem pode ser causa de prazer, por tríplice razão. ―
Primeira, por comparação com o efeito, que é o bem praticado para com outrem. E
neste sentido, reputando como nosso próprio o bem de outrem, pela união do
amor, deleitamo-nos com o bem que lhe fazemos, sobretudo aos amigos, como com o
bem que nos é próprio. ― Segunda, por comparação com o fim, assim quando
fazendo bem a outrem, esperamos conseguir um bem para nós mesmos, da parte de
Deus ou dos homens, ora, a esperança é causa de prazer. ― Terceira, por
comparação com um princípio tríplice. Um é a faculdade de fazer bem, pela qual
se nos desperta uma certa imaginação de algum bem abundantemente existente em
nós, que podemos comunicar aos outros. E por isso, nós nos deleitamos com os
filhos e as próprias obras, como com aquilo ao que comunicamos o nosso bem
próprio. Outro princípio é o hábito, que nos inclina a fazer bem, e que nos
torna conatural esse acto, e é por isso que os liberais dão aos outros
liberalmente. O terceiro é um princípio motor, assim, quando somos movidos, por
quem amamos, a fazer-lhe bem, pois tudo o que fazemos ou sofremos por causa de
um amigo nos é deleitável, porque o amor é a principal causa do prazer.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Despender o que é nosso, enquanto manifesta o
bem próprio, é deleitável. Mas, enquanto dispêndio, sobretudo imoderado, pode
ser causa de tristeza.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A prodigalidade implica um dispêndio imoderado, que repugna à
natureza, por isso se diz que ela é contra a natureza.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Vencer, repreender e punir não são actos deleitáveis enquanto
implicam o mal de outrem, mas enquanto dizem respeito ao bem próprio, que
amamos mais do que odiamos o mal de outrem. ― Assim, vencer é naturalmente
agradável porque nos leva à estima da nossa própria excelência. E por isso, de
todos os jogos os mais deleitáveis são aqueles em que há luta e que podem
proporcionar vitória, e em geral, todas as lutas promissoras da esperança da
vitória. ― Repreender e increpar pode ser, de dois modos, causa de prazer.
Primeiro, porque desperta em nós a imaginação da sabedoria e da excelência
própria, pois increpar e corrigir é próprio dos prudentes e mais velhos.
Segundo, porque, increpando e repreendendo, fazemos bem a outrem, e isso é
deleitável, como já dissemos. ― Quanto ao homem irado, é-lhe agradável o punir,
porque lhe parece, assim, remover um aparente rebaixamento, proveniente de uma
ofensa precedente. Porque ao ofendido lhe parece sofrer assim um rebaixamento,
e por isso deseja libertar-se deste, retribuindo a ofensa. ― Donde é claro, que
fazer bem a outrem pode, em si mesmo, ser deleitável, ao passo que fazer mal
aos outros não é deleitável senão enquanto o consideramos como incluindo o bem
próprio.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 32, a. 1, 5, q. 31, a. 1.
2. IV Ethic., lect. V.
3. VII Ethic., lect. XIV et X,
lect. VI.
4.
I Rhetor., cap. XI.
5.
II Polit., lect. IV.
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