A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
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Evangelho: Jo 9, 1-23
1 Passando Jesus,
viu um homem cego de nascença. 2 Os Seus discípulos perguntaram-Lhe: «Mestre,
quem pecou, este ou os seus pais, para que nascesse cego?». 3 Jesus respondeu:
«Nem ele nem seus pais pecaram; mas foi para se manifestarem nele as obras de
Deus. 4 Importa que Eu faça as obras d'Aquele que Me enviou enquanto é dia; vem
a noite, quando ninguém pode trabalhar. 5 Enquanto estou no mundo, sou a luz do
mundo».6 Dito isto, cuspiu no chão, fez lodo com a saliva, e ungiu com o lodo
os olhos do cego. 7 Depois disse-lhe: «Vai, lava-te na piscina de Siloé!», que
quer dizer “Enviado”. Foi, lavou-se e voltou com vista. 8 Então os seus
vizinhos e os que o tinham visto antes a mendigar diziam: «Não é este aquele
que estava sentado e pedia esmola?». Uns diziam: «É este!». 9 Outros, porém:
«Não é, mas é outro, que se parece com ele!». Porém ele dizia: «Sou eu mesmo!».
10 Perguntaram-lhe: «Como se abriram os teus olhos?». 11 Ele respondeu: «Aquele
homem, que se chama Jesus, fez lodo, ungiu os meus olhos e disse-me: Vai à
piscina de Siloé e lava-te. Fui, lavei-me e vejo». 12 Perguntaram-lhe: «Onde
está Ele?». Respondeu: «Não sei». 13 Levaram aos fariseus o que tinha sido
cego. 14 Ora era dia de sábado quando Jesus fez o lodo e lhe abriu os olhos. 15
Perguntaram-lhe, pois, também os fariseus de que modo tinha adquirido a vista.
Respondeu-lhes: «Pôs-me lodo sobre os olhos, lavei-me e vejo». 16 Então, alguns
fariseus diziam: «Este homem, que não guarda o sábado, não é de Deus». Porém,
outros diziam: «Como pode um homem pecador fazer tais prodígios?». E havia
desacordo entre eles. 17 Disseram, por isso, novamente ao cego: «Tu que dizes
d'Aquele que te abriu os olhos?». Ele respondeu: «Que é um profeta!». 18 Mas os
judeus não acreditaram que ele tivesse sido cego e recuperado a vista, enquanto
não chamaram os pais. 19 Interrogaram-nos: «É este o vosso filho, que dizeis
que nasceu cego? Como vê, pois, agora?». 20 Seus pais responderam: «Sabemos que
este é nosso filho e que nasceu cego; 21 mas não sabemos como ele agora vê e
também não sabemos quem lhe abriu os olhos; perguntai-o a ele mesmo. Tem idade;
ele próprio fale de si!». 22 Seus pais falaram assim porque tinham medo dos
judeus; porque estes tinham combinado que, se alguém confessasse que Jesus era
o Messias, fosse expulso da sinagoga. 23 Por isso é que os pais disseram: «Ele
tem idade, interrogai-o a ele!».
CRISTO QUE PASSA 153 a 173
153
Tratar com Jesus na
palavra e no pão
Jesus
esconde-se no Santíssimo Sacramento do altar, para que nos atrevamos a tratar
com ele, para ser o nosso sustento, com o fim de que nos façamos uma só coisa
com Ele. Ao dizer sem mim nada podeis, não condenou o cristão à ineficácia, nem
o obrigou a uma busca árdua e difícil da sua Pessoa; ficou entre nós com uma
disponibilidade total.
Quando
nos reunimos junto do altar enquanto se celebra o Santo Sacrifício da Missa,
quando contemplamos a Hóstia Sagrada exposta na custódia ou a adoramos
escondida no Sacrário, devemos reavivar a nossa fé, pensando nessa existência
nova, que vem a nós, e comover-nos com o carinho e a ternura de Deus.
E
perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos, e na comum fracção do pão, e nas
orações. É assim que a Escritura nos descreve a conduta dos primeiros cristãos:
congregados pela fé dos Apóstolos em perfeita unidade, a participarem da
Eucaristia, unânimes na oração. Fé, Pão, Palavra.
Jesus,
na Eucaristia, é penhor seguro da sua presença nas nossas almas; do seu poder,
que sustenta o mundo; das suas promessas de salvação, que ajudarão a que a
família humana, quando chegar o fim dos tempos, habite perpetuamente na casa do
Céu, em torno de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo:
Santíssima
Trindade, Deus único. É toda a nossa fé que se põe em acto quando cremos em
Jesus, na sua presença real sob os acidentes do pão e do vinho.
154
Não
compreendo como se possa viver cristãmente sem sentir a necessidade de uma
amizade constante com Jesus na Palavra e no Pão, na oração e na Eucaristia. E
entendo perfeitamente que, ao longo dos séculos, as sucessivas gerações de
fiéis tenham vindo a concretizar essa piedade eucarística. Umas vezes com
práticas multitudinárias, professando publicamente a sua fé; outras, com gestos
silenciosos e calados, na sagrada paz do templo ou na intimidade do coração.
Antes
de mais, devemos amar a Santa Missa, que deve ser o centro do nosso dia. Se
vivemos bem a Missa, como não havemos depois de continuar o resto da jornada
com o pensamento no Senhor, com o desejo ardente de não nos afastarmos da sua
presença, para trabalhar como Ele trabalhava e amar como Ele amava? Aprendemos
então a agradecer ao Senhor essa sua outra delicadeza: não quis limitar a sua
presença ao momento do Sacrifício do Altar, mas decidiu permanecer na Hóstia
Santa que se reserva no Tabernáculo, no Sacrário.
Dir-vos-ei
que, para mim, o Sacrário foi sempre Betânia, o lugar tranquilo e aprazível
onde está Cristo, onde Lhe podemos contar as nossas preocupações, os nossos
sofrimentos, as nossas aspirações e as nossas alegrias, com a mesma simplicidade
e naturalidade com que aqueles amigos seus Marta, Maria e Lázaro lhe falavam.
Por isso, ao percorrer as ruas de alguma cidade ou de alguma aldeia, alegra-me
descobrir, ainda que ao longe, a silhueta duma igreja: é um novo Sacrário, mais
uma ocasião para deixar a alma escapar-se para estar, em desejo, junto do
Senhor Sacramentado.
155
Fecundidade da Eucaristia
Quando
o Senhor na última Ceia instituiu a Sagrada Eucaristia, era de noite, o que -
comenta S. João Crisóstomo - manifestava que os tempos tinham sido cumpridos.
Caía a noite sobre o mundo, porque os velhos ritos, os antigos sinais da
misericórdia infinita de Deus para com a humanidade iam realizar-se plenamente,
abrindo caminho a um verdadeiro amanhecer: a nova Páscoa. A Eucaristia foi instituída
durante a noite, preparando de antemão a manhã da Ressurreição.
Também
nas nossas vidas temos de preparar essa alvorada. Tudo o, que é caduco, o que é
prejudicial, o que não serve - o desânimo, a desconfiança, a tristeza, a
cobardia - tudo isso tem de ser deitado fora. A Sagrada Eucaristia introduz a
novidade divina nos filhos de Deus e devemos corresponder in novitate sensus ,
com uma renovação de todo o nosso sentir e de todo o nosso agir. Foi-nos dado
um novo princípio de energia, uma raiz poderosa, enxertada no Senhor. Não
podemos voltar à antiga levedura, nós que temos o Pão de agora e de sempre.
156
Nesta
festa, em cidades de um extremo ao outro da Terra, os cristãos acompanham em
procissão o Senhor que, escondido na hóstia, percorre as ruas e praças - como
durante a sua vida terrena - aparecendo aos que O querem ver, vindo ao encontro
dos que O não procuram. Jesus aparece assim, uma vez mais, no meio dos seus.
Como reagimos perante esse chamamento do Mestre?
As
manifestações externas de amor devem nascer do coração e prolongar-se com o
testemunho da conduta cristã. Se fomos renovados com a recepção do Corpo do
Senhor, temos de o manifestar com obras. Que os nossos pensamentos sejam
sinceros: de paz, de entrega, de serviço. Que as nossas palavras sejam
verdadeiras, claras, oportunas; que saibam consolar e ajudar, que saibam
sobretudo levar aos outros a luz de Deus. Que as nossas acções sejam coerentes,
eficazes, acertadas: que tenham esse bonus odor Christi , o bom odor de Cristo,
por recordarem o seu modo de Se comportar e de viver.
A
procissão do Corpo de Deus torna Cristo presente nas aldeias e cidades do
mundo. Mas essa presença, repito, não deve ser coisa de um dia, ruído que se
ouve e se esquece. Essa passagem de Jesus lembra-nos que temos também de
descobri-Lo nos nossos afazeres quotidianos. A par da procissão solene desta
quinta-feira. deve ir a procissão silenciosa e simples da vida corrente de cada
cristão, homem entre os homens, mas com a felicidade de ter recebido a fé e a
missão divina de se comportar de tal modo que renove a mensagem do Senhor sobre
a Terra. Não nos faltam erros, misérias, pecados. Mas Deus está com os homens,
e temos de nos dispor a que se sirva de nós e se torne contínua a sua passagem
entre as criaturas.
Vamos,
pois, pedir ao Senhor que nos conceda sermos almas de Eucaristia, que a nossa
relação pessoal com Ele se traduza em alegria, em serenidade, em desejo de
justiça. E facilitaremos aos outros o trabalho de reconhecer Cristo,
contribuiremos para colocá-lo no cume de todas as actividades humanas.
Cumprir-se-á a promessa de Jesus: Eu, quando for levantado sobre a terra,
atrairei tudo a mim.
157
O pão e a ceifa: comunhão
com todos os homens
Jesus,
dizia-vos no começo, é o semeador. E por intermédio dos cristãos continua a sua
sementeira divina. Cristo aperta o trigo nas suas mãos chagadas, embebe-o com o
seu sangue, limpa-o, purifica-o e lança-o no sulco que é o mundo. Lança os
grãos um a um, para que cada cristão, no seu próprio ambiente, dê testemunho da
fecundidade da Morte e da Ressurreição do Senhor.
Se
estamos nas mãos de Cristo, devemos impregnar-nos do seu Sangue redentor,
deixar-nos lançar ao vento, aceitar a nossa vida tal como Deus a quer. E
convencer-nos de que a semente, para frutificar, tem que se enterrar e morrer.
Depois ergue-se o caule e surge a espiga. Da espiga, o pão, que será convertido
por Deus no Corpo de Cristo. Dessa forma voltaremos a reunir-nos em Jesus, que
foi o nosso semeador. Visto que há um só pão, nós, embora muitos formamos um só
corpo, nós todos que participamos de um mesmo pão.
Nunca
percamos de vista que não há fruto se antes não houve sementeira: por isso é
preciso difundir generosamente a Palavra de Deus, fazer com que os homens
conheçam Cristo e que, ao conhecê-Lo, tenham fome d'Ele. Esta festa do Corpus
Christi - Corpo de Cristo, Pão da vida é uma boa ocasião para meditar na fome
de verdade, de justiça, de unidade e de paz que se adverte nos homens. Perante
a fome de paz, teremos de repetir com S. Paulo: Cristo é a nossa paz, pax
nostra. Os desejos de verdade hão-de levar-nos a recordar que Jesus é o
caminho, a verdade e a vida. Aos que procuram a unidade, temos de colocá-los
perante Cristo, que pede que estejamos consummati in unum, consumados na
unidade. A fome de justiça deve conduzir-nos à fonte originária da concórdia
entre os homens: ser e saber-se filhos do Pai, irmãos.
Paz,
verdade, unidade, justiça. Que difícil parece por vezes o trabalho de superar
as barreiras, que impedem o convívio entre os homens! E contudo nós, os
cristãos somos chamados a realizar esse grande milagre da fraternidade:
conseguir, com a graça de Deus, que os homens se tratem cristãmente, levando
uns as cargas dos outros, vivendo o mandamento do Amor, que é o vínculo da
perfeição e o resumo da lei.
158
ão
deixemos de reparar que fica ainda muito por fazer. Em determinada ocasião,
talvez contemplando o suave movimento das espigas já gradas, disse Jesus aos
seus discípulos: A messe é grande mas os operários são poucos. Rogai pois ao
Senhor da messe que mande operários para a sua messe. Como então, também agora
faltam homens que queiram suportar o peso do dia e do calor . E se nós, os que
trabalhamos, não formos fiéis, acontecerá o que escreveu o profeta Joel:
destruída a colheita a terra ficou de luto: porque o trigo está seco, o vinho
arruinado, o azeite perdido. Confundi-vos, lavradores; gritai, vinhateiros,
pelo trigo e pela cevada. Não há colheita.
Não
há colheita, quando não se está disposto a aceitar generosamente o trabalho
constante, que pode tornar-se longo e fatigante: lavrar a terra, semear, cuidar
do campo, fazer a ceifa e a debulha... Na história, no tempo, edifica-se o
Reino de Deus. O Senhor confiou-nos a todos essa tarefa e ninguém se pode
sentir dispensado dela. Ao adorarmos e contemplarmos hoje Cristo na Eucaristia,
pensemos que ainda não chegou a hora do descanso, porque a jornada continua.
Está
dito no livro dos Provérbios: quem lavrar a sua campina terá pão em abundância.
Tiremos a lição espiritual destas palavras: quem não lavra o terreno de Deus,
quem não é fiel à missão divina de se entregar aos outros, ajudando-os a
conhecer Cristo, dificilmente conseguirá entender o que é o Pão eucarístico.
Ninguém gosta daquilo que não lhe custou esforço. Para apreciar e amar a Sagrada
Eucaristia, é preciso percorrer o caminho de Jesus; sermos trigo, morrermos
para nós próprios, ressuscitarmos cheios de vida e darmos fruto abundante: cem
por um!
Esse
caminho resume-se numa única palavra: amar. Amar é ter o coração grande, sentir
as preocupações dos que estão à nossa volta, saber perdoar e compreender:
sacrificar-se, com Jesus Cristo, por todas as almas. Se amamos com o coração de
Cristo, aprenderemos a servir, e defenderemos a verdade claramente e com amor.
Para amar desta maneira, é preciso que cada um expulse da sua vida tudo o que
estorva a Vida de Cristo em nós: o apego à nossa comodidade, a tentação do
egoísmo, a tendência à exaltação pessoal. Só reproduzindo em nós a Vida de
Cristo, poderemos transmiti-la aos outros; só experimentando a morte do grão de
trigo, poderemos trabalhar nas entranhas da terra, transformá-la por dentro,
torná-la fecunda.
159
O optimismo cristão
Alguma
vez poderá surgir a tentação de pensar que tudo isto é tão belo como um sonho
irrealizável. Falei-vos de renovar a fé e a esperança; permanecei firmes, com a
certeza absoluta de que as nossas aspirações serão ultrapassadas pelas
maravilhas de Deus. Mas torna-se indispensável que nos apoiemos verdadeiramente
na virtude cristã da esperança.
Não
nos acostumemos aos milagres que se operam perante nós: ao admirável portento
que é o Senhor descer todos os dias às mãos do sacerdote. Jesus quer que
estejamos despertos, para que nos convençamos da grandeza do seu poder, e para
que ouçamos novamente a sua promessa: venite post me, et faciam vos fieri
piscatores hominum, se Me seguirdes, far-vos-ei pescadores de homens; sereis
eficazes e atraireis as almas a Deus. Devemos, portanto, confiar nessas
palavras do Senhor: meter-se na barca, pegar nos remos, içar as velas e lançar-nos
a esse mar do mundo que Cristo nos deixa em herança. Duc in altum et laxate
rectia vestra in capturam! : fazei-vos ao largo e lançai as vossas redes para
pescar.
Este
zelo apostólico que Cristo infundiu no nosso coração não se deve esgotar - extinguir
- por uma falsa humildade. Se é verdade que arrastamos connosco as nossas
misérias, também é verdade que o Senhor conta com os nossos erros. Não escapa
ao seu olhar misericordioso que nós, os homens, somos criaturas com limitações,
com fraquezas, com imperfeições, inclinadas ao pecado. Por isso, manda-nos
lutar, reconhecer os nossos defeitos; não para nos acobardarmos, mas para nos
arrependermos e fomentarmos o desejo de sermos melhores.
Aliás,
temos de lembrar-nos sempre de que somos apenas instrumentos: Que é, pois,
ApoIo? e que é Paulo? Ministros daquele em quem vás crestes, segundo o dom que
o Senhor deu a cada um. Eu plantei, Apolo regou; mas Deus é que deu o
crescimento. A doutrina, a mensagem que temos de difundir, tem uma fecundidade
própria e infinita, que não é nossa, mas de Cristo. É o próprio Deus quem está
empenhado em realizar a obra salvadora, em redimir o, mundo.
160
Tenhamos,
pois, Fé, sem permitir que o desalento nos domine; sem nos determos em cálculos
meramente humanos. Para superar os obstáculos, há que começar a trabalhar,
metendo-se em cheio nessa tarefa, de maneira que o nosso próprio esforço nos
leve a abrir novos caminhos. Perante qualquer dificuldade, o remédio é este:
santidade pessoal, entrega ao Senhor.
Ser
santos é viver tal como o nosso Pai do Céu dispôs que vivêssemos. Dir-me-eis
que é difícil. Sim, o ideal é muito elevado. Mas ao mesmo tempo é fácil: está
ao alcance da mão. Quando uma pessoa adoece, nem sempre se consegue encontrar o
remédio adequado para a tratar. Mas no plano sobrenatural não acontece assim. O
remédio está sempre perto de nós: é Jesus Cristo, presente na Sagrada
Eucaristia, que também nos dá a sua graça nos outros Sacramentos que instituiu.
Repitamos
com a palavra e com as obras: Senhor, confio em Ti, basta-me a tua providência
ordinária, a tua ajuda de cada dia. Não temos por que pedir a Deus grandes
milagres. Temos de lhe suplicar, pelo contrário, que aumente a nossa fé, que
ilumine a nossa inteligência, que fortaleça a nossa vontade. Jesus está sempre
junto de nós e permanece fiel.
Desde
o começo da minha pregação, preveni-vos contra um falso endeusamento. Não te
assustes ao veres-te tal como és: assim, feito de barro. Não te preocupes.
Porque, tu e eu somos filhos de Deus, - este é o endeusamento bom - escolhidos
desde a eternidade, com uma vocação divina: escolheu-nos o Pai, por Jesus
Cristo, antes da criação do mando, para que sejamos santos diante dele. Nós,
que somos especialmente de Deus, seus instrumentos apesar da nossa pobre
miséria pessoal, seremos eficazes se não perdermos o conhecimento da nossa
fraqueza. As tentações dão-nos a dimensão da nosso própria fraqueza.
Se
sentimos desalento ao experimentar - talvez de um modo particularmente vivo - a
nossa mesquinhez, é o momento de nos abandonarmos por completo, com docilidade,
nas mãos de Deus. Conta-se que, certo dia, um mendigo saiu ao encontro de
Alexandre Magno, pedindo uma esmola. Alexandre parou e ordenou que o fizessem
senhor de cinco cidades. O pobre, confundido e atordoado, exclamou: eu não
pedia tanto! E Alexandre respondeu: tu pediste como quem és; eu dou-te como
quem sou.
Mesmo
nos momentos em que percebemos mais profundamente a nossa limitação, podemos e
devemos olhar para Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, sabendo-nos
participantes da vida divina. Nunca existe razão suficiente para voltarmos
atrás: o Senhor está ao nosso lado. Temos que ser fiéis, leais, encarar as
nossas obrigações, encontrando em Jesus o amor e o estímulo para compreender os
erros dos outros e superar os nossos próprios erros. Assim, todos esses
desalentos - os teus, os meus, os de todos os homens - servem também de suporte
ao reino de Cristo.
Reconheçamos
as nossas fraquezas, mas confessemos o poder de Deus. O optimismo, a alegria, a
convicção firme de que o Senhor quer servir-se de nós têm de informar a vida
cristã. Se nos sentirmos parte dessa Igreja Santa, se nos considerarmos
sustentados pela rocha firme de Pedro e pela acção do Espírito Santo,
decidir-nos-emos a cumprir o pequeno dever de cada instante: semear todos os
dias um pouco. E a colheita fará transbordar os celeiros.
161
Terminemos
este tempo de oração. Recordai - saboreando, na intimidade da alma, a infinita
bondade divina - que, pelas palavras da Consagração, Cristo vai tornar-se
realmente presente na Hóstia, com o seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
Adorai-O com reverência e devoção; renovai na sua presença o oferecimento
sincero do vosso amor; dizei-lhe sem medo que Lhe quereis; agradecei-lhe esta
prova diária de misericórdia tão cheia de ternura, e fomentai o desejo de vos
aproximardes da comunhão com confiança. Eu surpreendo-me perante este mistério
de Amor: o Senhor procura como trono o meu pobre coração, para não me
abandonar, se eu não me afastar d'Ele.
Reconfortados
pela presença de Cristo, alimentados pelo seu Corpo, seremos fiéis durante esta
vida terrena, e mais tarde no Céu, junto de Jesus e de Sua Mãe, chamar-nos-emos
vencedores. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu
aguilhão? Demos graças a Deus que nos trouxe a vitória, pela virtude de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
162
Deus
Pai dignou-Se conceder-nos, no Coração do Filho, infinitos dilectionis
thesauros, tesouros inesgotáveis de amor, de misericórdia, de ternura. Se
quisermos descobrir com evidência que Deus nos ama - que não só escuta as
nossas orações, mas até Se nos antecipa - basta-nos seguir o mesmo raciocínio
de S. Paulo: Aquele que nem ao seu próprio Filho perdoou, mas O entregou à
morte por nós, corno não nos dará, com Ele, todas as coisas?.
A
graça renova o homem por dentro e converte-o, de pecador e rebelde, em servo
bom e fiel. E a fonte de todas as graças é o amor que Deus tem por nós e nos
revelou - e não só com palavras, também com actos. O amor divino faz com que a
Segunda Pessoa da Trindade Santíssima, o Verbo, o Filho de Deus Pai, tome a
nossa carne, isto é, a nossa condição humana, menos o pecado. E o Verbo, a
Palavra de Deus, é Verbum spirans amorem, a Palavra de que procede o Amor.
O
Amor revela-se na Encarnação, nessa caminhada redentora de Jesus Cristo pela
Terra, até ao sacrifício supremo da Cruz. E na Cruz manifesta-se com um novo
sinal: um dos soldados abriu o lado de Jesus com uma lança e no mesmo instante
saiu sangue e água . Água e sangue de Jesus que nos falam de uma entrega
realizada até ao último extremo, até ao consummatum est , ao "tudo está
consumado", por amor.
Na
festa de hoje, ao considerarmos uma vez mais os mistérios centrais da nossa fé,
maravilhamo-nos de que as realidades mais profundas - o amor de Deus Pai que
entrega o seu Filho; o amor do Filho que O leva a caminhar sereno até ao
Gólgota - se traduzam em gestos muito próximos dos homens. Deus não Se nos
dirige numa atitude de poder e de domínio; aproxima-Se de nós tomando a forma
de servo, tornado semelhante aos homens . Nunca Jesus Se mostra distante e
altivo. Por vezes, durante os anos de pregação, podemos vê-Lo desgostoso por
lhe doer a maldade humana. Mas, se repararmos melhor, logo perceberemos que o
que Lhe provoca o desgosto ou a cólera é o amor, que o desgosto e a cólera são
apenas um novo modo de nos arrancar à infidelidade e ao pecado. Porventura
quero Eu a morte do ímpio - diz o Senhor Deus - e não que se converta do seu
mau caminho e que viva? Essas palavras explicam-nos toda a vida de Cristo e
fazem-nos compreender por que Se apresentou perante nós com um coração de
carne, com um coração como o nosso, prova irrefutável de amor e testemunho
constante do mistério inenarrável da caridade divina.
163
Conhecer o coração de
Jesus
Não
posso deixar de vos confiar algo que constitui para mim um motivo de pena e ao
mesmo tempo um estímulo para a acção: pensar nos homens que ainda não conhecem
Cristo, que não pressentem ainda a profundeza da felicidade que nos espera nos
Céus e vagueiam pela Terra, como cegos, em perseguição de uma alegria cujo
verdadeiro nome ignoram, ou se perdem por sendas que os afastam da felicidade
autêntica. Como se entende bem o que deve ter sentido o Apóstolo Paulo, naquela
noite da cidade de Tróade, quando, entre sonhos, teve uma visão: um macedónio
estava diante dele, pedindo-lhe: passa à Macedónia e ajuda-nos! Mal acabou a
visão, logo - Paulo e Timóteo - buscaram maneira de passar à Macedónia, certos
de que Deus os chamava para pregarem o Evangelho àquelas gentes .
Não
sentis vós também que Deus nos chama, que - através de tudo o que se passa à
nossa volta - nos impele a proclamar a boa-nova da vinda de Jesus? Mas, às
vezes, nós, cristãos, amesquinhamos a nossa vocação, caímos na
superficialidade, perdemos o tempo em disputas e querelas. Ou, o que é pior
ainda, não falta quem se escandalize falsamente com o modo como os outros vivem
certos aspectos da Fé ou determinadas devoções e, em vez de serem eles a abrir
o caminho, esforçando-se por vivê-las da maneira que consideram recta,
entretêm--se a destruir e a criticar. É claro que podem surgir, e de facto
surgem, deficiências na vida dos cristãos. O que importa, porém, não somos nós
e as nossas misérias; só Ele importa, só Jesus. É de Cristo que devemos falar;
não de nós mesmos.
As
reflexões que acabo de fazer são provocados por uma suposta crise na devoção ao
Sagrado Coração de Jesus. Tal crise não existe. A verdadeira devoção foi e
continua a ser uma atitude viva, cheia de sentido humano e de sentido
sobrenatural. Os seus frutos têm sido e continuam a ser frutos saborosos de
conversão, de entrega, de cumprimento da vontade de Deus, de penetração amorosa
nos mistérios da Redenção.
Bem
diversas, pelo contrário, são as manifestações de um sentimentalismo ineficaz,
vazio de doutrina, eivado de pietismo. Também eu não gosto das imagens
delambidas, dessas figurações do Sagrado Coração que não podem inspirar devoção
nenhuma a pessoas com senso comum e com sentido sobrenatural próprio de
cristãos. Mas não é sinal de boa lógica converter certos abusos de ordem
prática, que acabam por desaparecer, num problema doutrinário, de ordem
teológica.
Se
crise existe, é no coração dos homens, que - por miopia, por egoísmo, por
estreiteza de vistas - não são capazes de vislumbrar o insondável amor de
Cristo Senhor Nosso. A liturgia da Santa Igreja, desde que se instituiu a festa
de hoje, tem sabido oferecer o alimento da verdadeira piedade, recolhendo como
leitura para a Missa um texto de S. Paulo em que nos é proposto todo um
programa de vida contemplativa - conhecimento e amor, oração e vida - que
começa por esta devoção ao Coração de Jesus. 0 próprio Deus, pela boca do
Apóstolo, nos convida a seguir esse caminho: que Cristo habite pela fé nos
vossos corações, e que, arreigados e cimentados na caridade, possais
compreender com todos os santos qual é a amplitude e a grandeza, a altura e a
profundidade do mistério; e conhecer também aquele amor de Cristo que
ultrapassa todo o conhecimento, para vos encherdes de toda a plenitude de Deus
.
A
plenitude de Deus revela-se-nos em Cristo e é em Cristo que nos é dada: no seu
amor, no seu Coração. Porque este é o Coração d'Aquele em quem habita
corporalmente toda a plenitude da divindade. Por isso, se se perde de vista
este alto desígnio de Deus, - a corrente de amor instaurada no mundo pela
Encarnação, pela Redenção e pelo Pentecostes - não se poderão compreender as
delicadezas do Coração do Senhor.
164
A verdadeira devoção ao
coração de Cristo
Consideremos
toda a riqueza que se encerra nestas palavras: Sagrado Coração de Jesus.
Quando
falamos de um coração humano, não nos referimos só aos sentimentos: aludimos à
pessoa toda que quer, que ama, que convive com os outros. Ora, na maneira de os
homens se exprimirem, que a Sagrada Escritura utiliza para nos dar a entender
as coisas divinas, o coração é tido por resumo e fonte, expressão e fundo
íntimo dos pensamentos, das palavras, das acções. Um homem vale o que vale o
seu coração - diríamos com palavras bem humanas.
Ao
coração pertence a alegria: alegre-se o meu coração com o teu auxílio! ; o
arrependimento: o meu coração é como cera que se derrete dentro do peito ; o
louvor a Deus: do meu coração brota um cântico belo ; a decisão para ouvir o
Senhor: está disposto o meu coração ; a vigília amorosa: eu durmo, mas o meu
coração vigia . E ainda a dúvida e o temor: não se perturbe o vosso coração;
crede em Mim .
O
coração não sente apenas: também sabe e entende. A lei de Deus é recebida no
coração, e nele permanece escrita. E a Escritura acrescenta: a boca fala da
abundância do coração. O Senhor lançou em rosto a uns escribas: porque pensais
mal em vossos corações?. E, para resumir todos os pecados que um homem pode
cometer, disse: é do coração que saem todos os maus pensamentos, os homicídios,
os adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfémias
.
Quando,
na Sagrada Escritura, se fala de coração, não se trata de um sentimento
passageiro, que perturba ou faz nascer as lágrimas. Fala-se do coração para
indicar a pessoa, pois esta, como disse o próprio Jesus, orienta-se toda - alma
e corpo - para o que considera o seu bem: porque onde está o teu tesouro, aí
está também o teu coração.
É
por isso que, quando falamos do coração de Jesus, manifestamos a certeza do
amor de Deus e a verdade da sua entrega a nós mesmos. Recomendar a devoção a
esse Sagrado Coração é o mesmo que dizer que nos devemos orientar
integralmente, com tudo o que somos - a nossa alma, os nossos sentimentos, os
nossos pensamentos, palavras e acções, os nossos trabalhos e as nossas alegrias
- para Jesus todo.
Nisto
se define a verdadeira devoção ao Coração de Jesus: em conhecer a Deus e
conhecermo-nos a nós mesmos, e em olhar para Jesus e recorrer a Ele - que nos
anima, nos ensina, nos guia. A única superficialidade que pode haver nesta
devoção é a do homem que não é integralmente humano e que, por isso, não
consegue aperceber-se da realidade de Deus feito carne.
165
Cristo
na Cruz, com o Coração trespassado de Amor pelos homens, é uma resposta
eloquente - as palavras não são necessárias - à pergunta sobre o valor das
coisas e das pessoas. Pois valem tanto os homens, a sua vida, a sua felicidade,
que o próprio Filho de Deus Se entrega para os remir, para os purificar, para
os elevar! Quem não amará o seu coração tão ferido? - perguntava uma alma
contemplativa. E continuava a perguntar: Quem não dará amor por amor? Quem não
abraçará um Coração tão puro? Nós, que somos de carne, pagaremos amor com amor,
abraçaremos o Ferido que encontrámos, Aquele a quem os ímpios atravessaram as
mãos e os pés, o lado e o Coração. Peçamos-lhe que Se digne prender o nosso
coração com o vínculo do seu amor, feri-lo com uma lança, pois é ainda duro e
impenitente.
São
pensamentos, afectos e palavras que as almas enamoradas desde sempre dedicaram
a Jesus. Mas, para entender essa linguagem, para saber na verdade o que é o
coração humano e o Coração de Cristo e o amor de Deus, são precisas a Fé e a
humildade. Foi com Fé e humildade que Santo Agostinho escreveu para nós estas
palavras universalmente famosas: criastes-nos, Senhor, para Vós, e o nosso
coração está inquieto enquanto em Vós não repousa.
Quando
não cultiva a humildade, o homem pretende apropriar-se de Deus, mas não dessa
maneira divina que o próprio Cristo tomou possível ao dizer tomai e comei: isto
é o meu Corpo; antes, tentando reduzir a grandeza divina aos limites humanos. A
razão - razão fria e cega, que não é a inteligência nascida da Fé, nem sequer a
recta inteligência da criatura capaz de saborear e amar as coisas - converte-se
na sem-razão de quem tudo submete à sua pobre experiência vulgar, que
amesquinha a verdade humana e cobre o coração do homem com uma crosta
insensível às inspirações do Espírito Santo. A nossa pobre inteligência estaria
perdida, se não fosse o poder misericordioso de Deus, que rasga as fronteiras
da nossa miséria: hei-de dar-vos um coração novo e revestir-vos de um novo
espírito; hei-de tirar-vos o vosso coração de pedra e dar-vos em seu lugar um
coração de carne. E a alma recuperará a luz e há-de encher-se de alegria, por
força das promessas da Sagrada Escritura.
Eu
tenho pensamentos de paz e não de aflição, declarou Deus pela boca do profeta
Jeremias. A Liturgia aplica estas palavras a Jesus, porque n'Ele se nos
manifesta com toda a clareza que é assim que Deus nos ama. Não vem
condenar-nos; não vem para nos lançar em rosto a nossa indigência ou a nossa
mesquinhez: vem salvar-nos, perdoar-nos, desculpar-nos, trazer-nos a paz e a
alegria. Se reconhecermos esta maravilhosa relação do Senhor com os seus filhos,
os nossos corações mudarão com certeza e veremos abrir-se diante dos nossos
olhos um horizonte absolutamente novo, cheio de relevo, de profundidade e de
luz.
166
Levar aos outros o amor de
Cristo
Mas
reparai: Deus não nos declara: em vez do coração, dar-vos-ei uma vontade
própria de puro espírito. Não, dá-nos um coração, e um coração de carne, como o
de Cristo. Não tenho um coração para amar a Deus e outro para amar as pessoas
da Terra. Com o mesmo coração com que amo os meus pais e estimo os meus amigos,
com esse mesmo coração amo Cristo, e o Pai, e o Espírito Santo, e Santa Maria.
Não me cansarei de vos repetir: temos de ser muito humanos, porque, se não,
também não podemos ser divinos.
O
amor humano, o amor cá deste mundo, quando é verdadeiro, ajuda-nos a saborear o
amor divino. E assim entrevemos o amor com que havemos de gozar de Deus e
aquele que lá no Céu nos há-de unir uns aos outros, quando o Senhor for tudo em
todas as coisas. E, começando a entender o que é o amor divino, havemos de nos
mostrar habitualmente mais compassivos, mais generosos, mais entregados.
Havemos
de dar o que recebemos, ensinar o que aprendemos; levar os outros a participar
- sem soberba, com simplicidade - desse conhecimento do amor de Cristo. Quando
cada um de vós realiza o seu trabalho, exerce a sua profissão na sociedade,
pode e deve converter essa tarefa num serviço. O trabalho bem acabado, que
progride e faz progredir e tem em conta o avanço da cultura e da técnica,
realiza uma grande função, que será sempre útil à humanidade inteira, se nos
mover a generosidade, não o egoísmo; o amor por todos, não o proveito próprio;
se estiver cheio de sentido cristão da vida.
É
a partir desse trabalho e na própria rede das relações humanas, que haveis de
mostrar a caridade de Cristo e os seus resultados concretos de amizade, de
compreensão, de ternura humana, de paz. Assim como Cristo passou fazendo o bem
, por todos os caminhos da Palestina, assim vós ireis por todos os caminhos
humanos - da família, da sociedade civil, das relações profissionais de cada
dia - semeando paz. E será esta a melhor prova de que o Reino de Deus chegou
aos vossos corações. Nós sabemos que fomos trasladados da morte para a vida, -
escreve o apóstolo S. João - porque amamos os nossos Irmãos.
Mas
ninguém pode viver esse amor se não se formar na escola do Coração de Jesus. Só
se olharmos e contemplarmos o Coração de Cristo, conseguiremos que o nosso se
liberte do ódio e da indiferença. Só assim saberemos reagir cristãmente diante
dos sofrimentos alheios, diante da dor.
Recordai
a cena que nos conta S. Lucas, quando Cristo andava nos arredores da cidade de
Naim. Jesus vê a angústia daquelas pessoas, com quem Se cruzou ocasionalmente.
Podia ter passado de lado, ou ter esperado que O chamassem e Lhe fizessem um
pedido. Mas não Se afasta, nem fica na expectativa. Toma ele próprio a
iniciativa, movido pela aflição de uma viúva que perdera a única coisa que lhe
restava - o filho.
Explica
o evangelista que Jesus Se compadeceu; talvez a sua comoção tivesse também
sinais externos, como pela morte de Lázaro. Jesus não era, nem é, insensível ao
padecimento que nasce do amor, nem sente prazer em separar os filhos dos pais.
Supera a morte, para dar a vida, para que aqueles que se amam convivam,
exigindo antes e ao mesmo tempo a preeminência do Amor divino que deve informar
a autêntica existência cristã.
Cristo
sabe que O rodeia uma grande multidão, a quem o milagre encherá de pasmo e que
há-de ir apregoando o sucedido por toda aquela região. Mas o Senhor não actua com
artificialismo, só para praticar um "feito": sente-Se singelamente
afectado pelo sofrimento daquela mulher; não pode deixar de a consolar. Então,
aproximou-Se e disse-lhe: não chores. Que é como se lhe dissesse: não te quero
ver desfeita em lágrimas, pois Eu vim trazer à Terra a alegria e a paz. E
imediatamente se dá o milagre, manifestação do poder de Cristo, Deus. Mas antes
já se dera a comoção da sua alma, manifestação evidente da ternura do coração
de Cristo, Homem.
167
Se
não aprendermos com Jesus, nunca amaremos. Se pensássemos, como alguns pensam,
que conservar um coração limpo, digno de Deus, significa não o misturar, não o
contaminar com afectos humanos, o resultado lógico seria tomarmo-nos
insensíveis à dor dos outros. Só seríamos capazes de uma caridade oficial, seca
e sem alma; não da verdadeira caridade de Jesus Cristo, que é ternura, amor
humano. Mas com isto não estou a justificar certas teorias com que se pretende
desculpar o desvio dos corações, afastando-os de Deus e levando-os a más ocasiões
e à perdição.
Na
festa de hoje, havemos de pedir ao Senhor que nos dê um coração bom, capaz de
se compadecer das penas das criaturas, capaz de compreender que, para remediar
os tormentos que acompanham e tanto angustiam as almas neste mundo, o verdadeiro
bálsamo é o amor, a caridade; todas as outras consolações só servem para nos
distrair por um momento e deixar depois amargura e desespero.
Se
queremos ajudar os outros, temos de os amar - deixai-me insistir - com um amor
que seja compreensão e entrega, afecto e humildade voluntária. Assim
compreenderemos por que quis o Senhor resumir toda a Lei nesse duplo
mandamento, que é afinal um mandamento só: o amor de Deus e o amor do próximo,
com todo o coração.
Talvez
estejais a pensar que, por vezes, nós, cristãos - não os outros: tu e eu - nos
esquecemos das aplicações mais elementares deste dever. Talvez penseis em
tantas injustiças a que se não dá remédio, em abusos que não se corrigem, em
situações de discriminação que se transmitem de geração em geração, sem se
procurar uma solução de raiz.
Não
posso, nem isso me compete, propor-vos a forma concreta de resolver esses
problemas. Mas, como sacerdote de Cristo, é meu dever recordar-vos o que a
Sagrada Escritura diz. Meditai na cena do Juízo, que o próprio Jesus descreveu:
afastai-vos de Mim, malditos, e ide para o fogo eterno, que foi preparado para
o Diabo e os seus anjos. Porque tive fome e não Me destes de comer; tive sede e
não Me destes de beber; fui peregrino e não Me recebestes; nu, e não Me cobristes;
enfermo e encarcerado, e não Me visitastes.
Um
homem ou uma sociedade que não reaja diante das tribulações ou das injustiças e
se não esforce por as aliviar, não é um homem ou uma sociedade à medida do amor
do Coração de Cristo. Os cristãos - conservando sempre a mais ampla liberdade
quando se trata de estudar e de pôr em prática as diversas soluções, segundo um
pluralismo bem natural - terão de convergir no mesmo anseio de servir a
humanidade. Se não, o seu cristianismo não será a Palavra e a Vida de Jesus:
será um disfarce, um embuste feito a Deus e aos homens.
168
A paz de Cristo
Tenho
ainda a propor-vos uma outra consideração: devemos lutar sem descanso por fazer
o bem, precisamente por sabermos que nos é difícil, a nós, homens, decidirmo-nos
a sério a exercer a justiça, e é muito o que falta para que a convivência
terrena esteja inspirada pelo amor e não pelo ódio ou pela indiferença. Não
esqueçamos também que, mesmo que consigamos atingir um estado razoável de
distribuição dos bens e uma harmoniosa organização da sociedade, não há-de
desaparecer a dor da doença, da incompreensão ou da solidão, a dor da
experiência dos nossas próprias limitações.
Em
face dessas penas, o cristão só tem uma resposta autêntica, uma resposta
definitiva: Cristo na Cruz, Deus que sofre e que morre, Deus que nos entrega o
seu Coração, aberto por uma lança, por amor a todos. Nosso Senhor abomina as
injustiças e condena quem as comete. Mas, como respeita a liberdade das
pessoas, permite que existam. Deus Nosso Senhor não causa a dor das criaturas,
mas tolera-a como parte que é - depois do pecado original - da condição humana.
E, no entanto, o seu Coração, cheio de amor pelos homens, levou-O a tomar sobre
os seus ombros, juntamente com a Cruz, todas essas torturas: o nosso
sofrimento, a nossa tristeza, a nossa angústia, a nossa fome e sede de justiça.
A
doutrina cristã sobre a dor não é um programa de fáceis consolações. Começa
logo por ser uma doutrina de aceitação do sofrimento, inseparável de toda a
vida humana. Não vos posso esconder - e com alegria pois sempre preguei e
procurei viver a verdade de que, onde está a Cruz está Cristo, o Amor - que a
dor apareceu muitas vezes na minha vida; e mais de uma vez tive vontade de
chorar. Noutras ocasiões, senti crescer em mim o desgosto pela injustiça e pelo
mal. E soube o que era a mágoa de ver que nada podia fazer, que, apesar dos
meus desejos e dos meus esforços, não conseguia melhorar aquelas situações
iníquas.
Quando
vos falo de dor, não vos falo apenas de teorias. Nem me limito a recolher uma
experiência de outros, quando vos confirmo que, se sentis, diante da realidade
do sofrimento, que a vossa alma vacila algumas vezes, o remédio que tendes é
olhar para Cristo. A cena do Calvário proclama a todos que as aflições hão-de
ser santificadas, se vivermos unidos à Cruz.
Porque
as nossas tribulações, cristãmente vividas, se convertem em reparação, em
desagravo, em participação no destino e na vida de Jesus, que voluntariamente
experimentou, por amor aos homens, toda a espécie de dores, todo o género de
tormentos. Nasceu, viveu e morreu pobre; foi atacado, insultado, difamado,
caluniado e condenado injustamente; conheceu a traição e o abandono dos
discípulos; experimentou a solidão e as amarguras do suplício e da morte. Ainda
agora, Cristo continua a sofrer nos seus membros, na Humanidade inteira que
povoa a Terra e da qual Ele é Cabeça e Primogénito e Redentor.
A
dor entra nos planos de Deus. Ainda que nos entendê-la, é esta a realidade.
Também Jesus, como homem, teve dificuldade em admiti-la: Pai, se é possível,
afasta de Mim este cálice! Não se faça, porém, a minha vontade, mas a tua! .
Nesta tensão entre o sofrimento e a aceitação da vontade do Pai, Jesus vai
serenamente para a morte, perdoando aos que O crucificaram.
Ora,
esta aceitação sobrenatural da dor pressupõe, por outro lado, a maior
conquista. Jesus, morrendo na Cruz, venceu a morte. Deus tira da morte a vida.
A atitude de um filho de Deus não é a de quem se resigna à sua trágica
desventura; é, sim, a satisfação de quem já antegoza a vitória. Em nome desse
amor vitorioso de Cristo, nós, os cristãos, devemos lançar-nos por todos os
caminhos da Terra, para sermos semeadores de paz e de alegria, com a nossa
palavra e nossas obras. Temos de lutar - é uma luta de paz - contra o mal,
contra a injustiça, contra o pecado, para proclamarmos assim que a actual
condição humana não é a definitiva; o amor de Deus, manifestado no Coração de
Cristo, conseguirá o glorioso triunfo espiritual dos homens.
169
Evocámos
há pouco o episódio de Naim. Poderíamos citar ainda outros, porque os
Evangelhos estão cheios de cenas semelhantes. Esses relatos sempre comoveram e
hão-de continuar a comover os corações dos homens. Efectivamente, não incluem
apenas o gesto sincero de um homem que se compadece dos seus semelhantes: são,
essencialmente, a revelação da imensa caridade do Senhor. O Coração de Jesus é
o Coração de Deus Encarnado, do Emanuel - Deus connosco.
A
Igreja, unida a Crista, nasce de um Coração ferido. É desse Coração, aberto de par
em par, que a vida nos é transmitida. Como não recordar aqui, embora de
passagem, os sacramentos através dos quais Deus opera em nós e nos faz
participantes da força redentora de Cristo? Como não recordar com particular
gratidão o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, o Santo Sacrifício do Calvário
e a sua constante renovação incruenta na nossa Missa? É Jesus, que Se nos
entrega como alimento; porque Jesus vem até nós, tudo muda e no nosso ser
manifestam-se forças - a ajuda do Espírito Santo - que enchem a alma, que
formam as nossas acções, o nosso modo de pensar e de sentir. O coração de
Cristo é paz para o cristão.
O
fundamento da entrega que o Senhor nos pede não está só nos nossos desejos e
nas nossas forças, tantas vezes limitados e impotentes: apoia-se, antes de
tudo, nas graças que conquistou para nós o amor do Coração de Deus feito Homem.
Por isso, podemos e devemos perseverar na nossa vida interior de filhos do Pai
que está nos Céus, sem darmos acolhimento ao desânimo e à desesperança. Gosto
de mostrar como o cristão, na sua existência habitual e corrente, nos mais
simples pormenores, nas circunstâncias normais do seu dia-a-dia, exercita a Fé,
a Esperança e a Caridade, porque aí é que reside a essência da conduta de uma
alma que conta com o auxílio divino e que, na prática dessas virtudes
teologais, encontra a alegria, a força e a serenidade.
São
estes os frutos da paz de Cristo, da paz que nos veio trazer o seu Coração
Sagrado. Porque - digamo-lo mais uma vez - o amor de Jesus pelos homens é uma das
profundidades insondáveis do mistério divino, do amor do Filho ao Pai e ao
Espírito Santo. O Espírito Santo, laço de amor entre o Pai e o Filho, encontra
no Verbo um coração humano.
Não
é possível falar destas realidades centrais da nossa fé sem darmos pela
limitação da nossa inteligência diante das grandezas da Revelação. No entanto,
embora a nossa razão se encha de pasmo, cremos nelas com humildade e firmeza.
Sabemos, apoiados no testemunho de Cristo, que essas realidades são assim
mesmo. Que o Amor, no seio da Trindade, se derrama sobre todos os homens por
intermédio do amor do Coração de Jesus.
170
Viver
no Coração de Jesus, unir-nos a Ele estreitamente é, portanto, convertermo-nos
em morada de Deus. Aquele que Me ama será amado pelo meu Pai, anunciou o
Senhor. E Cristo e o Pai, no Espírito Santo, vêm à alma e fazem nela a sua
morada.
Quando
compreendemos - ainda que seja só um poucochinho - estas verdades fundamentais,
a nossa maneira de ser transforma-se. Passamos a ter fome de Deus e fazemos nossas
as palavras do Salmo: Meu Deus, eu Te procuro solícito; sedenta de Ti está a
minha alma; a minha carne deseja-Te, como terra árida, sem água. E Jesus, que
suscitou as nossas ansiedades, vem ao nosso encontro e diz-nos: se alguém tem
sede, venha a Mim e beba. E oferece-nos o seu Coração, para encontrarmos nele o
nosso repouso e a nossa fortaleza. Se aceitarmos o seu chamamento, veremos como
as suas palavras são verdadeiras, e aumentará a nossa fome e a nossa sede, até
desejarmos que Deus estabeleça no nosso coração o lugar do seu repouso e não
afaste de nós o seu calor e a sua luz.
Ignem
veni mittere in terram, et quid volo nisi ut accendatur?, vim trazer fogo à
Terra, e que quero eu senão que se acenda?. Já que nos aproximámos um bocadinho
do fogo do Amor de Deus, deixemos que o seu impulso mova as nossas vidas,
sintamos o entusiasmo de levar o fogo divino de um extremo ao outro do mundo,
de o dar a conhecer àqueles que nos rodeiam - para que também eles conheçam a
paz de Cristo e, com ela, encontrem a felicidade. Um cristão que viva unido ao
Coração de Jesus não pode ter outros objectivos senão estes: a paz na
sociedade, a paz na Igreja, a paz na própria alma, a paz de Deus, que se
consumará quando vier a nós o seu Reino.
Maria,
Regina pacis, Rainha da Paz, porque tiveste fé e acreditaste que se cumpriria o
anúncio do Anjo, ajuda-nos a aumentar a Fé, a sermos firmes na Esperança, a
aprofundar o Amor. Porque é isso que quer hoje de nós o teu Filho, ao
mostrar-nos o seu Sacratíssimo Coração.
171
Assumpta est Maria, in coelum,
gaudent angeli. Maria foi levada por Deus, em corpo e alma,
para os Céus. Há alegria entre os anjos e os homens. Qual a razão desta
satisfação íntima que descobrimos hoje, com o coração que parece querer saltar
dentro do peito e a alma cheia de paz?. Celebramos a glorificação da nossa Mãe
e é natural que nós, seus filhos, sintamos um júbilo especial ao ver como é
honrada pela Trindade Beatíssima.
Cristo,
seu Filho Santíssimo, nosso irmão, deu-no-la por Mãe no Calvário, quando disse
a S. João: eis aqui a tua Mãe. E nós recebêmo-la, com o discípulo amado,
naquele momento de imenso desconsolo. Santa Maria acolheu-nos na dor, quando se
cumpriu a antiga profecia: e uma espada trespassará a tua alma. Todos somos
seus filhos; ela é Mãe de toda a Humanidade. E agora, a Humanidade comemora a
sua inefável Assunção: Maria sobe aos céus, Filha de Deus Pai, Mãe de Deus
Filho, Esposa de Deus Espírito Santo. Mais do que Ela, só Deus.
O mistério do amor
Mistério
de amor é este. A razão humana não consegue compreendê-lo. Só a fé pode
explicar como é que uma criatura foi elevada a tão grande dignidade, até se
tornar o centro amoroso em que convergem as complacências da Trindade. Sabemos
que é um segredo divino. Mas, por se tratar da nossa Mãe, sentimo-nos capazes
de o compreender melhor - se é possível falar assim - do que outras verdades da
fé.
Como
nos teríamos comportado se tivéssemos podido escolher a nossa mãe? Julgo que
teríamos escolhido a que temos, enchendo-a de todas as graças. Foi o que Cristo
fez, pois sendo Omnipotente, Sapientíssimo e o próprio Amor, seu poder realizou
todo o seu querer.
Vede
como os cristãos descobriram, há já bastante tempo, este raciocínio: convinha -
escreve S. João Damasceno - que aquela que no parto. tinha conservado íntegra a
sua virgindade, conservasse depois da morte o seu corpo sem corrupção alguma..
Convinha que aquela que tinha trazido no seu seio o Criador feito menino,
habitasse na morada divina.. Convinha que a Esposa de Deus entrasse na casa
celestial. Convinha que aquela que tinha visto o seu Filho na Cruz, recebendo
assim no seu coração a dor de que tinha sido isenta no parto, o contemplasse
sentado à direita do Pai. Convinha que a Mãe de Deus possuísse o que
corresponde a seu Filho, e que fosse honrada como Mãe e Escrava de Deus por
todas as criaturas.
Os
teólogos formularam com frequência um argumento semelhante, tentando
compreender de algum modo o significado desse cúmulo de graças de que Maria se
encontra revestida, e que culmina com a Assunção aos Céus. Dizem. convinha;
Deus podia fazê-lo; e por isso o fez. É a explicação mais clara das razões que
levaram Cristo a conceder a sua Mãe todos os privilégios, desde o primeiro
instante da sua Imaculada Conceição. Ficou livre do poder de Satanás; é formosa
- tota pulchra! - limpa, pura na alma e no corpo.
172
O mistério do sacrifício
silencioso
Mas
reparai: se Deus quis, por um lado exaltar a sua Mãe, por outro, durante a sua
vida terrena, não foram poupados a Maria a experiência da dor, nem o cansaço do
trabalho, nem o claro-escuro da fé. Àquela mulher do povo, que, certo dia,
irrompe em louvores a Jesus, exclamando Bem aventurado o ventre que te trouxe e
os peitos a que foste amamentado, o Senhor responde: Antes bem aventurados
aqueles que ouvem a palavra de Deus, e a põem em prática. Era o elogio da sua
Mãe, do seu fiat, do faça-se, sincero, entregue, cumprido até às últimas
consequências, que não se manifestou em acções aparatosas, mas no sacrifício
escondido e silencioso de cada dia.
Ao
meditar nestas verdades, percebemos um pouco mais a lógica de Deus.
Compreendemos que o valor sobrenatural da nossa vida não depende de que se
tornem realidade as grandes façanhas que por vezes forjamos com a imaginação,
mas da aceitação fiel da vontade divina, da disposição generosa nos pequenos
sacrifícios diários,
Para
sermos divinos, para nos "endeusarmos", temos de começar por ser
muito humanos, vivendo face a Deus dentro da nossa condição de homens
correntes, santificando esta aparente pequenez. Assim viveu Maria. A cheia de
graça, a que é objecto das complacências de Deus, a que está acima dos anjos e
dos santos teve uma existência normal. Maria é uma criatura como nós, com um
coração como o nosso, capaz de gozo e de alegrias, de sofrimento e de lágrimas.
Antes de Gabriel lhe comunicar o querer de Deus, não sabe que tinha sido
escolhida desde toda a eternidade para ser Mãe do Messias. Considera-se a si
mesma cheia de baixeza; por isso, reconhece logo, com profunda humildade, que
fez em mim grandes coisas Aquele que é Todo-poderoso.
A
pureza, a humildade e a generosidade de Maria contrastam com a nossa miséria,
com o nosso egoísmo. É razoável que, depois de nos apercebermos disso, nos
sintamos movidos a imitá-la. Somos criaturas de Deus, como Ela, e basta que nos
esforcemos por ser fiéis para que também em nós o Senhor faça grandes coisas.
Não será obstáculo a nossa pequenez, porque Deus escolhe o que vale pouco, para
que assim brilhe melhor a potência do seu amor.
173
Imitar Maria
A
nossa Mãe é modelo de correspondência à graça e, ao contemplarmos a sua vida, o
Senhor dar-nos-á luz para que saibamos divinizar a nossa existência vulgar.
Durante o ano, quando celebramos as festas marianas, e cada dia em várias
ocasiões, nós, os cristãos, pensamos muitas vezes na Virgem. Se aproveitamos
esses instantes, imaginando como se comportaria a nossa Mãe nas tarefas que
temos de realizar, iremos aprendendo a pouco e pouco, até que acabaremos por
nos parecermos com Ela, como os filhos se parecem com a sua mãe.
Imitar,
em primeiro lugar, o seu amor. A caridade não se limita a sentimentos: há-de
estar presente nas palavras e, sobretudo, nas obras. A Virgem não só disse
fiat, mas também cumpriu essa decisão firme e irrevogável a todo o momento.
Assim, também nós, quando o amor de Deus nos ferir e soubermos o que Ele quer,
devemos comprometer-nos a ser fiéis, leais, mas a sê-lo efectivamente. Porque
nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus; mas o que faz
a vontade de meu Pai, que está nos Céus, esse entrará no reino dos Céus.
Temos
de imitar a sua natural e sobrenatural elegância. Ela é uma criatura
privilegiada na História da Salvação, porque em Maria o Verbo se fez carne e
habitou entre nós. Foi testemunha delicada, que soube passar inadvertida; não
foi amiga de receber louvores, pois não ambicionou a sua própria glória. Maria
assiste aos mistérios da infância de seu Filho, mistérios, se assim se pode
dizer, cheios de normalidade; mas à hora dos grandes milagres e das aclamações
das massas desaparece. Em Jerusalém, quando Cristo - montado sobre um
jumentinho - é vitoriado como Rei, não está Maria. Mas reaparece junto da Cruz,
quando todos fogem. Este modo de se comportar tem o sabor, sem qualquer
afectação, da grandeza, da profundidade, da santidade da sua alma!
Procuremos
aprender, seguindo também o seu exemplo de obediência a Deus, numa delicada
combinação de submissão e de fidalguia. Em Maria, nada existe da atitude das
virgens néscias, que obedecem, sim, mas como insensatas. Nossa Senhora ouve com
atenção o que Deus quer, pondera aquilo que não entende, pergunta o que não
sabe. Imediatamente a seguir, entrega-se sem reservas ao cumprimento da vontade
divina: eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a Vossa palavra.
Vedes esta maravilha? Santa Maria, mestra de toda a nossa conduta, ensina-nos
agora que a obediência a Deus não é servilismo, não subjuga a consciência, pois
move-nos interiormente a descobrirmos a liberdade dos filhos de Deus.
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