A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
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Evangelho: Jo 9, 24-41
24
Tornaram, pois, a chamar o homem que tinha sido cego e disseram-lhe: «Dá glória
a Deus! Nós sabemos que esse homem é um pecador». 25 Então disse-lhes ele: «Se
é pecador, não sei; o que sei é que eu era cego, e agora vejo». 26 Disseram-lhe
pois: «Que é que Ele te fez? Como te abriu os olhos?». 27 Respondeu-lhes: «Eu
já vo-lo disse e vós não me destes atenção; porque o quereis ouvir novamente?
Quereis, porventura, fazer-vos também Seus discípulos?». 28 Então,
injuriaram-no e disseram: «Discípulo d'Ele sejas tu; nós somos discípulos de
Moisés. 29 Sabemos que Deus falou a Moisés; mas Este não sabemos donde é». 30 O
homem respondeu-lhes: «É de admirar que vós não saibais donde Ele é, e que me
tenha aberto os olhos. 31 Nós sabemos que Deus não ouve os pecadores; mas quem
honra a Deus e faz a Sua vontade, esse é ouvido por Deus. 32 Desde que existe o
mundo, nunca se ouviu dizer que alguém abrisse os olhos a um cego de nascença. 33
Se Este não fosse de Deus, não podia fazer nada». 34 Responderam-lhe: «Tu
nasceste coberto de pecados e queres ensinar-nos?». E lançaram-no fora. 35
Jesus ouviu dizer que o tinham lançado fora e, tendo-o encontrado, disse-lhe:
«Tu crês no Filho de Deus?». 36 Ele respondeu: «Quem é, Senhor, para eu
acreditar n'Ele?». 37 Jesus disse-lhe: «Estás a vê-l'O; é Aquele mesmo que fala
contigo». 38 Então ele disse: «Creio, Senhor!». E O adorou. 39 Jesus disse: «Eu
vim a este mundo para exercer um justo juízo, a fim de que os que não vêem
vejam, e os que vêem se tornem cegos». 40 Ouviram isto alguns dos fariseus que
estavam com Ele, e disseram-Lhe: «Porventura também nós somos cegos?». 41 Jesus
disse-lhes: «Se vós fosseis cegos, não teríeis culpa; mas, pelo contrário, vós
dizeis: Nós vemos! E permanece o vosso pecado».
CRISTO QUE PASSA 174 a 187
174
A escola da oração
O
Senhor ter-vos-á feito descobrir muitos outros aspectos da correspondência fiel
da Santíssima Virgem, que por si mesmos já são um convite para que os tomemos
como modelo: a sua pureza, a sua humildade, a sua fortaleza, a sua
generosidade, a sua fidelidade... Eu gostaria de falar sobre um aspecto que
engloba todos os outros, porque é o clima do progresso espiritual, isto é, a
vida de oração.
Para
aproveitar a graça que nos concede a Nossa Mãe no dia de hoje e para secundar
também, em qualquer momento, as inspirações do Espírito Santo, pastor das
nossas almas, devemos estar seriamente comprometidos numa actividade que nos
leve a ter intimidade com Deus. Não podemos esconder-nos no anonimato, porque a
vida interior, se não for um encontro pessoal com Deus, não existe. A
superficialidade não é cristã. Admitir a rotina, na nossa luta ascética,
equivale a assinar a certidão de óbito da alma contemplativa. Deus procura-nos
um a um, e precisamos de Lhe responder um a um: eis-me aqui, pois Tu me
chamaste.
Oração,
sabêmo-lo todos, é falar com Deus. É possível, porém, que alguém pergunte:
falar, de quê? Do que há-de ser, senão das coisas de Deus e das que enchem o
nosso dia? Do nascimento de Jesus, do seu caminhar por este mundo, da sua vida
oculta e da sua pregação, dos seus milagres, da sua Paixão Redentora, da sua
Cruz e da sua Ressurreição... E na presença de Deus, Uno e Trino, tendo por
Medianeira Santa Maria e por advogado S. José, Nosso Pai e Senhor - a quem tanto
amo e venero - falaremos também do nosso trabalho de todos os dias, da família,
das relações de amizade, dos grandes projectos e das pequenas coisas sem
importância.
O
tema da minha oração é o tema da minha vida. Eu faço assim. E à vista da minha
situação concreta, surge naturalmente o propósito, determinado e firme, de
mudar, de melhorar, de ser mais dócil ao amor de Deus. Um propósito sincero,
concreto. E não pode faltar o pedido urgente, mas confiado, de que o Espírito
Santo nos não abandone, porque tu és, Senhor, a minha fortaleza.
Somos
cristãos correntes. Trabalhamos em profissões muito diferentes. Toda a nossa
actividade segue o caminho da normalidade. Tudo se desenvolve com um ritmo
previsível. Os dias parecem iguais, inclusivamente monótonos... Pois bem: esse
programa, aparentemente tão comum, tem um valor divino e é algo que interessa a
Deus, porque Cristo quer encarnar nos nossos afazeres, animando, a partir de
dentro, até as nossas mais humildes acções.
Este
pensamento é uma realidade sobrenatural, nítida, inequívoca; não é uma
consideração destinada a consolar ou a confortar aqueles que, como nós, não
conseguem gravar o seu nome no livro de oiro da História. Cristo interessa-se
por esse trabalho que devemos realizar - uma vez e mil vezes - no escritório,
na fábrica, na oficina, na escola, no campo, no exercício da profissão manual
ou intelectual. Interessa-lhe também o sacrifício oculto que fazemos para não
derramar sobre os outros o fel do nosso mau humor.
Recordai
na oração estes temas, aproveitai-os precisamente para dizer a Jesus que o
adorais, e assim, estareis a ser contemplativos no meio do mundo, no meio do
ruído da rua, em toda a parte. Essa é a primeira lição, na escola da intimidade
com Jesus Cristo. Dessa escola, Maria é a melhor professora, porque a Virgem
manteve sempre essa atitude de fé, de visão sobrenatural, perante tudo o que
sucedia à sua volta: conservava todas estas coisas ponderando-as no seu
coração.
Supliquemos
hoje a Santa Maria que nos torne contemplativos, que nos ajude a compreender os
contínuos apelos que o Senhor nos dirige, batendo à porta do nosso coração.
Peçamos-lhe: Mãe, tu trouxeste ao mundo Jesus, que nos revela o amor do nosso
Pai, Deus; ajuda-nos a reconhecê-lo, no meio das preocupações de cada dia; remove
a nossa inteligência e a nossa vontade, para que saibamos escutar a voz de
Deus, o impulso da graça.
175
Mestra de apóstolos
Mas
não penseis só em vós mesmos: dilatai o vosso coração até abarcar toda a
Humanidade. Pensai, antes de mais nada, naqueles que vos rodeiam - parentes,
amigos, colegas - e vede como podereis levá-los a sentir mais profundamente a
amizade com Nosso Senhor. Se se trata de pessoas honradas e rectas, capazes de
estarem habitualmente mais próximas de Deus, recomendai-as concretamente a
Nossa Senhora. E pedi também por tantas almas que não conheceis, porque todos
os homens estão embarcados na mesma barca.
Sede
leais, generosos. Fazemos parte de um só corpo, do Corpo Místico de Cristo, da
Igreja Santa, à qual estão chamados muitos que procuram nobremente a verdade.
Por isso temos obrigação estrita de manifestar aos outros a qualidade, a
profundidade do amor de Cristo. O cristão não pode ser egoísta. Se o fosse,
atraiçoaria a sua própria vocação. Não é de Cristo a atitude daqueles que se
contentam com conservar a sua alma em paz - falsa paz é essa... -
despreocupando-se dos bens dos outros. Desde que aceitemos o significado
autêntico da vida humana - que nos foi revelado pela fé - não podemos
sentir-nos satisfeitos, persuadidos de que nos comportamos bem pessoalmente, se
não fizermos com que os outros se aproximem de Deus, de maneira prática e
concreta.
Há
um obstáculo real para apostolado: o falso respeito, o temor de tocar temas
espirituais, a suspeita de que uma tal conversa não agradará em determinados
ambientes, o medo de ferir susceptibilidades. Quantas e quantas vezes esse
raciocínio não é mais do que a máscara do egoísmo!. Não se trata de ferir
ninguém, mas, pelo contrário, de servir. Embora sejamos pessoalmente indignos,
a graça de Deus torna-nos instrumentos para sermos úteis aos outros,
comunicando-lhes a boa nova de que Deus quer que todos os homens se salvem e
cheguem ao conhecimento da verdade.
E
será licito meter-se desse modo na vida das outras pessoas? É necessário.
Cristo meteu-se na nossa vida sem nos pedir autorização. Assim procedeu também
com os primeiros discípulos: passando, ao longo do mar da Galileia, viu Simão e
seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. E
disse-lhes Jesus: Segui-me, e eu vos farei pescadores de homens. Cada um de nós
mantém a liberdade, a falsa liberdade, de responder a Deus que não, como aquele
jovem carregado de riquezas,de quem nos fala S. Lucas. Mas o Senhor e nós - se
lhe obedecermos: ide e ensinai - temos. o direito e o dever de falar de Deus,
deste grande tema humano, porque o desejo de Deus é o mais profundo que nasce
no coração do homem.
Santa
Maria, Regina Apostolorum, rainha de todos aqueles que desejam dar a conhecer o
amor de teu filho: tu, que compreendes tão bem as nossas misérias, pede perdão
pela nossa vida, pelo que em nós poderia ter sido fogo e não passou de cinzas,
pela luz que deixou de iluminar, pelo sal que se tomou insípido. Mãe de Deus,
omnipotência suplicante: dá-nos juntamente com o perdão, a força de vivermos
verdadeiramente de fé e de amor, para podermos levar aos outros a fé de Cristo.
176
Uma única receita:
santidade pessoal
O
melhor caminho para nunca se perder a audácia apostólica, o afã eficaz de
servir todos os homens, não é senão a plenitude da vida de fé, de esperança e
de amor; numa palavra, a santidade. Não conheço outra receita além desta:
santidade pessoal.
Hoje,
em união com a Igreja, celebramos o triunfo da Mãe, Filha e Esposa de Deus. E
assim como nos sentíamos contentes na Páscoa da Ressurreição do Senhor, três
dias depois da sua morte, agora estamos alegres porque Maria, depois de
acompanhar Jesus desde Belém até à Cruz, está junto dele em corpo e alma,
gozando da sua glória por toda a eternidade. Esta é a misteriosa economia
divina: Nossa Senhora, participando plenamente na obra da nossa salvação, tinha
de seguir de perto os passos de seu Filho - a pobreza de Belém, a vida oculta
de trabalho ordinário em Nazaré, a manifestação da divindade em Caná da
Galileia, as afrontas da Paixão, o Sacrifício divino da Cruz, e a
bem-aventurança eterna do Paraíso.
Tudo
isto nos afecta directamente, porque este itinerário sobrenatural há-de ser
também o nosso caminho. Maria mostra-nos que essa senda é factível, que é
segura. Ela precedeu-nos na via da imitação de Cristo e a glorificação da Nossa
Mãe é a firme esperança da nossa salvarão. Por isso lhe chamamos spes nostra e
causa nostra laetitiae, esperança nossa e causa da nossa alegria.
Jamais
podemos perder a esperança de chegar a ser santos, de aceitar os convite do
Senhor, de ser perseverantes até ao final. Deus, que em nós começou a obra da
santificação, levá-la-á a cabo. Porque, se o Senhor é por nós, quem será contra
nós? Quem não poupou o seu próprio Filho, mas por nós todos O entregou à morte,
como não nos dará também com Ele todas as coisas?.
Nesta
festa, tudo convida à alegria. A firme esperança na nossa santificação pessoal
é um dom de Deus, embora o homem não possa permanecer passivo. Recordai as
palavras de Cristo: se alguém quer vir após de mim, negue-se a si mesmo e tome
a sua cruz de cada dia e siga-me. Vedes? A cruz de cada dia. Nulla dies sine
cruce, nenhum dia sem Cruz: nenhum dia que não carreguemos com a Cruz do
Senhor, em que não aceitemos o seu jugo. Eis porque não quis deixar de vos
recordar também que a alegria da Ressurreição é consequência da dor da Cruz.
Não
temais, contudo, porque o próprio Senhor nos diz: vinde a Mim todos, os que
trabalhais e vos achais carregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu
jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso
para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu peso leve. Vinde -
glosa S. João Crisóstomo - não para prestar contas, mas para serdes livres dos
vossos pecados; vinde, podeis procurar-me, pois eu não tenho necessidade da
vossa glória, mas da vossa salvação... Não temais ao ouvir falar de jugo,
porque é suave: não temais se falo de peso, porque é leve.
O
caminho da nossa santificarão pessoal passa, quotidianamente, pela Cruz: esse
caminho não é desgraçado, porque o próprio Cristo nos ajuda e com Ele não há
lugar para a tristeza. In laetitia, nulla dies sine cruce!, gosto eu de
repetir. Com a alma trespassada de alegria, nenhum dia sem Cruz!
177
A alegria cristã
Recolhamos
de novo o tema que a Igreja nos propõe: Maria subiu aos céus em corpo e alma:
os anjos rejubilam! Penso também no júbilo de S. José, seu Esposo castíssimo,
que a aguardava no paraíso. Mas voltemos à Terra. A fé confirma-nos que aqui em
baixo, na vida presente, estamos em tempo de viagem, pelo que não faltarão os
sacrifícios, a dor e as privações. Todavia, a alegria há-de ser sempre o
contraponto do caminho.
Servi
ao Senhor com alegria. Não há outro modo de servi-Lo,. Deus ama quem dá com
alegria, quem se entrega totalmente num sacrifício gostoso porque não há motivo
algum que justifique o desânimo!
Talvez
julgueis que este optimismo é excessivo, porque todos os homens conhecem as
suas insuficiências e os seus fracassos, experimentam o sofrimento, o cansaço,
a ingratidão, talvez até o ódio. Nós, os cristãos, se somos iguais aos outros,
como poderemos estar livres dessas constantes da condição humaniza?
Seria
ingénuo negar a reiterada presença da dor e do desânimo, da tristeza e da
solidão, durante a nossa peregrinação por esta terra. Aprendemos pela fé com
segurança que tudo isso não é produto do acaso e que o destino da criatura não
é caminhar para a aniquilação dos seus desejos de felicidade. A fé ensina-nos
que tudo tem um sentido divino, pois esta é uma característica intrínseca e
própria do caminho que nos leva à casa do Pai. Esta maneira sobrenatural de
compreender a existência terrena do cristão, não simplifica a complexidade
humana, mas assegura ao homem que essa complexidade pode ser penetrada pelo
nervo do amor de Deus, pelo cabo forte e indestrutível, que liga a vida na
Terra com a vida definitiva na Pátria.
A
festa da Assunção de Nossa Senhora apresenta-nos a realidade dessa feliz
esperança. Somos ainda peregrinos, mas a Nossa Mãe precedeu-nos e aponta-nos já
o termo do caminho. Repete-nos que é possível lá chegar e que, se formos fiéis,
lá chegaremos, pois a Santíssima Virgem não é só nosso exemplo, mas também
auxílio dos cristãos. E perante a nossa petição - Monstra te esse Matrem mostra
que és Mãe - não pode nem quer negar-se a cuidar dos seus filhos com solicitude
maternal.
178
A
alegria é um bem cristão. Só desaparece com a ofensa a Deus, porque o pecado é
fruto do egoísmo e o egoísmo é a causa da tristeza. Mesmo então, essa alegria
permanece no fundo da alma, pois sabemos que Deus e a sua Mãe nunca se esquecem
dos homens. Se nos arrependemos no santo sacramento da penitência, Deus vem ao
nosso encontro e perdoa-nos. E já não há tristeza. Na verdade, é muito justo que
haja regozijo, porque o teu irmão estava morto e ressuscitou; tinha-se perdido
e foi encontrado.
Estas
palavras são o final maravilhoso da parábola do filho pródigo, que jamais nos
cansaremos de meditar: eis que o Pai vem ao teu encontro; inclinar-se-á sobre o
teu ombro e dar-te-á um beijo, penhor de amor e de ternura; fará que te
entreguem um vestido, um anel, o calçado. Tu receias ainda uma repreensão, e
ele devolve-te a tua dignidade; temes um castigo, e dá-te um beijo; tens medo
duma palavra irada, e prepara para ti um banquete.
O
amor de Deus é insondável. Se procede assim com quem O ofendeu, o que não fará
para honrar a sua Mãe, imaculada, Virgo fidelis, Virgem Santíssima, sempre
fiel?
Se
o amor de Deus se manifesta tão grande quando o acolhimento que lhe dá o
coração humano - tantas vezes traidor - é tão pouco, como não será no coração
de Maria, que nunca levantou o mínimo obstáculo à vontade de Deus?
Vede
como a liturgia da festa faz eco da impossibilidade de compreender a
misericórdia infinita do Senhor com raciocínios humanos; mais do que explicar,
canta; fere a imaginação, a fim de que todos se entusiasmem no louvor, pois
ficaremos sempre muito aquém do que é merecido: apareceu no céu um grande
sinal. Uma mulher vestida de sol, e a lua debaixo de seus pés, e uma coroa de
doze estrelas sobre a sua cabeça. E o rei cobiçará a tua beleza. A filha do rei
entra toda formosa; tecidos de ouro são os seus vestidos.
A
liturgia acabará com algumas palavras de Maria, nas quais a maior humildade se
conjuga com a maior glória: eis que, de hoje em diante, todas as gerações me
chamarão bem aventurada, porque fez em mim grandes coisas aquele que é todo
poderoso.
Cor
Mariae Dulcissimum, iter para tutum: Coração Dulcíssimo de Maria, dá força e
segurança ao nosso caminho na Terra. Sê tu mesma o nosso caminho, porque tu
conheces as vias e os atalhos certos que, através do teu amor, levam ao amor de
Jesus Cristo.
179
Acaba
o ano litúrgico e no Santo Sacrifício do Altar renovamos ao Pai o oferecimento
da Vitima, Cristo, Rei de santidade e de graça, rei de justiça, de amor e de
paz, como leremos dentro de pouco tempo no Prefácio. Todos sentis nas vossas
almas uma alegria imensa, ao considerar a santa Humanidade de Nosso Senhor, por
saberdes que se trata dum Rei com um coração de carne como o nosso, que é o
autor do universo e de todas as criaturas e que não se impõe pelo domínio, mas
mendigando um pouco de amor, ao mesmo tempo que nos mostra, em silêncio, as
suas mãos chagadas.
Como
é possível, então, que tantos O ignorem? Porque se ouve ainda esse protesto
cruel: nolumus hunc regnare super nos, não queremos que este reine sobre nós?
Na terra há milhões de homens que se enfrentam assim com Jesus Cristo, ou
melhor, com a sombra de Jesus Cristo, porque não O conhecem, nem viram a beleza
do seu rosto, nem se aperceberam da maravilha da sua doutrina.
Diante
deste triste espectáculo, sinto-me movido a desagravar o Senhor. Ao ouvir o
clamor que não cessa e que se constrói mais com obras pouco nobres do que com
palavras, sinto a necessidade de gritar bem alto: oportet illum regnare!,
convém que Ele reine.
Oposição a Cristo
Muitos
não suportam que Cristo reine. Opõem-se-lhe de mil maneiras, quer nos planos
gerais de governo do mundo e da convivência humana, quer nos costumes, quer na
arte ou na ciência. Até na própria Igreja! Eu não falo - escreve Santo
Agostinho - dos malvados que blasfemam de Cristo. São raros, efectivamente, os
que O blasfemam com a língua, mas são muitos os que O blasfemam com a própria
conduta.
Para
alguns é molesta a própria expressão Cristo Rei, talvez por uma superficial
questão de palavras como se o reinado de Cristo pudesse confundir-se com
fórmulas políticas, ou porque a confissão da realeza do Senhor os levaria a
admitir uma lei. E não toleram a lei, mesmo a do amável preceito da caridade,
visto que não querem aproximar-se do amor de Deus. São os que só ambicionam
servir o seu próprio egoísmo.
O
Senhor levou-me a repetir, desde há muito tempo, um grito calado: serviam!,
servirei. Que Ele nos aumente essas ânsias de entrega, de fidelidade ao seu
chamamento divino - com naturalidade, sem aparato, sem barulho - no meio da
rua. Demos-lhe graças do fundo do coração. Dirijamos-lhe uma oração de
súbditos, de filhos! - e a língua e o paladar encher-se-nos-ão de doçura com
tal intensidade, que tratar do Reino de Deus nos saberá como a favo de mel,
porque se trata dum Reino de liberdade, da liberdade que Ele ganhou para nós.
180
Cristo, Senhor do mundo
Gostaria
de considerar convosco como esses Cristo, que - terna criança - vimos nascer em
Belém, é o Senhor do mundo. Eis as razões: por Ele foram criados todos os seres
nos céus e na Terra; Ele reconciliou com o Pai todas as coisas, restabelecendo
a paz entre o Céu e a Terra, por meio do sangue que derramou na Cruz. Hoje
Cristo reina, à direita do Pai; aqueles dois anjos de vestes brancas declararam
aos discípulos que, atónitos, estavam a contemplar as nuvens, depois da
Ascensão do Senhor: Homens da Galileia, porque estais assim a olhar para o Céu?
Esse Jesus, que vos foi arrebatado para o Céu, virá da mesma maneira, como
agora O vistes partir para o Céu.
Por
Ele reinam os reis, com a diferença de que os reis, as autoridades humanas,
passam e o reino de Cristo permanecerá por toda a eternidade, o seu reino é um
reino eterno e o seu domínio perdurará de geração em geração.
O
reino de Cristo não é um modo de dizer, nem uma imagem de retórica. Cristo
vive, também como homem, com aquele mesmo corpo que assumiu na Encarnação, que
ressuscitou depois da Cruz e subsiste glorificado na Pessoa do Verbo juntamente
com a sua alma humana. Cristo, Deus e Homem verdadeiro, vive e reina e é o
Senhor do mundo. Só por Ele se mantém na vida tudo o que vive.
Mas
então porque é que não aparece agora em toda a sua glória? Porque o seu reino
não é deste mundo, ainda que esteja no mundo. Replicou Jesus a Pilatos: Eu sou
Rei! Para isto nasci, e para isso vim ao mundo, para dar testemunho da verdade.
Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Aqueles que esperavam do Messias
um poderio temporal visível, enganavam-se: porque o Reino de Deus não consiste
em comer e beber, mas em paz, justiça e alegria no Espírito Santo.
Verdade
e justiça, paz e júbilo no Espírito Santo. Esse é o reino de Cristo. A acção
divina que salva os homens culminará com o fim da história, quando o Senhor,
que Se senta no mais alto do paraíso, vier julgar definitivamente os homens.
Quando
Cristo inicia a sua pregação na Terra, não oferece um programa político, mas
diz: fazei penitência, porque está perto o reino dos Céus. Encarrega os seus
discípulos de anunciar esta boa nova e ensina a pedir, na oração, a chegada do
reino, isto é o reino dos Céus e a sua justiça, uma vida santa, aquilo que
temos de procurar em primeiro lugar, a única coisa verdadeiramente necessária.
A
salvação pregada por Nosso Senhor Jesus Cristo é um convite dirigido a todos: o
reino dos céus é semelhante a um rei, que fez as núpcias de seu filho. E mandou
os seus servos chamar convidados para as núpcias. Por isso, o Senhor revela que
o reino dos Céus está no meio de vós.
Ninguém
se encontra excluído da salvação se adere livremente às exigências amorosas de
Cristo: nascer de novo fazer-se como menino, na simplicidade de espírito;
afastar o coração de tudo aquilo que aparte de Deus. Jesus quer factos; não só
palavras; e um esforço, denodado, porque apenas aqueles que lutam serão
merecedores da herança eterna.
A
perfeição do reino - o juízo definitivo de salvação ou de condenação - não se
dará na Terra. Agora o reino é como uma semente, como o crescimento do grão de
mostarda. O seu fim será como a rede que apanhava toda a espécie de peixes,
donde - depois de trazida para a areia - serão extraídos, para destinos
diferentes, os que praticaram a justiça e os que fizeram a iniquidade. Mas,
enquanto aqui vivemos, o reino assemelha-se à levedura que uma mulher tomou e
misturou com três medidas de farinha, até que toda a massa ficou fermentada.
Quem
compreender o reino que Cristo propõe, reconhece que vale a pena jogar tudo
para o conseguir: é a pérola que o mercador adquire à custa de vender tudo o
que possui, é o tesoiro encontrado no campo. O reino dos céus é uma conquista
difícil e ninguém tem a certeza de o alcançar, embora o clamor humilde do homem
arrependido consiga que se abram as suas portas de par em par. Um dos ladrões
que foram crucificados com Jesus suplica-Lhe: Senhor, lembra-te de mim, quando
entrares no teu reino. E Jesus disse-lhe: Em verdade te digo: Hoje estarás
comigo no paraíso.
181
O reino da alma
Como,
és grande, Senhor, Nosso Deus! Tu és quem dá à nossa vida sentido sobrenatural
e eficácia divina. Tu és a causa de que, por amor de teu filho, com todas as
forças do nosso ser, com a alma e com o corpo, possamos repetir: oportet illum
regnare!, enquanto ressoa o eco da nossa debilidade, porque sabes que somos
criaturas - e que criaturas! - feitas de barro, dos pés à cabeça, sem esquecer
o coração. Perante o divino, vibraremos exclusivamente por Ti.
Cristo
deve reinar, em primeiro lugar, na nossa alma. Mas como Lhe responderíamos, se
Ele nos perguntasse: como é que tu Me deixas reinar em ti? Eu responder-lhe-ia
que para que Ele reine em mim, preciso da sua graça abundante, pois só assim é
que o mais imperceptível pulsar do meu coração, a menor respiração, o olhar
menos intenso, a palavra mais corrente, a sensação mais elementar se traduzirão
num hossana ao meu Cristo Rei.
Se
pretendemos que Cristo reine, temos de ser coerentes, começando por Lhe
entregar o nosso coração. Se não o fizéssemos, falar do reino de Cristo seria
vozearia sem substância cristã, manifestação exterior de uma fé inexistente,
utilização fraudulenta do nome de Deus para compromissos humanos.
Se
a condição para que Jesus reinasse na minha alma, na tua alma, fosse contar
previamente em nós com um lugar perfeito, teríamos razão para desesperar. Mas
não temas, filha de Sião; eis que o teu Rei vem montado num jumentinho. Vedes?
Jesus contenta-se com um pobre animal por trono. Não sei o que se passa
convosco, mas a mim não me humilha reconhecer-me aos olhos do Senhor como um
jumento: fui diante de ti como um jumento. Porém, estarei sempre contigo:
tomaste-me pela minha mão direita, tu és quem me leva pela arreata.
Pensai
nas características dum jumento, agora que vão ficando tão poucos. Não falo dum
burro velho e teimoso, rancoroso, que se vinga com um coice traiçoeiro, mas dum
burriquito jovem, com as orelhas tesas como antenas, austero na comida, duro no
trabalho, com o trote decidido e alegre. Há centenas de animais mais formosos,
mais hábeis e mais cruéis. Mas Cristo preferiu este para se apresentar como rei
diante do povo que O aclamava, porque Jesus não sabe que fazer da astúcia
calculadora, da crueldade dos corações frios, da formosura vistosa mas vã.
Nosso Senhor ama a alegria dum coração moço, o passo simples, a voz sem
falsete, os olhos limpos, o ouvido atento à sua palavra de carinho. E é assim
que reina na alma.
182
Reinar servindo
Se
deixarmos que Cristo reine na nossa alma, não nos tornaremos dominadores;
seremos servidores de todos os homens. Serviço. Como gosto desta palavra!
Servir o meu Rei e, por Ele, todos os que foram redimidos com o seu sangue. Se
os cristãos soubessem servir! Vamos confiar ao Senhor a nossa decisão de
aprender a realizar esta tarefa de serviço, porque só servindo é que poderemos
conhecer e amar Cristo e dá-Lo a conhecer e conseguir que os outros O amem
mais.
Como
o mostraremos às almas? Com o exemplo: que sejamos testemunho seu, com a nossa
voluntária servidão a Jesus Cristo em todas as nossas actividades, porque é o
Senhor de todas as realidades da nossa vida, porque é a única e a última razão
da nossa existência. Depois, quando já tivermos prestado esse testemunho do
exemplo, seremos capazes de instruir com a palavra, com a doutrina. Assim
procedeu Cristo: coepit facere et docere, primeiro ensinou com obras, e só
depois com a sua pregação divina.
Servir
os outros, por Cristo, exige que sejamos muito humanos. Se a nossa vida é
desumana, Deus nada edificará nela, porque habitualmente não constrói sobre a
desordem, sobre o egoísmo, sobre a prepotência. Precisamos de compreender todas
as pessoas, temos de conviver com todos, temos de desculpar todos, temos de
perdoar a todos. Não diremos que o injusto é o justo, que a ofensa a Deus não é
ofensa a Deus, que o mau é bom. Todavia, perante o mal, não responderemos com
outro mal, mas com a doutrina clara e com a boa acção; afogando o mal em
abundância de bem. Assim Cristo reinará na nossa alma e nas almas dos que nos
rodeiam.
Alguns
procuram construir a paz no mundo sem porem amor de Deus nos seus corações, sem
servirem por amor de Deus as criaturas. Como será possível realizar desse modo
uma missão de paz? A paz de Cristo é a paz do reino de Cristo; e o reino de
Nosso Senhor há-de alicerçar-se no desejo de santidade, na disposição humilde
para receber a graça, numa, esforçada acção de justiça, num divino derramamento
de amor.
183
Cristo no cume das
actividades humanas
Isto
é realizável, não é um sonho inútil. Se nós, homens, nos decidíssemos a
albergar nos nossos corações o amor de Deus! Cristo, Senhor Nosso, foi
crucificado e, do alto da Cruz, redimiu o mundo, restabelecendo a paz entre
Deus e os homens. Jesus Cristo lembra a todos: et ego, si exaltatus fuero a
terra, omnia traham ad meipsum, se vós Me puserdes no cume de todas as
actividades da Terra, cumprindo o dever de cada momento, sendo meu testemunho
naquilo que parece grande e naquilo que parece pequeno, omnia traham ad
meipsum, tudo atrairei a Mim. 0 meu reino entre vós será uma realidade!
Cristo,
Nosso Senhor, continua empenhado nesta sementeira de salvação dos homens e de
toda a Criação, deste nosso mundo, que é bom, porque saiu bom das mãos de Deus.
Foi a ofensa de Adão, o pecado do orgulho humano, que quebrou a harmonia divina
da criação.
Mas
Deus Pai, quando, chegou a plenitude dos tempos, enviou o seu Filho Unigénito,
que por obra do Espírito Santo encarnou em Maria sempre Virgem, para
restabelecer a paz; para que, redimindo o homem do pecado, adoptionem filiorum
reciperemus fôssemos constituídos filhos de Deus, capazes de participar na
intimidade divina, e assim fosse concedido a este homem novo, a esta nova
estirpe dos filhos de Deus a libertação de todo o universo da desordem,
restaurando todas as coisas em Cristo, que as reconciliou com Deus.
A
isto fomos chamados, nós, os cristãos; esta é a nossa tarefa apostólica e a
ânsia que nos deve queimar a alma: conseguir que seja realidade o reino de
Cristo, que não haja mais ódios nem mais crueldades, que difundamos na Terra o
bálsamo forte e pacífico do amor. Peçamos hoje ao nosso Rei que nos faça
colaborar humilde e fervorosamente no divino propósito de unir o que está
quebrado, de salvar o que está perdido, de ordenar o que o homem desordenou, de
levar ao seu fim aquilo que se desencaminha, de reconstruir a concórdia de tudo
o que foi criado.
Abraçar
a fé cristã é comprometer-se a continuar entre as criaturas a missão de Jesus.
Temos de ser, cada um de nós, altar Christus, ipse Christus, outro Cristo, o
próprio Cristo. Só assim poderemos realizar esse empreendimento grande, imenso,
interminável: santificar a partir de dentro todas as estruturas temporais,
levando até elas o fermento da Redenção.
Nunca
falo de política. Não penso na tarefa dos cristãos na terra como o nascer duma
corrente político-religiosa - seria uma loucura - nem mesmo com o bom propósito
de difundir o espírito de Cristo em todas as actividades dos homens. O que é
preciso pôr em Deus é o coração de cada um, seja ele quem for. Procuremos falar
a todos os cristãos, para que no lugar onde estiverem - em circunstâncias que
não dependem apenas da sua posição na Igreja ou na vida civil, mas do resultado
das mutáveis situações históricas - saibam dar testemunho, com o exemplo e com
a palavra, da fé que professam.
O
cristão vive no mundo com pleno direito, por ser homem. Se aceita que no seu
coração habite Cristo, que reine Cristo, em todo o seu trabalho humano
encontrará - bem forte - a eficácia Senhor. Não tem qualquer importância que
essa ocupação seja, como costuma dizer-se, alta ou baixa, porque um máximo
humano pode ser, aos olhos de Deus, uma baixeza, e o que chamamos baixo ou
modesto pode ser um máximo cristão de santidade e de serviço.
184
A liberdade pessoal
O
cristão, quando trabalha, como é sua obrigação, não deve marginar nem iludir as
exigências próprias do que é natural. Se com a expressão abençoar as
actividades humanas se entendesse anular ou escamotear a sua dinâmica própria,
negar-me-ia a usar essas palavras. Pessoalmente, nunca me consegui convencer
que as actividades correntes dos homens precisassem de ostentar, como um
letreiro postiço, um qualificativo confessional, porque me parece, embora
respeite a opinião contrária, que se corre o perigo de usar em vão o santo nome
da nossa fé e, além disso, porque em certas ocasiões, a etiqueta católica se
utilizou até para justificar atitudes e actuações que não são às vezes sequer
honradamente humanas.
Se
o mundo e tudo o que nele há - menos o pecado - é bom, porque é obra de Deus
Nosso Senhor, o cristão, lutando continuamente por evitar as ofensas a Deus -
uma luta positiva de amor - há-de dedicar-se a tudo aquilo que é terreno, ombro
a ombro com os outros cidadãos, e tem obrigação de defender todos os bens
derivados da dignidade da pessoa.
Existe
um bem que deverá sempre procurar dum modo especial - o da liberdade pessoal.
Só se defende a liberdade individual dos outros com a correspondente
responsabilidade pessoal, poderá, com honradez humana e cristã, defender da
mesma maneira a sua. Repito e repetirei sem cessar que o Senhor nos deu
gratuitamente uma grande dádiva sobrenatural, a graça divina, e outra
maravilhosa dádiva humana, a liberdade pessoal, que exige de nós - para que não
se corrompa, convertendo-se em libertinagem - integridade, empenho sério por
desenvolver a nossa conduta dentro da lei divina, porque onde está o Espírito
de Deus, aí há liberdade.
O
Reino de Cristo é de liberdade: nele não existem outros servos além daqueles
que livremente se deixaram prender por Amor a Deus. Bendita escravidão de amor,
que nos faz livres! Sem liberdade, não podemos corresponder à graça; sem
liberdade, não podemos entregar-nos livremente ao Senhor pela razão mais
sobrenatural: porque nos apetece.
Alguns
daqueles que me escutam já me conhecem há muitos anos. Podeis testemunhar que
durante toda a minha vida preguei a liberdade pessoal, com pessoal
responsabilidade. Procurei-a e procuro-a, por toda a terra, como Diógenes
procurava um homem. E amo-a cada vez mais, amo-a sobre todas as coisas
terrenas: é um tesoiro que nunca saberemos apreciar suficientemente.
Quando
falo de liberdade pessoal, não me refiro com esta desculpa a outros problemas
talvez muito legítimos, que não correspondem ao meu ofício de sacerdote. Sei
que não me corresponde tratar de temas seculares e transitórios, que pertencem
à esfera do temporal e civil, matérias que o Senhor deixou à livre e serena
controvérsia dos homens. Sei também que os lábios do sacerdote, evitando a todo
o transe parcialidades humanas, hão-de abrir-se apenas para conduzir as almas a
Deus, à sua doutrina espiritual salvadora, aos sacramentos que Jesus Cristo
instituiu, à vida interior que nos aproxima do Senhor por nos sabermos seus
filhos e, portanto, irmãos de todos os homens sem excepção.
Celebramos
hoje a festa de Cristo Rei. E não saio do meu ofício de sacerdote quando digo
que, se alguma pessoa entendesse o reino de Cristo como um programa político,
não teria aprofundado como devia na finalidade da Fé e estaria a um passo de
sobrecarregar as consciências com pesos que não são os de Jesus porque o seu
jugo é suave e o seu peso é leve. Amemos de verdade todos os homens, amemos a
Cristo acima de tudo e então não teremos outro remédio senão amar a legítima
liberdade dos outros, numa pacífica e justa convivência.
185
Serenos, filhos de Deus
Talvez
me façais a seguinte sugestão: mas poucos querem ouvir isto e, menos ainda,
pô-lo em prática. Consta-me que a liberdade é uma planta forte e sã, que se
aclimata mal entre as pedras, espinhos ou nos caminhos calcados pelas pessoas.
Isto já nos tinha sido anunciado, mesmo antes de Cristo vir à terra.
Recordai
o Salmo número dois: porque razão se amotinam as nações e os povos maquinam
planos vãos? Os reis da terra sublevam-se e os príncipes coligam-se contra o
Senhor e contra o seu Messias. Vedes? Nada de novo. Opunham-se a Cristo antes
de que este nascesse; opuseram-se-lhe enquanto os seus pés pacíficos percorriam
os caminhos da Palestina; perseguiram-nO depois e agora, atacando os membros do
seu Corpo Místico e real. Porquê tanto ódio, porquê este encarniçar-se contra a
cândida simplicidade, porquê este universal esmagamento da liberdade de cada
consciência?
Quebremos
as suas cadeias, e sacudamos de nós o seu jugo. Quebram o jugo suave, lançam
fora a sua carga, maravilhosa carga de santidade e de justiça, de graça, de
amor e de paz. Enfurecem-se perante o amor, riem-se da bondade inerme dum Deus
que renuncia ao uso das suas legiões de anjos para se defender. Se o Senhor
admitisse um arranjo, se sacrificasse uns poucos de inocentes para satisfazer a
maioria de culpados, ainda poderiam tentar algum entendimento com Ele. Mas não
é esta a lógica de Deus. O nosso Pai é verdadeiramente pai, e está disposto a
perdoar a inumeráveis fautores do mal, contanto que haja só dez justos. Os que
se movem pelo ódio, não podem entender esta misericórdia, e afincam-se na sua
aparente impunidade terrena, alimentando-se da injustiça.
Aquele
que habita nos céus ri-se, o Senhor zomba eles. Ele lhes fala então na sua ira,
e os aterroriza no seu furor. Que legítima é a ira de Deus e que justo o seu
furor! E que grande também a sua clemência!
Eu,
porém, fui por Ele constituído Rei sobre Sião, seu monte santo, para anunciar
os seus preceitos. O Senhor disse-me: Tu és meu filho, eu gerei-te hoje. A
misericórdia de Deus Pai deu-nos como Rei o seu Filho. Quando ameaça,
enternece-Se; anuncia a sua ira e entrega-nos o seu amor. Tu és meu filho:
dirige-se a Cristo e dirige-se a ti e a mim, se nos decidimos a ser alter
Christus, ipse Christus.
As
palavras não podem seguir o coração, que se emociona diante da bondade de Deus:
tu és meu filho. Não um estranho, não um servo benevolamente tratado, não um
amigo, que já seria muito. Filho! Concede-nos via livre para que vivamos com
Ele a piedade do filho e, atrever-me-ia a afirmar, também a desvergonha do
filho dum Pai que é incapaz de lhe negar o que quer que seja.
186
Que
há muita gente empenhada em comportar-se com injustiça? Sim, mas o Senhor
insiste: pede-me, e eu te darei as nações em herança, e os teus domínios irão
até aos confins da Terra. Tu os governarás com vara de ferro, e quebrá-los-ás
qual vaso de oleiro. São promessas fortes e são de Deus. Por isso, não podemos
dissimulá-las. Não é em vão que Cristo é o Redentor do mundo, e reina,
soberano, à direita do Pai. É o terrível anúncio daquilo que espera a cada um
de nós, quando a vida passar - porque passa - e a todos, quando a história
acabar, se o coração se endurece no mal e na desesperança.
Contudo,
Deus, que sempre pode vencer, prefere convencer: E agora, ó reis, atendei:
instruí-vos, vós que governais a Terra.. Servi ao Senhor com temor, e louvai-o
com alegria; com tremor, prestai-lhe vassalagem, para que não Se ire, e não
pereçais fora do caminho, quando daqui a pouco se incendiar a sua indignação.
Cristo é o Senhor, o Rei. E nós vos anunciamos que aquela promessa, que foi
feita a nossos pais, Deus a cumpriu para nossos filhos, ressuscitando Jesus,
como também está escrito no salmo segundo: Tu és meu Filho, eu te gerei hoje...
Seja-vos,
pois, notório, homens, irmãos, que por Ele vos é anunciada a remissão dos
pecados e de tudo aquilo de que não pudestes ser justificados pela lei de
Moisés. Por Ele é justificado todo aquele que crê. Tomai pois cuidado que não
venha sobre vós o que foi fito pelos profetas: Vede, ó despertadores, e
admirai-vos e desaparecei, que eu faço uma obra em vossos dias, uma obra que
vós não crereis, se alguém vo-la contar.
É
a obra da salvação, o reinado de Cristo nas almas, a manifestação da
misericórdia de Deus. Bem-aventurados todos os que confiam n'Ele! Nós,
cristãos, temos direito a enaltecer a realeza de Cristo, porque, ainda que a
injustiça abunde, ainda que muitos não desejem este reinado de amor, na própria
história humana que é o cenário do mal, vai-se tecendo a obra da salvação
eterna.
187
Anjos de Deus
Ego
cogito cogitationes pacis, et non afilictionis , eu tenho pensamentos de paz e
não de tristeza, diz o Senhor. Sejamos homens de paz, homens de justiça,
fazedores do bem, e o Senhor não será para nós juiz, mas amigo, irmão.
Que
neste caminhar - alegre! - pela Terra, nos acompanhem os anjos de Deus. Antes
do nascimento do nosso Redentor - escreve São Gregório Magno - tínhamos perdido
a amizade dos Anjos. O pecado original e os nossos pecados quotidianos
tinham-se afastado da sua luminosa pureza... Mas desde o momento que nós
reconhecemos o nosso Rei, os anjos reconheceram-nos como concidadãos.
E
como o Rei dos Céus quis tornar a nossa carne terrena, os Anjos já não se
afastam da nossa miséria. Não se atrevem a considerar inferior à sua esta natureza
que adoram, vendo-a exaltada, acima deles, na pessoa do Rei do Céu; e não
sentem já inconveniente em considerar o homem como companheiro.
Maria,
a Mãe santa do nosso Rei, a Rainha do nosso coração, cuida de nós como só Ela
sabe fazê-lo. Mãe compassiva, trono da graça, pedimos-te que saibamos compor na
nossa vida e na vida dos que nos rodeiam, verso a verso, o poema simples da
caridade, quasi fluvium pacis, como um rio de paz. Porque tu és mar de
inesgotável misericórdia: os rios vão dar todos ao mar e o mar não se enche.
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