05/06/2013

Tratado das paixões da alma 42



Questão 31: Do prazer em si mesmo.

Art. 8 ― Se um prazer pode ser contrário a outro.







O oitavo discute-se assim. ― Parece que um prazer não pode ser contrário a outro.


1. ― Pois, as paixões da alma se especificam e se opõem pelos seus objectos. Ora, o objecto do prazer é o bem. E como não há bem contrário a outro bem, antes, o bem é contrário ao mal e o mal, ao bem, como diz Aristóteles 1, conclui-se que nenhum prazer é contrário a outro.

2. Demais. ― Uma coisa só tem uma contrariedade, como prova Aristóteles 2. Ora, ao prazer é contrária a tristeza. Logo, um prazer não é contrário a outro.

3. Demais. ― Só pela contrariedade de objectos com que nos deleitamos pode um prazer contrariar a outro. Ora, tal diferença é material, ao passo que a contrariedade em questão é uma diferença formal, como diz Aristóteles 3. Logo, não há contrariedade entre um prazer e outro.

Mas, em contrário. ― Coisas do mesmo género e que se excluem, são contrárias, segundo o Filósofo. Ora, certos prazeres excluem outros, como diz o mesmo autor 4. Logo, há prazeres contrários.

Como já dissemos 5, o prazer dos afectos da alma é comparável ao repouso dos corpos naturais. Ora, dois corpos naturais repousam, de modo contrário, quando um repousa na parte superior e outro, na inferior, como diz Aristóteles 6. Donde, nos afetos da alma, dois prazeres podem ser contrários.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― A expressão citada do Filósofo, deve entender-se no sentido que o bem e o mal se referem às virtudes e aos vícios, assim, dois vícios podem ser contrários, mas não, duas virtudes. Nos demais casos porém nada impede dois bens se contrariem, assim, o quente, bem do fogo, é contrário ao frio, bem da água. E deste modo, um prazer pode ser contrário a outro. Mas nos bens da virtude isso não se pode dar, porque o bem da virtude é considerado por conveniência com a regra una da razão.

REPOSTA À SEGUNDA. ― O prazer é para afectos da alma, o que o repouso natural é para os corpos, pois respeita algo de conveniente e quase conatural. Assim, a tristeza é como um repouso violento, pois o que contrista repugna ao apetite animal, como o lugar do repouso violento repugna ao apetite natural. Ao repouso natural porém opõem-se tanto o repouso violento do mesmo corpo como o de outro, conforme Aristóteles 7. Donde, a um prazer se opõem tanto outro prazer, como a tristeza.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Os objectos com que nos deleitamos, sendo objectos dos prazeres, produzem não só a diferença material mas também a formal, se forem diversas as razões da complacência. Pois a natureza diversa do objecto diversifica a espécie do acto ou da paixão, como do sobredito resulta 8.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Praedicamentis cap. VIII.
2. X Metaph., lect. V.
3. X Metaph., lect. V.
4. X Metaph. Lect. VII.
5. Q. 23, a. 4.
6. V Physic., lect. X.
7. V Physic., lect. X.
8. Q. 23, a. 1, 4, q. 30, a. 2.

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