17/04/2013

Tratado dos actos humanos 93


Questão 21: Das consequências dos actos humanos em razão da bondade ou da malícia deles.





Art. 2 ― Se o acto humano, por ser bom ou mau, é digno de louvor ou de culpa.

O segundo discute-se assim. ― Parece que o acto humano, por ser bom ou mau, não é digno de louvor ou de culpa.




1. ― Pois, há pecado mesmo nos fenómenos da natureza, como diz Aristóteles 1. Ora, não se lhes atribui nem o louvor nem a culpa, como se vê ainda em Aristóteles 2. Logo, por ser mau ou pecado, um acto humano não é culposo, e por consequência nem é digno de louvor por ser bom.

2. Demais. ― O pecado existe nos actos morais assim como nos da arte, pois, como diz Aristóteles, peca o gramático que não escreve bem e o médico que não dá o remédio conveniente 3. Entretanto, não é inculpado o artista por ter feito mal alguma coisa, porque tem a faculdade de fazer tanto uma obra boa como outra, má. Logo, também o acto moral, por ser mau, não é digno de culpa.

3. Demais. ― Dionísio diz, que o mal implica debilidade e impotência 4. Ora, uma e outra ou elimina ou diminui a culpa. Logo, não é por ser mau que um acto humano é digno de culpa.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que dignas de louvor são as obras das virtudes, dignas de vitupério ou de culpa as obras contrárias 5. Ora, os actos bons são actos de virtude, pois esta torna bom quem a possui e os actos que pratica, bons, logo, os actos opostos são maus. Donde, o acto humano, por ser bom ou mau, é digno de louvor ou de culpa.

Assim como o mal é mais que o pecado, assim este é mais que a culpa. Pois, chama-se culposo ou louvável o acto imputável a um agente, porquanto louvar ou inculpar não é mais do que imputar a alguém a malícia ou a bondade do seu acto. Ora, só é imputado ao agente o acto sobre o qual tem domínio, podendo praticá-lo ou não, e isto dá-se com todos os actos voluntários, porque, pela vontade, o homem exerce domínio sobre os seus actos, como do sobredito resulta 6. Donde se conclui que o bem ou o mal dá razão para louvor ou culpa, só nos actos voluntários, nos quais se identificam o mal, o pecado e a culpa.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Sendo a natureza determinada, os actos naturais não estão no poder do agente natural. Donde, embora nesses actos possa haver pecado, não há contudo, culpa.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Um é o papel da razão relativamente às coisas da arte e outro, relativamente aos actos morais. No respeito à arte, a razão ordena-se a um fim particular de que cogita, na moral porém ordena-se ao fim comum de toda a vida humana, e o fim particular se ordena ao comum. Ora, o pecado, desviando-se da ordem final, como já dissemos 7, pode existir de dois modos na produção da arte. Primeiro, por haver desvio em relação ao fim particular visado intencionalmente pelo artista, e este pecado é próprio da arte, assim, quando um artista, querendo fazer uma obra boa, a faz má, ou inversamente. Segundo, porque se desvia do fim comum da vida humana, então dizemos que peca quem intencionalmente faz obra má, que induza outrem em engano, e este pecado não é próprio do artista, como tal, mas como homem. Donde, pelo primeiro pecado, o artista é inculpado como tal, no segundo, é inculpado o homem, com tal. No domínio moral porém, onde a ordem da razão é relativa ao fim comum da vida humana, o pecado e o mal implicam sempre um desvio dessa ordem, relativamente ao fim comum da vida humana, por isso o homem tem culpa de tal pecado, como homem e como ser moral. Donde o dizer o Filósofo, o que voluntariamente peca, na arte, é preferível ao que peca contra a prudência e contra as virtudes morais 8, de que ela é directriz.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― A debilidade dos males voluntários cai sob o poder do homem, e portanto não elimina nem diminui a culpa.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
_______________________
Notas:
1. II Phys., lect. XIV.
2. III Ethic., lect. XII.
3. II Phys., lect. XIV.
4. IV cap. De div. nom., lect. XXII.
5. De virtut et vitiis, cap. I.
6. Q. 1, a. 1, 2.
7. Q. 21, a. 1.
8. VI Ethic., lect. IV.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.